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  • Marcos Cintra

Inovação no Brasil: Uma agenda afirmativa


“Inventive men laboriously reinvent what has been produced before. Ignorant men fight against the

laws of nature with a vain energy, and purchase their experience at great cost. Why should not all these start where their predecessors ended, and not where they began?”

            (Abbot Lawrence)


Nas décadas recentes, a economia mundial enfrentou períodos de crescimento expressivo e crises sistêmicas. A corrida tecnológica e a expansão das fronteiras econômicas resultaram na configuração de um cenário de intensa competição. A inovação passou a ser reconhecida como um fator crítico para a constante e cada vez mais acelerada reinvenção da atividade empresarial.


Por que as nações fomentam a inovação?


A literatura apresenta os resultados de pesquisas realizadas em todo o mundo que justificam a razão pela qual a inovação assumiu tamanha importância: líderes empresariais globais atribuem a ela a oportunidade de estabelecer trajetórias de crescimento sustentado, inclusive quando optam pelo investimento em novos modelos de negócio, produtos e processos produtivos. Empresas inovadoras são comprovadamente mais colaborativas, eficientes e rentáveis do que aquelas que não inovam. Além disso, as empresas internacionalizadas com foco na inovação são maiores, possivelmente aproveitam de maneira mais eficiente os rendimentos crescentes de escala e inserem-se com mais intensidade no comércio internacional. Elas remuneram melhor a mão-de-obra, por serem provavelmente mais eficientes, empregam funcionários com maior escolaridade e realizam mais treinamentos para o pessoal ocupado.


A consequência natural é que a inovação tornou-se a mais relevante variável na determinação das políticas de crescimento econômico em todo o mundo, suplantando fatores considerados críticos, tais como disponibilidade de recursos naturais, acumulação de capital, densidade populacional, poderio militar ou posicionamento geopolítico.


Vários países, como Estados Unidos, China, Coreia, Israel e muitos outros, têm colocado a inovação como eixo central de suas estratégias de retomada do crescimento após a crise de 2008. A reunião do G-20 em 2016 na China, por exemplo, reafirmou a importância do tema inovação. Os principais líderes mundiais adotaram unanimemente o Plano do G20 Sobre Crescimento Inovador, que reflete a intenção de identificar caminhos em direção ao crescimento saudável e sustentável[3]. Para o Brasil, que hoje luta para superar a recessão econômica e iniciar um novo ciclo de crescimento econômico, a tecnologia é um elemento vital para a elevação da produtividade e da competitividade de nossas empresas.


Nesta questão, a situação brasileira é dramática.


Recentemente, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) realizou um estudo comparativo de dezoito países potencialmente concorrentes do Brasil, selecionados entre membros do G20 e do Mercosul. Considerando oito categorias distintas – mão-de-obra, disponibilidade de capital, infraestrutura e logística, tributos, ambiente macroeconômico, competição e escala no mercado doméstico, ambiente de negócios, educação, e tecnologia e inovação – o Brasil foi mal classificado em todas, sendo que em três delas, o país amarga as últimas posições. Na avaliação geral, o Brasil ocupou o penúltimo lugar.


Em um estudo mais amplo, realizado pelo Fórum Econômico Mundial, o país vem perdendo várias posições e ocupa a 75ª posição no ranking de competitividade. Na mesma pesquisa, em uma edição anterior, o Brasil estava em 57º lugar.


Qualquer que seja o ranking considerado, um ponto comum entre eles é o fato de que políticas nacionais de inovação demonstram íntima relação com o mais acelerado desenvolvimento econômico dos países que as lideram.


Apesar de a inovação ser posicionada como uma engrenagem central no motor do desenvolvimento, esta não surge ao acaso: depende fundamentalmente de investimentos históricos em áreas como a educação, infraestrutura e, principalmente, na pesquisa básica e aplicada, formando a tríade básica do crescimento econômico moderno, Ciência, Tecnologia & Inovação – CT&I. Esta tríade se consagrou como instrumento fundamental para o desenvolvimento, o crescimento econômico, a geração de emprego e renda, a democratização de oportunidades, e mesmo a manutenção da soberania de uma nação. Além disso, influencia profundamente a vida, o estilo e os padrões de comportamento da sociedade, moldando as nações do futuro.


O trabalho de técnicos, cientistas, especialistas, pesquisadores e empresários inovadores “pavimenta” a estrada do progresso, colaborando para a consolidação de um modelo de desenvolvimento sustentável. É algo essencial, dadas as permanentes e justas demandas sociais das populações do mundo. Trata-se de uma questão de Estado, que ultrapassa ideologias ou governos.


Os Investimentos Nacionais nas Novas Tecnologias


A corrida tecnológica é uma realidade. Os países procuram acelerar seu curso de desenvolvimento, sem esperar pelos retardatários. A China, por exemplo, mesmo passando por uma crise econômica relevante, anunciou em 2016 uma meta de expansão dos investimentos em P&D de 2,1% para 2,5% do PIB até 2020. A recessão global não diminuiu o comprometimento dos governos nacionais com o apoio ao desenvolvimento tecnológico. Como afirmou Abbot Lawrence em trecho citado no título deste texto, a inovação é um processo cumulativo e sequencial, cujo ritmo deve ser mantido permanentemente, sob pena de comprometer os resultados a serem obtidos.



Os dados disponíveis referem-se a 2013, portanto, não refletem o desempenho recente impactado pelo atual ciclo de recessão econômica. Pode-se observar que o Brasil, apesar das dificuldades, manteve uma trajetória de investimento levemente ascendente. Parte disso se deve à constituição dos Fundos Setoriais criados nos anos 90, que adicionaram ao orçamento de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) recursos provenientes da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) e deram grande impulso ao Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a fonte mais importante no financiamento das atividades relacionadas a CT&I no Brasil.


Entretanto, os dados de 2014 até o presente mostram severas restrições orçamentárias nas ações ligadas ao setor, devido ao contingenciamento de recursos do FNDCT e à disputa em torno da arrecadação da contribuição originada do Fundo Setorial do Petróleo (CT-Petro), que correspondia a cerca de 40% do total arrecadado[1]. Também é preocupante notar que o volume total de dispêndios nacionais é uma pequena fração daquele concedido por nações que lideram a geração de riqueza e a corrida tecnológica em setores intensivos em conhecimento.


No período recente, a inovação tem sido um elemento habilitador da mudança na geografia da produção industrial. A Indústria 4.0, ou Manufatura Avançada, base para a 4ª Revolução Industrial, caracterizada por sistemas ciber-físicos e pela utilização da inteligência artificial, exemplifica essa tendência. Estados Unidos e Alemanha lideram essas tecnologias, com forte interação entre centros de pesquisa e o setor produtivo, além do apoio governamental.


Esse novo paradigma produtivo já influencia fortemente a dinâmica das cadeias globais de valor, com impactos econômicos e sociais significativos. Fábricas automatizadas e robotizadas demandam cada vez menos mão de obra, que precisa ser cada vez mais qualificada. Empresas de ponta estão retornando aos países centrais como os EUA devido a essas tecnologias. A produção com tecnologia "migra" mais uma vez, deixando de ser atraída pelos baixos custos do trabalho em países em desenvolvimento como México, China e sudeste asiático. Nota-se claramente o fenômeno do "reshoring", com o retorno das grandes empresas inovadoras aos países tecnologicamente avançados, inclusive com forte apoio dos governos nacionais.


O desenvolvimento econômico dos países mais modernos e avançados do mundo deve sua pujança à tecnologia e à criatividade de seus sistemas de produção e comercialização de bens e serviços. Ao mesmo tempo, amplia-se o fosso entre as economias tecnologicamente avançadas e aquelas que têm se mostrado incapazes de desenvolver conhecimento científico e tecnológico capaz de induzir processos produtivos inovadores e mais competitivos.


Indicadores Globais de Inovação


Em 2016, foi divulgado o resultado do Global Innovation Index, um levantamento que envolve a análise de mais de 80 variáveis de 124 países. São analisados aspectos relacionados a aspectos institucionais (o ambiente político, regulatório e de negócios), capital humano e pesquisa (educação, pesquisa e desenvolvimento), infraestrutura instalada (TICs, infraestrutura geral e questões de sustentabilidade), mercado (crédito, investimento e mercado), negócios (trabalhadores do conhecimento, vínculos para inovar e absorção de conhecimentos), resultados de conhecimento e tecnologia (criação, impactos e difusão do conhecimento) e resultados criativos (ativos intangíveis, criatividade online e produtos e serviços criativos).


O resultado do Brasil no índice é tão desanimador quanto aquele constatado pela CNI: o Brasil ocupa o 69º lugar no ranking de transformação do conhecimento em agregação de valor econômico, ou seja, em Inovação[9]. O resultado é muito frustrante, especialmente quando avaliamos o montante de dispêndios nacionais em Pesquisa & Desenvolvimento, vis-à-vis a classificação do país na última edição publicada do referido índice, conforme a tabela a seguir.


Como pode ser observado, é insatisfatória a relação custo-benefício do processo inovativo brasileiro. No Global Innovation Index, o país tem resultado pior quando comparado, por exemplo, com Panamá, Colômbia, Romênia, Chipre, Austrália e Costa Rica.


A inovação é um conceito que não foi assimilado pela sociedade brasileira ao longo das últimas décadas. Criaram-se algumas ilhas de excelência tecnológica, mas falta um sistema articulado de inovação no país. Não há um processo integrado capaz de impor maior produtividade aos recursos aplicados em pesquisas. Faltam ligações entre os atores do processo. Ou seja, predomina uma visão linear do processo em detrimento de uma visão sistêmica.


Inovar deve ser pensado em um cenário marcado pela interação entre capital, conhecimento e empreendedorismo. Esses elementos devem atuar em um ambiente capaz de captar suas ações e integrá-las para que haja eficácia em termos da produção de inovação.


Uma das principais características envolvendo a inovação refere-se à necessidade de liberdade de ação dos protagonistas do processo. Inovar requer a manutenção de um ambiente institucional que promova e estimule a geração de novos e mais sofisticados produtos, além de criar processos produtivos mais eficientes.


A rigidez burocrática é um empecilho para a inovação e está contemplada no Global Innovation Index. Ela está inserida no estudo em itens como a qualidade das normas regulatórias e a facilidade em abrir um negócio e pagar tributos. São elementos classificados nesse trabalho como entrada (input) para o sistema de inovação, visando apurar a capacidade de elaboração de regras que simplifiquem a rotina do empreendedor que investe em ações inovadoras.


Liberdade e inovação andam lado a lado. É necessário haver um equilíbrio, pois a burocracia tolhe a capacidade de elaboração de políticas eficazes de inovação. A excessiva regulamentação asfixia empreendimentos e inibe a implementação de projetos no setor produtivo.


Não é simples o desafio de melhorar o resultado apurado, pois grande parte dos indicadores utilizados depende de alterações legislativas e de pesados investimentos em educação, infraestrutura e telecomunicações. Mas a formulação de uma agenda, pactuada entre as partes já destacadas, constituiria um promissor ponto de partida para a melhoria da posição brasileira no quadro mundial.


O fomento público em CT&I no Brasil


O Brasil tem uma longa tradição no apoio à ciência, à tecnologia e à inovação. Ainda no século XIX, institutos públicos de pesquisa agronômica foram responsáveis por importantes inovações tecnológicas e logísticas, principalmente em São Paulo, lançando as bases para a acumulação de capital responsável pelo financiamento do processo de rápida industrialização daquele estado. O Observatório Nacional teve sua origem no período imperial. Em 1900, no Rio de Janeiro, o Instituto Soroterápico Federal iniciou suas atividades, criando as bases para a consolidação da Fundação Oswaldo Cruz.


Já no século XX, as universidades públicas compartilharam com os institutos de pesquisa o desafio de realizar importantes contribuições à CT&I no Brasil. Notadamente, físicos, médicos e outros especialistas contribuíram para o enfrentamento de importantes problemas nacionais, como o controle de doenças tropicais e a expansão das áreas agricultáveis brasileiras, como o cerrado.


O Estado brasileiro vem se comprometendo desde então com o apoio sistemático à CT&I. Prova disso é a fundação, em 1951, do CNPq, visando o fomento à pesquisa científica, e a criação da Petrobras, que desde a sua origem fomentou a pesquisa em seus laboratórios. A Finep foi constituída em 1967 para apoiar a pesquisa científica, tecnológica e a engenharia nacional. Em 1973 foi organizada a Embrapa, contemporaneamente à criação da EMBRAER. Assim como a Petrobras, iniciou firme trajetória de investimento no desenvolvimento tecnológico, mobilizando cadeias de fornecedores e instituições parceiras.


É possível afirmar que o Brasil, especialmente por meio do setor público, conta hoje com um rico e diversificado parque instalado de instituições de pesquisa científica e tecnológica acumulado ao longo de décadas de investimentos públicos e, em muito menor escala, privados. Segundo recente levantamento feito pelo IPEA/FINEP/CNPq, foram identificadas no Brasil 4.857 infraestruturas de pesquisa tecnológica e científica vinculadas a mais de 180 diferentes universidades e instituições públicas ou particulares. Vale lembrar, segundo o mesmo trabalho, que a título comparativo, levantamento semelhante feito nos EUA identificou cerca de 15 mil laboratórios em 1990.


Segundo o Manual de Oslo, documento elaborado sob a égide da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Comissão Europeia, inicialmente, o progresso tecnológico era visto como um processo linear simples, que tinha início na pesquisa científica básica e avançava para aplicações tecnológicas. Com base nessa ideia, bastava uma política voltada à ciência que a inovação ocorreria. A visão atual do progresso tecnológico contempla um processo sistêmico: prioriza a importância de uma abordagem integrada na elaboração e implantação de políticas de inovação. Ou seja, a visão contemporânea da inovação se pauta pela interface entre os atores do processo, sejam eles agentes públicos ou privados.


Ciente dessa nova visão, a partir da primeira década do século XXI, o Governo Federal introduziu políticas nacionais de fomento ao desenvolvimento industrial e tecnológico: a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE, 2004-2007), o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação (PACT&I, 2007-2010), acompanhado pela Política para o Desenvolvimento Produtivo (PDP, 2008-2011) e o Plano Brasil Maior (2011-2014), complementado pelo Plano Inova Empresa (2013-2014) e pela Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia & Inovação (ENCT&I, 2012-2015, seguida no atual governo pela ENCT&I 2016-2022).


Reafirmada a importância de CT&I como elemento central de seu desenvolvimento, o governo brasileiro aprovou a Emenda Constitucional nº 85 em 2015, que consagra a responsabilidade do Estado na promoção do desenvolvimento científico, da pesquisa, da capacitação científica e tecnológica e da inovação, e autoriza a interação entre as Instituições de Ciência & Tecnologia (ICTs) e Empresas, por meio do compartilhamento e permissão de uso de laboratórios, equipamentos e demais instalações, para pesquisas tecnológicas e inovação, como também, o compartilhamento do capital humano existente nas ICTs, em projetos de PD&I.


Numa outra vertente, o sistema educacional brasileiro está atento à premente necessidade de estimular a formação nas matérias curriculares e competências chamadas de TEMC (tecnologia, engenharia, matemática e ciências), ou STEM (science, technology, engineering, e mathematics em inglês). Sem isso, o país estará despreparado para receber os avanços tecnológicos aplicados ao processo produtivo moderno.


No plano orçamentário, o governo brasileiro vem dedicando uma parte significativa de suas receitas ao fomento à ciência e tecnologia. Pouco mais de 0,9% do PIB vem sendo aplicado pelo setor público no apoio a essas atividades. Trata-se de um esforço governamental significativo e louvável, resultando, entre outros impactos, no Brasil estar situado em 14º lugar entre os maiores países produtores de conhecimento científico no mundo. Em termos de depósitos de patentes, o Brasil ocupava, em 2015, o 27º lugar, com uma expressiva participação de instituições de pesquisa. O gráfico 2 mostra a evolução dos números de artigos e de patentes nos últimos anos, evidenciando uma melhoria em ambos, com destaque notável para a produção de artigos publicados.


O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCT&IC) anunciou em maio de 2016, durante o lançamento da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCT&I), a meta de alcançar o patamar de 2% do PIB em investimentos em CT&I até 2020, partindo da modesta cifra atual de 1,27% aferida pelo MCT&IC em 2014.



Se, por um lado, nossos dispêndios nacionais são incompatíveis com a intenção de fazer frente aos líderes globais, por outro, o Brasil tem destaque em relação a países relevantes como Espanha, Itália e Reino Unido. A prioridade que vem sendo dada ao setor de C,T&I pelo governo brasileiro o coloca em posição de liderança entre os países de renda média no mundo, conforme pode ser visto no Gráfico 3.



Além de o FNDCT ser o principal fundo dedicado a CT&I, seu apoio tem viabilizado o desenvolvimento de um conjunto de pesquisas relevantes em diferentes setores e segmentos produtivos. Na área de saúde, por exemplo, o Fundo tem contribuído para o desenvolvimento de pesquisas para a prevenção e cura dos efeitos do Vírus da Zika, além do avanço em vacinas e medicamentos mais acessíveis à população.


No segmento aeronáutico, ao longo dos últimos 15 anos, foram estabelecidos mais de 50 convênios entre a Finep e o ITA, totalizando mais de R$ 120 milhões, possibilitando pesquisas de ponta em parceria com o setor produtivo. Para levar essas e outras tecnologias ao mercado, a Finep estabeleceu mais de 20 contratos com a Embraer ao longo deste período, totalizando mais de R$ 600 milhões, possibilitando o desenvolvimento de novas tecnologias para modelos como o Phenom 100, os Legacy 450 e 500, e o KC 390. O mesmo ocorre nos segmentos do Agronegócio, Petróleo e Gás, e Biocombustíveis, onde os recursos da Finep e do FNDCT contribuíram para que o país se tornasse um dos principais líderes tecnológicos mundiais. Em termos de infraestrutura científica de ponta, o apoio com esses recursos tem sido essencial para projetos como o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), o Sirius de Luz Síncroton, o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), o Super Computador Santos Dumont, a Torre Alta de Observação da Amazônia, o Navio de Pesquisa Hidro Oceanográfico, além de projetos em setores como Energia, Telecomunicações, Semicondutores, Medicina, Química e Defesa, entre outros.


Apesar da relevância dos investimentos realizados e dos montantes anualmente dedicados ao tema, o orçamento público enfrenta duas ameaças paradoxais, originadas no próprio governo federal. A primeira diz respeito aos contingenciamentos impostos aos valores arrecadados para o FNDCT. Os recursos são submetidos à Desvinculação de Receitas da União (DRU), que, até 2015, excluía 20% do total da previsão orçamentária, aumentando para 30% a partir de 2016. Adicionalmente, os recursos têm sido alvo de contingenciamentos, pois os orçamentos anuais são sistematicamente menores do que os arrecadados e destinados ao Fundo.


Apesar de sua importância fundamental, os recursos disponíveis para a atividade de CT&I no país têm diminuído progressivamente. Segundo o Decreto 9.018/2017, o FNDCT possivelmente terá, em 2017, o menor orçamento da sua história recente, em termos reais, como indicado no Gráfico 4 a seguir. Uma análise mais detalhada da questão torna a visão ainda mais dramática. O processo de elaboração do orçamento público impõe outras perdas ao FNDCT, como evidenciado pelo Gráfico 5, tendo como referência o ano de 2015. Isso destaca a política de restrição ao investimento em CT&I que tem sido praticada há alguns anos (Gráfico 5).



A esse problema, soma-se ainda a aprovação da Emenda Constitucional 95, em dezembro de 2016, que limitou os investimentos do Governo Federal e afeta também o orçamento de CT&I. Por fim, é necessário avaliar as discussões relacionadas a possíveis mudanças na administração dos recursos do FNDCT, que vão desde as propostas de fortalecimento da governança até casos mais extremos, como a descentralização dos recursos arrecadados por suas diferentes fontes, que passariam a ser geridos pelos respectivos ministérios setoriais, ao invés do MCT&IC, como ocorre hoje.


Esse modelo proposto se inspira naquele implementado pelo governo dos Estados Unidos e tem diversos defensores na administração pública federal. A principal vantagem desta "descentralização" seria garantir maior proximidade temática entre os desafios enfrentados pelos ministérios diariamente e o comando dos institutos de pesquisa, que estariam mais próximos de uma gestão orientada para a resolução de problemas específicos.


Apesar da experiência exitosa dos EUA, é importante considerar que há modelos de gestão científica e tecnológica igualmente bem-sucedidos e fortemente centralizados, como Israel e China. Além disso, o modelo brasileiro já conta com significativa descentralização de gestão, visto que apenas 40% dos recursos públicos federais para o setor de C&T são atualmente geridos pelo MCT&IC.


Vale apontar um detalhe crucial nesta questão: o volume de recursos destinados pelo governo americano tem sido, via de regra, dez a quinze vezes superior àquele destinado pelo governo brasileiro, como demonstrado anteriormente. Num volume tão elevado, a descentralização de recursos é viável e desejada. Mas na realidade brasileira, onde os volumes são modestos em valores absolutos e onde CT&I não estão consagradas como prioridade nacional, há o risco de um orçamento pulverizado ter um tratamento incompatível com a sua importância estratégica. Ministérios com atividades finalísticas como saúde, educação e defesa poderão perder o foco nas atividades de P&D considerando a complexidade de seus problemas operacionais e funcionais diários.


Nesse sentido, a existência de um comando centralizado, como ocorre atualmente na gestão do FNDCT, potencializa os recursos das diversas fontes para a consecução de objetivos estratégicos sistêmicos e minimiza os riscos de desvios de rumos no caso de maior dispersão dos mecanismos de administração. No entanto, continua necessário aprimorar a governança do FNDCT, inclusive com a presença mais atuante dos respectivos ministérios finalísticos na gestão dos fundos setoriais por meio de seus comitês diretores.


É importante entender que há uma diferença fundamental entre investimentos em CT&I e demais gastos ou inversões públicas.


Cortes de gastos, como investimentos em infraestrutura convencional, têm efeito semelhante ao de uma corrida em que a velocidade do atleta é reduzida, mas a linha de chegada continua à vista. Uma eventual re-aceleração do corredor é capaz de recuperar a defasagem causada pela perda momentânea de velocidade, levando-o à linha de chegada, mesmo que como retardatário. Em Ciência, Tecnologia e Inovação, o impacto é diferente: a corrida se dá em pista escorregadia e pedregosa, na qual a linha de chegada é dinâmica e indefinida. Ela se desloca rápida e permanentemente em direção imprevisível. Qualquer desaceleração do corredor pode fazê-lo perder sua posição no pelotão de frente, e consequentemente perder de vista a linha de chegada, descolando-se da sempre mutante fronteira tecnológica.


A incerteza é o ponto de partida para a tomada de decisão a respeito de levar adiante um processo de inovação, mas ela pode ser transformada em risco por meio de levantamentos e pesquisas para indicar a probabilidade de obtenção de sucesso com o lançamento de um produto novo ou de um insumo alternativo. Ou seja, inovar é algo sempre incerto, e o máximo que se pode obter nesse processo é estimar a possibilidade de sucesso e de fracasso em seu resultado.


Devido às incertezas e riscos inerentes à inovação, o Estado assume um papel relevante para a eficiência e eficácia do processo. O compartilhamento do risco entre os agentes público e privado deve ser um dos fundamentos do sistema de inovação. Como a inovação é um processo gerador de externalidades, ela tem o potencial de gerar assimetrias de retornos. Dessa forma, assim como o compartilhamento dos riscos entre os agentes públicos e privados implica na redução da insegurança e proporciona maior eficácia para o sistema, o retorno também deve ser compartilhado visando reduzir as potenciais iniquidades na distribuição dos benefícios.


Outra particularidade da atividade de inovação refere-se ao fato de ela estar inserida em um contexto de falha de mercado. Nesse sentido, o Estado assume um papel como condutor do processo, classificando-o como um bem público. Segundo a teoria tradicional do bem-estar social, a alocação ótima dos recursos produtivos se dá pela atuação dos agentes produtores de bens privados em um mercado competitivo. A inovação, por ser uma atividade de elevada incerteza, deve ser tratada como um bem público, onde o Estado tem o papel de minimizar essa característica, compartilhando riscos e minimizando custos, visando a geração de externalidades positivas para a sociedade.


O financiamento à infraestrutura com o objetivo de reproduzir o capital apresenta uma governança mais conservadora e de baixa incerteza. Os modelos empresariais representam, com precisão, as relações de investimento e receita. A construção de uma linha de transmissão de energia, por exemplo, prevê um investimento que, em um prazo determinado, resulta na adição de capacidade de um montante específico de energia através da rede. Já o financiamento a CT&I é diferente: há um elemento de incerteza tecnológica que pode alterar as relações de investimento, prazo e retorno – ou mesmo determinar um retorno econômico nulo ou até negativo.


Vê-se, portanto, que o financiamento à inovação é significativamente diferente daqueles concedidos para a construção de equipamentos públicos como escolas, estradas, hospitais ou para a ampliação da capacidade produtiva convencional.


Apesar da incerteza, o desenvolvimento de projetos de natureza inovadora tem um potencial relevante de gerar externalidades positivas, seja pela capacitação dos recursos humanos envolvidos, pela acumulação de conhecimentos científicos e tecnológicos que subsidiarão os futuros projetos de desenvolvimento, além de impactos sociais e ambientais relevantes. Disso, depreende-se que um conjunto de determinados projetos de pesquisa pode oferecer um retorno econômico imediato nulo, no entanto, poderá servir como base para o desenvolvimento de inovações de alto impacto.


O exemplo mais notório da atualidade, apresentado por Mariana Mazzucato, é a árvore de tecnologias cujo desenvolvimento foi financiado pelo governo americano e, anos depois de se tornarem públicas, foram incorporadas e resultaram na ascensão da Apple no mercado global, primeiro com o desenvolvimento do iPod (2001) e posteriormente com o iPhone (2007). O fato de uma parte daquelas tecnologias ter demorado muitos anos para serem aplicadas em produtos e processos não as desqualifica.


É preciso repensar a lógica burocrática convencional que classifica pejorativamente como “dano ao Erário” qualquer fracasso individual de projeto, e mesmo sendo bem-sucedido, quando seu resultado não é na magnitude esperada. A visão correta do fomento a CT&I é a da promoção de resultados de forma sistêmica: daí ser importante que haja diversas instituições que detenham infraestrutura de pesquisa adequada, assim como pode ser benéfico que haja diversas organizações desenvolvendo novas tecnologias. Algumas serão muito bem-sucedidas, outras tantas serão gradativamente incorporadas a outras rotas tecnológicas, e haverá ainda aqueles casos nos quais os projetos resultarão em fracasso, mas ainda assim propiciarão a acumulação de competências científicas e tecnológicas. Em função disso, é preciso ver os projetos apoiados como portfólio, e não de forma individual.


Em relação à complexidade do financiamento à inovação, é preciso ter em mente que as empresas e ICTs possuem fontes de apoio cada vez mais diversas. O fenômeno já foi observado e descrito na Europa, onde tem sido evidenciada a participação de instituições continentais, nacionais e regionais no apoio a organizações isoladas ou mesmo em redes internacionais. No plano privado, empresas recebem apoios simultâneos de agências de fomento nacionais e regionais, bem como de investidores privados e outros atores.


Sem a preservação e ampliação dos investimentos em CT&I, perderemos a corrida tecnológica, e consequentemente nossa posição em setores como o aeronáutico, o agronegócio e o automobilístico. Da mesma forma, corremos o risco de atrasos em outras tecnologias promissoras, como bio e nanotecnologia, medicina personalizada, telemedicina, energia renovável, manufatura avançada e economia criativa, que são as principais tendências mundiais.


O Investimento Privado em CT&I no País


A economia brasileira se ressente da baixa produtividade e da modesta competitividade que predominam em todos os setores. Em um momento de recessão global, os governos nacionais implementam ações para a superação da crise. E um elemento essencial para um desfecho satisfatório é que, ao estímulo público, ocorra uma resposta compatível do setor privado. A simbiose virtuosa entre a ação pública e a privada ocorre de duas maneiras paradigmáticas.


A primeira é o investimento público em ações de formação de recursos humanos qualificados e no investimento e na manutenção de infraestrutura de pesquisa básica, em geral multiusuários. Nesta categoria se incluem as universidades, os laboratórios e institutos de pesquisa públicos e o financiamento de atividades científico-acadêmicas que formam as fundações do processo de geração de tecnologia e de inovação que será aplicado no setor produtivo privado. Além disso, o Governo Federal mantém uma ampla estrutura de instituições que cooperam e transferem conhecimentos para o setor privado. O mapa a seguir evidencia a distribuição geográfica dos institutos de pesquisa vinculados ao MCT&IC, que se somam àqueles vinculados aos demais ministérios, bem como aos Estados e Municípios do país (Figura 1).


A segunda vertente decorre da oferta de crédito subsidiado para projetos de inovação, com o intuito de compartilhar riscos com as empresas, uma vez que o retorno privado não reflete adequadamente o retorno social dessas atividades. O crédito é o apoio adequado para estratégias de investimento sistemático: a empresa capta recursos subsidiados, investe e amortiza sua dívida com os resultados decorrentes do seu projeto e capitaliza um excedente, que servirá para a percepção de lucros e para os investimentos futuros. Uma faceta dessa ação colaborativa se encontra nos co-investimentos público-privados em capital acionário de empresas inovadoras do setor privado, no uso das compras governamentais como instrumento de alavancagem da demanda interna por produtos inovadores de base tecnológica produzidos internamente, e em encomendas públicas a empresas selecionadas para atividades de pesquisa e desenvolvimento de produtos de interesse nacional.



Uma questão a ser observada, no entanto, é a baixa proporção do investimento privado em comparação ao investimento governamental.


Em países como a Coréia do Sul, China e Japão, o investimento privado chega a quase quatro vezes o total do investimento público. Segundo dados oficiais, e mantido o orçamento público dedicado, o setor empresarial deveria investir quase o dobro dos recursos atualmente disponibilizados. O Gráfico a seguir ilustra a questão (Gráfico 6).



Sendo assim, um dos grandes desafios para o Brasil é superar a pouca capacidade que o recurso público dedicado a CT&I tem demonstrado para alavancar investimentos privados.

No Brasil, a evolução desses dispêndios pode ser observada no (Gráfico 7).



Feitas as observações acima, convém indagar por que as empresas brasileiras investem pouco em inovação. Um importante fator que explica esse comportamento é o desfavorável ambiente institucional brasileiro. Na visão do empresariado nacional, o quadro regulatório e legislativo brasileiro é desestimulante, destacando-se a burocracia, alta carga tributária, impedimentos à importação de insumos e equipamentos estratégicos, morosidade na obtenção de patentes e ainda a falta de percepção da sociedade acerca da importância da inovação e do conhecimento científico para o desenvolvimento econômico.


Em comparação às economias mais avançadas, o Brasil apresenta um sistema financeiro incompatível com os investimentos em CT&I. Dado o nosso patamar de taxas de juros e a incerteza que acompanha a busca por novos produtos e processos, é natural que o empresário se sinta intimidado em considerar a hipótese de investir em projetos de alto risco.


A questão comum para o sistema financeiro e para as empresas que inovam ou pretendem inovar é a urgência da necessidade de evoluir na cultura da governança corporativa para a inovação, inclusive com uma aproximação dos atores que empreendem esforços correlatos, como institutos de pesquisa, universidades e startups. Por fim, é importante lembrar também que grande parte das maiores empresas instaladas no Brasil são multinacionais, que possuem seus centros de pesquisa em outros países, e que não se sentem estimuladas a duplicar esforços no Brasil.


No plano da pesquisa científica, o investimento privado ainda é incipiente e precisa ser estimulado, para que as empresas brasileiras possam colher os mesmos frutos que são colhidos pelas suas concorrentes globais. É necessário ter em mente que o Brasil é o país de nascimento de grandes nomes. Não é preciso recorrer ao passado. Personalidades como o engenheiro químico Celso Grebogi, o engenheiro de computação Dalton Camargo, e o neurocientista Miguel Nicolelis já figuraram em listas de candidatos ao Prêmio Nobel e de outros prêmios científicos, dada a notoriedade dos seus estudos. Outros nomes ocupam posições de cientistas-chefes em instituições que atuam na fronteira tecnológica global, como o físico Antonio Hélio de Castro Neto na pesquisa do grafeno, um dos materiais do futuro.


Grandes especialistas deixam o país pela falta de recursos para o desenvolvimento das suas pesquisas, como a neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel, que atualmente milita na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos. Outros persistem, mas em terreno nacional inóspito, como Celina Turchi, que foi listada no rol de dez cientistas mais importantes no mundo em 2016, segundo a revista Nature. É necessário alertar: se o empresariado brasileiro não estreitar o relacionamento com os notórios pesquisadores brasileiros, outros o farão.


É prioritário para o país alterar esse quadro. Não se trata de repudiar o modelo de atuação científico-tecnológico brasileiro. E muito menos de mimetizar modelos aplicados em outros países de forma indiscriminada. Antes, há que se aperfeiçoar o ecossistema de ciência e inovação brasileiro observando modelos alternativos de sucesso, mas com respeito às características institucionais do país. A diferença entre os arranjos institucionais não implica que um modelo seja necessariamente melhor que o outro. É crucial aprimorarmos o modelo brasileiro, buscando melhorias sem motivar grandes resistências que possam desperdiçar tempo, energia e os limitados recursos disponíveis.


Há alternativa? O Brasil é uma Nação detentora de enorme potencial de desenvolvimento. A ciência brasileira é reconhecida internacionalmente e está na fronteira tecnológica em áreas estratégicas. Mas é necessário ir além, firmar uma agenda afirmativa, capaz de integrar as prioridades e aspirações de governo, academia, empresas e sociedade.


Para o governo, a ação primordial de uma agenda afirmativa é a proteção e o fortalecimento do FNDCT, principal fonte de recursos para o financiamento público da C&T&I. As instituições de ensino e pesquisa brasileiras já estão instaladas, mas necessitam de modernização e sobretudo de foco para prosseguirem com suas atividades precípuas.


Com certeza, não há como deixar de apoiar o esforço do governo no equacionamento dos severos desequilíbrios fiscais gerados ao longo dos últimos anos. Sua imediata correção é fator de sobrevivência econômica e de criação da pré-condições para a retomada do crescimento e desenvolvimento nacionais. Contudo, há que se usar réguas distintas para situações desiguais, sob pena de inviabilizar em definitivo o posicionamento do Brasil entre as economias que se inserirão no rol daquelas que irão liderar o novo mundo que tem sido delineado com tecnologias disruptivas. O setor de C&T&I deve ser visto pela sociedade e pelo governo como elemento essencial na superação dos problemas fiscais atuais, e não como um incômodo encargo a ser reduzido em momentos de necessária contenção orçamentária.


É necessário assegurar o acesso aos recursos do Fundo Social (FS), para que a Finep, CNPq, e demais instituições públicas de fomento a C&T&I possam promover mais acentuadamente o desenvolvimento tecnológico, econômico e social. Nesse sentido, torna-se fundamental concluir o ciclo de regulamentação daquele fundo, liberando recursos acumulados e inativos para ações necessárias ao desenvolvimento da C&T&I brasileiras. A questão não se esgota no aporte de recursos, mas se estende à melhor utilização do orçamento disponibilizado.


Considerando a relativa escassez de recursos financeiros, a meta de equiparar o Brasil às nações que lideram as revoluções tecnológicas mundiais força a priorização de objetivos e o foco em ações estratégicas. Nesse sentido, há que explicitar quais são os segmentos e as rotas tecnológicas nos quais haverá investimento continuado. Não há como estimular a busca pela competitividade global se os recursos forem pulverizados, e continuarem a ser utilizados sem um adequado planejamento estratégico capaz de definir ações prioritárias e focar em programas onde o país disponha de vantagens competitivas e de maior retorno social.


Além da questão orçamentária, o Governo deve protagonizar outras ações para estimular o comportamento inovador. Medidas políticas e legislativas devem promover ações como a intensificação das parcerias entre ICTs e empresas. Historicamente, essas parcerias têm sido estimuladas por meio de ações como as chamadas públicas de cooperação ICT-Empresa, operacionalizadas pela Finep, assim como os programas implementados pelas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa.


O acesso ao apoio governamental deve ser simplificado. Os institutos de pesquisa e as empresas devem despende mais esforços na consecução dos seus objetivos de CT&I e menos esforços na gestão administrativa dos recursos recebidos. Devem ser eliminadas do apoio público todas as certidões, os relatórios, os procedimentos administrativos, as exigências de trâmites que não sejam essenciais para o desenvolvimento dos projetos. O essencial é que haja concentração de esforços públicos na avaliação de metas e objetivos a serem atingidos, e não nos procedimentos e processos intermediários de acompanhamento e auditoria, como é requerido hoje pelos órgãos públicos de controle. Prioritariamente, há que se cobrar resultados, e não procedimentos. Parte desse objetivo poderá ser atendida com a publicação do decreto que regulamentará a Lei 13.243/16, conhecida como o Marco Legal de CT&I, no qual estão determinadas diversas, mas não todas, medidas com essas finalidades.


Ao mesmo tempo, a academia brasileira precisa formular estratégias para ampliar a cooperação com as empresas. Há casos notáveis de colaboração, especialmente após a criação dos Núcleos de Inovação Tecnológica, criados a partir da publicação da Lei 10.973/04, a Lei da Inovação. Mas é necessário ir além e massificar esse comportamento. Além da interação com empresas, há que atrair novos recursos para o custeio das atividades que são desenvolvidas pelas universidades para o atendimento das demandas empresariais. É urgente fazer com que a pesquisa desenvolvida nos institutos de pesquisa públicos e nas universidades seja predominantemente orientada para o atendimento a demandas do país, convergindo para o atendimento às necessidades de formação e qualificação de profissionais e ao desenvolvimento de pesquisas que possam gerar resultados positivos para a sociedade.


Em relação às empresas, a principal referência nacional para a compreensão do comportamento empresarial em relação à inovação é a Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), realizada pelo IBGE desde 2000. Sua última edição revelou que cerca de 40% das empresas inovadoras do Brasil (17,3 mil empresas) declararam ter recebido algum apoio do governo para suas atividades durante o período 2012-2014, proporção maior que a observada no período 2009-2011 (34,2%). Esse apoio público, no entanto, acabou preponderantemente direcionado para a aquisição de máquinas e equipamentos, item relevante para o cotidiano das empresas, mas com menor potencial de geração de inovações disruptivas. Mais de 14 mil empresas (75% das que receberam apoio público) atuaram dessa forma.


Um movimento a ser destacado na pesquisa é a mudança na composição do investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas nacionais. Desde 2008, elas estão reduzindo o volume de investimentos em P&D realizados internamente e ampliando os projetos em parceria com institutos de pesquisa, universidades ou outras empresas. Esse movimento precisa ser melhor compreendido, mas pode ser positivo. As relações de interação entre universidades e empresas estão aumentando, ou seja, o conhecimento científico e tecnológico gerado nas universidades está mais presente no conteúdo de inovação das empresas.


No tocante aos recursos humanos, é urgente o aproveitamento da forte presença de pesquisadores e cientistas brasileiros no exterior como cabeças de ponte no aprofundamento da cooperação científica e tecnológica internacional e no maior intercâmbio entre profissionais e cientistas em programas ligados a centros de pesquisas localizados nos países que lideram os rankings de desenvolvimento econômico e social. Igualmente importante é a introdução de cultura inovadora nas empresas brasileiras, mediante investimento em ações para fortalecer a gestão e a governança corporativa nas empresas de todos os portes.


Por fim, em relação à sociedade, há grandes desafios a serem vencidos. Uma questão relevante é a percepção de certo "distanciamento" e falta de percepção da importância e do papel estratégico da CT&I na construção da sociedade brasileira futura. Uma sondagem realizada em 2015 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) revelou que mais de 70% da população brasileira acredita que C&T geram só benefícios, ou mais benefícios do que malefícios. Apesar da opinião positiva, a maioria esmagadora dos respondentes (83,9%) não recorda o nome de alguma instituição que se dedique a fazer pesquisa científica no país. O mesmo ocorreu quando os respondentes foram perguntados pelo nome de algum cientista brasileiro importante (93,3%).


É preciso superar esse distanciamento e sensibilizar a população. O cidadão brasileiro deve ter a oportunidade de acreditar no poder de transformação do país por meio de CT&I. Quanto mais a sociedade compreender a importância desses investimentos, melhor será a ambiência política para a discussão de estratégias consistentes para o Brasil. É fundamental, portanto, que a sociedade brasileira consolide a percepção de que é na economia do conhecimento e na aplicação de ciência e da tecnologia nas relações econômicas e sociais onde se encontram as verdadeiras fontes do crescimento econômico e da melhoria da qualidade de vida da população.


Sem investimentos significativos em CT&I, perderemos as poucas corridas tecnológicas nas quais ainda temos condições para disputar a liderança. Minimizar a importância do tema, relegando-o a um futuro de menor peso político, resultaria na desestabilização das estratégias apoiadas em setores como aeronáutico, agronegócio e automobilístico, além de outras tecnologias promissoras.


Os debates sobre a austeridade fiscal e o contingenciamento de gastos devem ser particularizados no caso do orçamento público de CT&I. A aplicação de cortes lineares poderá inviabilizar a promoção de ações no campo da C&T&I que, como visto acima, possui dinâmica interna e significado estratégico diferenciados e que ainda não foram devidamente percebidos pela sociedade brasileira. Ou se consolida uma estratégia assertiva de estímulo a CT&I, ou o país sofrerá danos irrecuperáveis no médio e longo prazos.

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