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A mesma lengalenga sobre cumulatividade


O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, propõe uma nova política fiscal. Entre outras providências, sugere um teto de 17,5% do PIB para os gastos correntes e sua redução em 0,1 ponto percentual ao ano a partir de 2008, a ampliação da DRU de 20% para 35% até 2013 e a prorrogação da CPMF até 2009, com sua alíquota sendo reduzida gradualmente até 2013. ​ A proposta estabelece metas e ações importantes. No entanto há um equívoco, que poderá ser trágico, na questão da CPMF. ​ O governo quer reduzir a carga tributária começando pela CPMF. A intenção seria prorrogar sua vigência com a alíquota de 0,38% até 2009 e reduzi-la de forma gradual até 0,08% em 2013, quando então o tributo se tornaria permanente e mantido apenas como um instrumento de fiscalização. ​ A primeira questão a ser discutida reside na coerência e na sinceridade, ou falta delas, da proposta. Se a CPMF é um tributo pernicioso para a economia brasileira, tese da qual discordo frontalmente, por que não eliminá-lo imediatamente e compensar a perda de arrecadação com o aumento de tributos considerados saudáveis pelo ministro, como o IPI, o IR ou então a Cofins, que são não-cumulativos e, na sua opinião, menos perversos que a CPMF? ​ Segundo: se a verdadeira meta do governo fosse a redução da carga tributária, a decisão deveria ser aplaudida. No entanto, a utilização da CPMF para atingir esse objetivo é totalmente equivocada. ​ A experiência da CPMF desde meados dos anos 90 evidenciou suas vantagens. É um tributo universal, com ampla base de incidência; equânime, com sua proporcionalidade relativa à movimentação financeira do contribuinte; com alta produtividade; baixa alíquota; custo reduzido para o contribuinte e para o governo; praticamente impossível de ser sonegado; e radicalmente simples, com a dispensa de preenchimento de obscuros formulários, típico dos impostos declaratórios, bem como das temidas fiscalizações, em geral recheadas de objetivos escusos. ​ Aliás, essas qualidades foram reconhecidas por Everardo Maciel, quando era secretário da Receita Federal. Segundo ele, a CPMF "é um ótimo imposto; tem custo praticamente zero, não afetou preços ou provocou desintermediação financeira; tudo se exprime em fluxo; não passa nada; há muito o que aprender com a CPMF". ​ Ao que tudo indica, a proposta de antecipar o debate em torno da CPMF é meramente uma estratégia preparatória para prorrogar o tributo além de 2007. O próprio Bernardo disse, em seminário na Apimec (Associação de Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado), que "o governo não poderá abrir mão da CPMF, que é fonte segura de arrecadação". ​ Em estudo do Ipea encomendado pelo ministro, a CPMF é rotulada, equivocadamente, como entrave à competitividade nacional por ser um tributo "em cascata". É a velha tese que sataniza os impostos cumulativos e endeusa os que incidem sobre o valor agregado. ​ Produzi inúmeros textos mostrando que a alegação de que a CPMF é ruim porque é cumulativa é um puritanismo hipócrita, porquanto não existe imposto perfeitamente não-cumulativo, um ideal teórico e jamais encontrado na vida real. Ademais, por ser a CPMF um tributo insonegável, não causa as imensas distorções de preços relativos e, portanto, alocativas, que a sonegação, estimulada pelos tributos convencionais, introduz na matriz interindustrial brasileira. Essa, sim, é uma perversidade, uma aberração, que seria amplamente evitada com o uso de tributos eletrônicos como a CPMF. Em várias simulações publicadas, mostrei que um imposto cumulativo sobre as movimentações financeiras, com baixa alíquota, provoca menos distorções sobre os preços relativos do que um IVA sonegável com alíquota elevada. ​ Quanto às exportações, encarece-as o emaranhado de impostos e contribuições existentes. Apesar de muitos incidirem sobre o valor adicionado por etapa da produção, somente parte deles é desonerada. A guerra entre governadores e a União sobre as compensações da Lei Kandir está levando muitos Estados a não mais conceder isenções aos exportadores, sem falar na virtual impossibilidade de receberem os créditos a que têm direito. A desoneração das exportações está se revelando não-operacional com tributos sobre valor agregado administrados por entidades subnacionais. Com a CPMF, a desoneração seria simples e objetiva, mediante rebates calculados por meio das matrizes de insumo-produto elaboradas pelo IBGE. ​ É notório que a CPMF é um tributo que atende às necessidades brasileiras e que incorpora a onda simplificadora que domina as mudanças tributárias debatidas nos EUA e implementadas em países da Europa. A CPMF pode, e deve, ser utilizada para reduzir nossa carga tributária global e individual por meio de sua utilização para substituir impostos amplamente sonegados e de alto custo. Seria um grande estímulo para o crescimento econômico.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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