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  • Marcos Cintra

Propostas sem base em analise profunda

A seção "Palanque" desta Folha perguntou recentemente aos principais candidatos à Prefeitura de São Paulo que porcentagem do imposto arrecadado no Município deveria permanecer sob o controle da Prefeitura. O ex-deputado Adhemar de Barros Filho, do PDT, confundiu-se ao responder àquela indagação, já que em sua resposta afirmou que, do total do bolo tributário, cabem à União 70%, 27% aos Estados e apenas 3% aos municípios. A partir desta constatação defendeu uma participação dos municípios de 9 a 10% do total da arrecadação tributária.


Em realidade, os números citados pelo candidato estão corretos, grosso modo, no que se refere às receitas tributárias próprias de cada esfera de governo; no caso dos municípios, seria, fundamentalmente, a parcela do IPTU e do ISS na arrecadação tributária global. Porém, a União transfere parte de suas receitas próprias aos Estados e aos municípios; da mesma forma, os Estados distribuem aos cofres municipais parte dos tributos que recolhem.


Considerando-se as receitas próprias e transferências, os municípios recebem, como recursos efetivamente disponíveis, cerca de 18% das arrecadações globais, e a União, aproximadamente 50%. Vale lembrar que a participação dos municípios já foi de 13,6% em 1974, e que antes da reforma tributária de 1965/66 era de cerca de 12%. Portanto, ao reivindicar 9 ou 10%, o candidato do PDT estaria obviamente equivocado.

No dia 29 de agosto último, a Folha propôs, na seção "Palanque", a seguinte pergunta aos candidatos: "Que porcentagem do imposto arrecadado no município de São Paulo deve permanecer sob o controle da Prefeitura?"


O candidato do PMDB, Fernando Henrique Cardoso, disse que desde 1983 a receita tributária não cobre "sequer a despesa corrente". O candidato considera essa situação "insustentável". Ele não aponta o percentual de impostos arrecadados que deve permanecer sob o controle da Prefeitura. Para Cardoso, é necessário o diálogo e a negociação para se chegar a esse percentual, "mas com respaldo popular".


O candidato do PT, Eduardo Suplicy, diz em seu artigo que a Prefeitura deveria ficar com 30% do imposto arrecadado em cada município, para que ela possa cumprir as suas obrigações sociais. Suplicy disse ainda que alterar a estrutura de arrecadação e distribuição de impostos deve ser um dos objetivos da Constituinte.


O candidato do PDT, Adhemar de Barros Filho, propôs a volta à Constituição de 47, segundo a qual os municípios receberiam de 9% a 10% de todo o bolo tributário. "Em relação aos tempos de hoje, seria um avanço considerável", disse.


O artigo que publicamos ao lado dá início a uma série de análises sobre as posições defendidas pelos candidatos na seção "Palanque".


Eduardo Suplicy, candidato do PT, acusa os poderes estaduais e federais de cederem às exigências dos credores externos e de não fixarem uma escala de prioridades capaz de atender aos reclamos da população.


De modo geral, parece-nos que nenhum dos candidatos logrou êxito na formulação de uma proposta que esteja sustentada numa análise mais profunda da questão, embora tenha sido o candidato petista o que mais se aproximou de tal desiderato.


O candidato Fernando Henrique Cardoso, do PMDB, afirma não ter sentido discutir-se em abstrato qual seria a porcentagem "certa". Mostra, contudo, que os recursos reais têm evoluído insatisfatoriamente face à demanda de serviços e obras essenciais, e que os critérios de divisão do Fundo de Participação dos Municípios prejudicam as capitais, pois estas recebem 10% dos recursos quando nelas vivem 23% da população brasileira. Finalmente, se propõe a dialogar e a exigir a correção dessas e outras distorções, colocando-as na pauta de discussões acerca da reforma tributária.


Trata-se de uma resposta "correta", mas pouco esclarecedora acerca das prioridades do candidato, deixando em sua esteira muitas dúvidas e não refletindo esforços de análise mais profunda acerca desta questão primordial no campo da administração pública.


Já o candidato do PT, Eduardo Matarazzo Suplicy, vai para o outro extremo, exigindo, taxativamente, que a Prefeitura detenha "o controle de pelo menos 30% do imposto arrecadado em cada município". Justifica tal pleito alegando ser aquela esfera governamental a que está mais próxima da população, e a que "tem mais possibilidades de atender às prioridades definidas democraticamente pela população". Ademais, acusa os poderes estaduais de não fixarem uma escala de prioridades capaz de atender aos reclamos da população.


Falta, contudo, uma discussão mais detalhada acerca da questão siamesa à elevação da participação tributária dos municípios, que é a questão da divisão de tarefas e de obrigações.


Ao receberem um maior volume de verbas tributárias, os municípios terão de aceitar, concomitantemente, maiores responsabilidades; caso contrário, a aflitiva questão do déficit público, e o resultante gigantismo do endividamento da União, não poderão jamais ser equacionados.


Cabe lembrar ainda que os municípios recebem recursos orçamentários do governo central que deveriam ser somados àqueles constantes de seus orçamentos próprios, como no caso do custeio de obras como o metrô e os aeroportos nas capitais metropolitanas. Vista desta forma, o problema da atrofia orçamentária dos municípios precisa ser abordado com maiores precauções, e a gravidade do que a pretendida pelos possivelmente se revista de menor "municipalistas" mais afoitos.


Mesmo assim, permanece a questão, que a nosso ver é a mais importante, e que sobrepuja o dilema simplista da mera divisão do bolo orçamentário; trata-se de saber qual a esfera governamental que melhor terá condições de elaborar uma escala de prioridades que reflita as verdadeiras aspirações populares.


Sem dúvida, os orçamentos municipais se fortalecerão, mas devemos nos preparar para, no futuro, respondermos a questões que inevitavelmente surgirão; algumas simples, como a escolha entre investimentos em infraestrutura ou serviços sociais, outras mais difíceis, como a alocação de recursos para geração de energia elétrica, transporte público e outros setores essenciais.



MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é professor de Economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo e doutor pela Universidade de Harvard (EUA).


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