top of page
Buscar

"Spreads" bancários e o déficit zero


Há cerca de um ano, publiquei uma série de seis artigos na Folha, o primeiro intitulado "O triângulo intocável", em que mostrei que qualquer conjunto de políticas econômicas voltadas para a promoção da estabilização com crescimento não poderia estar dissociado de uma análise de seu impacto em três variáveis-chave: a taxa de inflação, a relação dívida/PIB e o balanço de pagamentos. Na ocasião, foram analisados os efeitos de quatro propostas alternativas à política econômica vigente: a redução abrupta dos juros, a renegociação da dívida pública, a depreciação do real e a redução do crescente superávit primário. A conclusão foi que, por elas mesmas, não seria possível a promoção do crescimento sem efeitos indesejáveis no balanço de pagamentos, no endividamento público ou no controle da inflação. ​ No início da série, avaliei um tema que era insistentemente defendido como forma de conter a expansão da dívida pública: a imediata redução do juro Selic. Predominava um discurso que dizia que a manutenção da política fiscal adotada na época mostrava-se ineficaz para o país equilibrar suas contas, e a proposta em evidência naquele momento recomendava ainda reduzir o superávit primário para gerar investimentos e crescimento econômico. ​ Pouco mais de um ano após, o país ainda não se mostrou capaz de criar uma alternativa para desmontar a armadilha que compromete o crescimento econômico. Ademais, nesse período houve uma total guinada no discurso envolvendo a área fiscal. Ganhava força uma proposta que defendia o afrouxamento da política fiscal por meio da redução do superávit primário, e hoje prevalece a ideia de um maior arrocho nas contas públicas. A proposta atualmente em discussão defende a elevação do superávit primário como forma de eliminar o déficit fiscal provocado pelo pagamento dos juros. Com isso, criar-se-ia uma expectativa que permitiria a redução dos juros e da relação dívida/PIB. A obtenção de maiores superávits seria obtida principalmente pelo aumento da DRU de 20% para 40% e por meio de cortes nos gastos de custeio. Ou seja, o ajuste fiscal que vinha sendo implementado via aumento de impostos poderia agora ser aprofundado via redução das despesas. ​ É louvável a proposta de enfrentar o desequilíbrio das contas públicas e de ampliar a flexibilidade na administração do Orçamento. No entanto há que questionar até que ponto o aprofundamento do ajuste fiscal irá impactar negativamente no nível de atividade e como será equacionado o inevitável conflito na redistribuição dos recursos da União. Por outro lado, cabe indagar qual o impacto do aumento do superávit primário sobre as variáveis-chave do triângulo intocável. ​ Com maior saldo primário e a possível queda da Selic, o serviço da dívida e a relação dívida/PIB seriam reduzidos. Nas contas externas, o impacto também seria positivo, uma vez que a expectativa de queda dos juros reduziria a entrada de moedas estrangeiras -o que, por sua vez, depreciaria o câmbio. A desvalorização do real estimularia as exportações, garantindo a continuidade do saldo comercial positivo. Contudo o preço das importações seria mais alto, o que impactaria negativamente os preços domésticos e tornar necessárias novas elevações no juro primário como forma de atender o sistema de metas de inflação que comanda a política monetária. ​ Portanto a revisão da política econômica baseada no aprofundamento do ajuste fiscal pode implicar, mais à frente, uma nova armadilha, salvo se houver espaço para novas elevações no superávit primário, um evento politicamente improvável. ​ Para evitar tais riscos, deve-se adicionar ao elenco de instrumentos de política econômica em discussão uma variável fundamental para a retomada do crescimento com estabilidade: o "spread" bancário. ​ Enquanto nos países emergentes o "spread" médio é de menos de 4%, por aqui ele chega a 30%, conforme levantamento do Banco Central. Hoje, mesmo uma queda significativa na taxa Selic seria insuficiente para estimular investimentos privados. ​ Analisando uma amostra do Banco Central contendo a taxa Selic e a média dos juros praticados no mercado e do "spread" bancário no período entre junho de 2000 e maio de 2005, é possível apurar que esta última variável oscilou bem menos que as duas primeiras. A variância (medida que revela a dispersão de uma amostra em relação à média) entre os três indicadores no período citado foi de 9,8 no caso da Selic, 18,1 nos juros de mercado e de 4,7 no "spread" cobrado pelos bancos. ​ Portanto, na amostra em questão, é possível concluir que o "spread" bancário mantém-se quase fixo. A redução da Selic pode ter um efeito muito aquém do esperado nos juros de mercado e frustrar a retomada do crescimento.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

Download PDF

#ARTIGOS #Folha #2005

bottom of page