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  • Marcos Cintra

Um novo conflito distributivo

 Bancários, estivadores, portuários, previdenciários, professores - segundo estimativas do governo, deverão ocorrer mais de 300 paralisações durante o mês de setembro. Prosseguem assim os movimentos reivindicatórios por aumentos de salários diretos e indiretos, deixando perplexas as autoridades econômicas. Elas julgavam que, com o Plano Cruzado, estariam concretizando um pacto que contaria com a adesão de todas as camadas sociais. Como isso não ocorre, acusam as lideranças sindicais de estarem tentando distorcer e comprometer o sucesso da estratégia anti-inflacionária do governo.


Sem dúvida, existem interesses políticos em jogo, e muitos têm indisfarçáveis interesses no fracasso da atual política econômica. Mas isso não é tudo. Existem razões mais profundas que poderiam explicar o que ocorre atualmente no Brasil.


A estratégia salarial do Plano Cruzado foi simplista ao não dar conta de que o reajuste dos salários pelas médias não faria congelar - nem mesmo temporariamente - o impeto das reivindicações salariais. Pelo contrário, o que sucedeu foi um fortalecimento dos movimentos sindicais, embora, de início, tenha se criado a ilusão de que estaria ocorrendo exatamente o inverso. E isso porque o Cruzado resgatou alguns princípios econômicos básicos que haviam sido perdidos durante o período inflacionário, entre eles a noção do valor, como o ministro Funaro não se cansa de repetir, sem compreender, contudo, as implicações do que diz. Com isso, tornaram-se ainda mais evidentes as enormes disparidades de renda existentes no Brasil; ficou mais claro para os assalariados que seus rendimentos são baixos, enquanto outros setores auferem altíssimos lucros.


Nos tempos da inflação galopante, confundiam-se reposições de perdas com aumentos reais de salários. Hoje fica mais fácil separar tentativas de compensar a inflação da luta por uma parcela maior da renda nacional. Reinaugura-se um conflito distributivo que, porém, é diferente daquele que ocorria no período inflacionário. Antes, era o resultado de esforços para evitar transferências de renda àqueles que se beneficiavam com a inflação; agora, trata-se de um conflito distributivo que resulta numa inconsistência macroeconômica - o objetivo é a redistribuição de renda.


O impacto das pressões salariais ocorrerá, a curto prazo, na redução dos lucros, ou então, na tentativa de repasse aos preços. A primeira saída é o caminho para um capitalismo maduro; a segunda é a perpetuação do subdesenvolvimento e a continuidade da espiral salários-preços, o que equivale dizer que sem redistribuir renda, estas pressões estruturais de inflação não serão debeladas.


O modelo inflacionário aqui descrito é diferente daquele implícito no Plano Cruzado. Lá, o reajuste pelas médias compatibilizaria todos os interesses conflitantes; aqui, só evidencia a insatisfação dos assalariados. O governo tenta extirpar a memória inflacionária, eliminando assim uma das causas da inflação inercial. Contudo, não conseguirá eliminar a memória salarial. Cabe lembrar que o salário médio real somente atinge os níveis em meados de 1982.


Além disso, o diagnóstico inercial é incompleto, pois a má distribuição de renda exacerba o conflito distributivo, constituindo-se em importante foco estrutural de pressões inflacionárias. Daí a importância de uma reforma tributária, também como uma medida de combate à inflação.


Esta é mais uma razão pela qual se percebe que o Plano Cruzado acertou no atacado, mas peca no varejo, nas medidas complementares.




MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 40, é Doutor pela Universidade de Harvard (EUA). Chefe do Departamento de Economia da Fundação Getulio Vargas (SP) e consultor econômico desta Folha.

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