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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Artifício de marketing


Em artigo publicado nesta Folha em 7/11, mostrou-se que o alegado saneamento financeiro do Estado de São Paulo, reivindicado pela atual administração como atestado de competência gerencial, foi um artifício de marketing. Mostrou-se, ainda, que a redução dos gastos e o corte dos investimentos nos últimos três anos coincidiram com uma explosão do endividamento.

Nesse sentido, o sacrifício da população de São Paulo parece ter sido em vão, já que não há razões para acreditar que a situação financeira do Estado nas próximas gestões será mais folgada.

Em cerca de três anos no poder, a atual administração estadual não conseguiu negociar um acordo com o governo federal capaz de atender aos interesses da população paulista. Por trás do acordo tardiamente assinado em maio último -e aprovado no Senado há poucos dias- encontra-se camuflada uma incrível complacência. Permitiu-se que, só com a incorporação de juros, a dívida de São Paulo quase triplicasse de janeiro de 95 a maio de 97.

Não se trata de avaliar as causas que originaram a dívida. Sempre haverá argumentos que justifiquem ou condenem o processo que gerou o endividamento do Estado, principalmente a partir do início da década, quando o problema assumiu proporções graves.

Mas o fato a lamentar é que o governo estadual mostrou-se incapaz de resolver a questão. Se o critério de avaliação for a conveniência do acordo para São Paulo e sua população, pouco poderá ser dito a favor da gestão Covas.

Em dezembro de 1994, a dívida do Estado (incluindo Banespa, NCNB e títulos mobiliários) atingia cerca de R$ 20 bilhões. Na assinatura do acordo com a União, em maio de 1997, havia saltado para R$ 50 bilhões.

Em 30 meses, a dívida aumentou cerca de R$ 30 bilhões, equivalente a quase dez CPFLs. Em outras palavras, o governo Covas aceitou pagar juros equivalentes a cerca de quatro companhias Vale do Rio Doce por ano.

A preços de dezembro de 1995, as receitas do governo do Estado aumentaram de R$ 23 bilhões em 1994 para R$ 27,5 bilhões em 1995 e R$ 28,8 bilhões em 1996. O orçamento para 1997 prevê receitas de R$ 33,7 bilhões, e a proposta orçamentária para 1998 indica R$ 34,2 bilhões de receitas previstas.

No entanto, os serviços públicos se deterioraram, os investimentos praticamente cessaram e o endividamento explodiu. Onde está, portanto, a eficiência que os apoiadores da atual administração tanto apregoam?

O fato é que o acordo da dívida negociado com o governo federal atingiu, com cerca de 30 meses de atraso, um resultado que, se tivesse sido obtido logo no início da gestão Covas, implicaria economia substancial para São Paulo.

Se, em vez dos juros de agiota que foram debitados ao Estado, o governo estadual tivesse conseguido logo no início o que o governo federal concordou finalmente em conceder (juros reais de 6% ao ano), a dívida renegociada seria de apenas R$ 31 bilhões, e não de R$ 50 bilhões, uma diferença de quase três anos de Orçamento da cidade de São Paulo, a terceira maior do mundo.

A teimosia do governo Covas nas negociações com a União e com o Banco Central custou muito caro ao Estado.

Mais surpreendente ainda é que a dívida junto ao Banespa, que saltou de R$ 9,4 bilhões em 1994 para R$ 24,4 bilhões em maio de 1997 (uma expansão real de 33% ao ano), foi em parte causada pela cessação dos pagamentos das prestações que o Tesouro estadual vinha fazendo para quitar sua dívida.

A partir do atraso do Estado -de apenas 15 dias- no pagamento da prestação de dezembro de 1994, no valor de R$ 25 milhões (sim, milhões), que motivou a vergonhosa e arbitrária intervenção do Banco Central no Banespa, o governo estadual como que lavou suas mãos em relação a suas obrigações com o banco e, em aparente protesto, parou de pagar em definitivo.

O gesto pareceu significar o seguinte: já que a União havia decretado o Regime de Administração Especial Temporária no Banespa, que assumisse também a inadimplência. Foi o erro mais dramático jamais cometido contra as finanças paulistas.

O acordo da dívida foi tardio, e São Paulo amargará décadas de prováveis dificuldades como resultado. Nos próximos 30 anos, podem-se usar 13% das receitas do Estado para pagamento da dívida. São Paulo fica proibido de contratar novos empréstimos até que a dívida se iguale às suas receitas, o que poderá levar décadas para acontecer.

Além desse comprometimento financeiro, o Estado foi federalizado. Empresas que levaram gerações para ser construídas, como Fepasa, Ceagesp, Eletropaulo, Cesp e o próprio Banespa, passarão para o controle parcial ou total do governo federal.

Em suma, tudo foi uma tragédia de erros, arbitrariedade e omissões por parte do BC e do governo estadual. Mas quem paga a conta, como sempre, é o povo paulista, com cada vez mais impostos e cada vez menos serviços.

 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 52, doutor em Economia pela Universidade

Harvard (EUA), é presidente estadual do Partido Liberal (PL) em São Paulo, vice-presidente e

professor titular da Fundação Getulio Vargas (SP). Foi secretário do Planejamento e de

Privatização e Parceria do município de São Paulo (administração Paulo Maluf)

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