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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Perdas de faturamento no Plano Collor

A inflação introduz distorções profundas no funcionamento de uma economia, e essas distorções se tornam ainda mais evidentes quando a taxa de aumento de preços não é constante. Períodos de forte aceleração ou desaceleração inflacionária frequentemente têm impactos surpreendentes.


É comum ouvirmos relatos sobre quedas abruptas de faturamento após o Plano Collor, com perdas que podem chegar a 50% ou 60% do faturamento anterior. No entanto, o que é ainda mais surpreendente é que muitas empresas continuam operando apesar dessas perdas substanciais. Afinal, em teoria, quem perde metade de suas receitas não deveria conseguir sobreviver, a menos que estivesse operando com margens de lucro extremamente altas. No entanto, essas empresas persistem, e seus cortes na produção são muito menores do que o esperado.


Essa situação ocorre porque as comparações de faturamento real muitas vezes incorporam distorções que precisam ser corrigidas. Isso acontece porque o preço faturado pelas empresas já inclui o custo financeiro do prazo de pagamento normalmente concedido ao cliente. Portanto, o faturamento de um determinado período reflete recebimentos efetivos que ocorrerão em períodos subsequentes.


Para ilustrar, imagine uma empresa que, no primeiro dia de um mês, faturou Cr$ 1 milhão com um prazo de pagamento de 30 dias. Esse faturamento já inclui o custo de esperar 30 dias até o recebimento efetivo. Se assumirmos que o custo de esperar embutido no preço seja exatamente o da inflação corrente, que era de 60%, o valor presente desse faturamento (ou seja, o seu valor real) seria de Cr$ 625 mil.


Agora, suponha um choque antiinflacionário que elimine o custo de esperar (embora o Plano Collor o tenha reduzido, não o eliminou completamente). Nesse caso, a comparação correta seria feita com base nos Cr$ 625 mil, não no faturamento nominal de Cr$ 1 milhão. Ajustando os valores nominais para valores constantes, a comparação revelaria uma perda de receita (líquida de custos financeiros) muito menor do que aquela que não leva em conta esses ajustes.


Se essa correção não for efetuada, a simples comparação do faturamento mostrará perdas aparentemente maiores do que as que realmente ocorreram. Isso cria uma distorção que exagera ilusoriamente as perdas quando a inflação cai rapidamente, como ocorreu após o Plano Collor.


Em um exemplo hipotético, considerando uma inflação de 1.000% entre dois meses e um faturamento atual de Cr$ 5 milhões, a perda, sem correção, seria de 55%, enquanto, na realidade, foi de 27%.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor de economia da Folha.

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