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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Os juros e o "triângulo intocável"


No meu último artigo publicado nesta coluna, no dia 17, "O triângulo intocável", mostrei que a atual política econômica não tem sido eficiente para equilibrar as contas públicas. Apesar dos altos superávits primários e da elevada taxa de juros vigente, o endividamento público tem crescido, daí resultando a necessidade de uma política macroeconômica recessiva e altamente concentradora de renda. As alternativas de política econômica defendidas insistentemente por políticos, empresários e economistas, para serem viáveis, devem necessariamente manter o equilíbrio de um tripé fundamental para a economia do país. É imperioso que propostas como reduzir os juros, renegociar a dívida, depreciar a moeda ou reduzir o superávit primário sejam capazes de simultaneamente reduzir o endividamento, manter a inflação sob controle e preservar o equilíbrio na balança de pagamentos. As políticas alternativas freqüentemente propostas não permitem a manutenção do equilíbrio do "triângulo intocável". Adotar tais medidas de forma isolada pode resolver um problema, mas gera desequilíbrios e contra-indicações que as tornam não-operacionais como forma de dar início a um processo de retomada do crescimento da renda e do emprego. Vamos examinar, neste artigo, as críticas sobre a atual política de redução dos juros e que impactos uma dosagem mais forte dessa política poderia ter sobre as principais variáveis da economia brasileira. A redução dos juros é constantemente apresentada como a panacéia para os problemas nacionais. Todo mês o mercado vive momentos de histeria quando o Copom se reúne para fixar o juro primário. São comuns os discursos inflamados contra o conservadorismo do Banco Central, como ocorreu na última reunião do Copom. São pertinentes os clamores em defesa da redução dos juros no Brasil, um dos mais elevados do mundo. O alto custo financeiro praticado no país inibe investimentos produtivos e transfere renda das empresas e das famílias para o setor financeiro e para os rentistas. Tal posição, no entanto, não atenta para o fato de que o maior problema relacionado ao custo do dinheiro no Brasil reside no abominável nível dos "spreads" praticado pelas instituições financeiras. A taxa Selic é apenas um indicador, calibrado pelo Banco Central em função da expectativa de inflação futura e também em decorrência de mudanças no cenário externo que possam afetar o balanço de pagamentos do país. A diferença entre a remuneração paga pelos bancos ao poupador e a taxa cobrada do tomador final tem sido atribuída a fatores como a reduzida oferta de crédito, a cunha fiscal e o elevado nível dos depósitos compulsórios. No entanto, a causa preponderante dos juros abusivos praticados no país é a atuação oligopolística do setor bancário. O poder de mercado dos bancos no Brasil é um fato que não se debate em profundidade. Enquanto isso, a lucratividade do setor ganha de longe dos demais setores produtivos nacionais, ganhos esses potencializados por operações de tesouraria em razão da Selic elevada. Reduzir mais aceleradamente a Selic, como muitos apregoam, teria um efeito positivo sobre o denominado "triângulo" no lado do endividamento. A dívida mobiliária, principal item da dívida pública, está indexada em 55% de seu total à taxa Selic. O restante tem como indexadores o câmbio e outros indicadores. Com uma Selic menor, o custo da dívida diminuiria e o PIB poderia crescer no curto prazo. Dessa forma, o estoque da dívida em relação ao PIB seria declinante. Ocorre que, com juros abruptamente reduzidos, haveria risco de um impacto negativo no lado da inflação do "triângulo". O maior volume de crédito teria como conseqüência o aquecimento da demanda. Numa economia como a brasileira, em que vários setores não foram estimulados a fazer investimentos em expansão de capacidade e modernização, a pressão sobre os preços seria inevitável. Setores como os de celulose, pneus e siderurgia, por exemplo, estão com a capacidade de expansão da oferta praticamente no limite. No lado do balanço de pagamentos, uma política de queda acelerada nos juros também poderia gerar efeito negativo. No momento em que o Federal Reserve sinaliza a elevação dos juros nos EUA, a redução da Selic reforçaria o enxugamento de recursos externos na economia brasileira. O Brasil precisa compensar, na conta de capital, o déficit nas contas correntes que registra ao longo da história. Em 2002, o balanço de transações correntes foi deficitário em US$ 7,7 bilhões. Em 2003, houve um superávit em conta corrente de US$ 4 bilhões, por conta das exportações, que atingiram US$ 73,1 bilhões e que foram determinantes para o superávit comercial de US$ 24,8 bilhões. Mas, apesar disso, as entradas de capitais externos foram fundamentais para o país acumular reservas e se preparar para uma eventual aceleração em sua taxa de crescimento. Outra conseqüência potencialmente negativa da redução da Selic no balança de pagamentos é a pressão sobre as importações causada pelo aquecimento da demanda interna, o que poderia comprometer os atuais saldos das transações comerciais. Em suma, nem tudo são flores com uma Selic significativamente mais baixa. Uma redução rápida dos juros apenas seria capaz de dar início à retomada sustentada do crescimento econômico se fosse praticada dentro de um quadro conjuntural e estrutural mais propício do que o existente atualmente. Nesse sentido e na ausência de outras medidas estruturais que inexplicavelmente o governo não adota -como uma efetiva reforma tributária-, a estratégia gradualista parece ser a mais adequada, ainda que claramente seja uma política de "second best".

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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