Qualquer plano de estabilização da economia e, ainda mais importante, a superação da incapacidade de investir exigirão alterações.
Não bastará a montagem de novos pacotes econômicos institucionais, pois, sem mudanças mais profundas nas instituições e nas diretrizes de condução da economia brasileira, tais tentativas servirão apenas para reforçar a desconfiança da população.
De certa forma, já se torna perceptível que toda a sociedade brasileira deseja uma nova orientação econômica, uma nova distribuição de papéis e de responsabilidades. Contudo, a postura da classe política dominante, e frequentemente do governo, continua a impor uma visão ultrapassada do processo econômico, utilizando as necessárias...
Se essas mudanças não ocorrerem, a economia continuará prisioneira de um conjunto de instâncias de ordem política, econômica e social, absolutamente incongruente com o momento do País em busca de novo crescimento e desenvolvimento. São evidentes estas alterações institucionais que os governantes não estão sendo capazes de realizar.
Há necessidade de uma política de ajustamento conjuntural capaz de:
a) reverter o estrangulamento externo;
b) conter as pressões inflacionárias;
c) manter taxas equilibradas de crescimento.
Existem, contudo, focos de distorções e de desequilíbrios que se estão somando para configurar uma das mais desfavoráveis situações conjunturais que o País já atravessou.
Desajustamentos macroeconômicos podem ocorrer tanto por causas internas (expansão excessiva da demanda interna, desaceleração do crescimento da capacidade produtiva, choques exógenos de oferta), como por fatores externos (deterioração nos termos de intercâmbio, elevação dos juros reais externos, corte abrupto na disponibilidade de créditos internacionais). De fato, todos esses eventos ocorreram quase que simultaneamente na economia brasileira.
Esta conjugação de fatores, aliada a políticas econômicas internas inadequadas, resultou em pesadas distorções nos preços relativos, endividamento crescente, desaceleração do crescimento, perda dos superávits comerciais — agora quase totalmente recuperados — fortes pressões inflacionárias, descontrole do déficit público e elevação dos juros nominais e reais.
O objetivo de um programa de ajustamento conjuntural é garantir, no curto prazo, o reequilíbrio entre oferta e demanda, evitando-se a continuidade das distorções acima apontadas. Assim, torna-se necessário um conjunto de medidas econômicas que atuem nas seguintes variáveis-chave da economia:
Nos níveis de absorção do produto, administrando-se a demanda interna.
Na decomposição da produção entre bens comerciáveis externamente (traded goods) e bens não-comerciáveis (non-traded goods), usando-se de uma política cambial adequada.
Na geração e absorção de poupança externa, compatibilizando-se as necessidades de financiamentos externos com o perfil da capacidade de transferir recursos ao exterior.
Notar que a concretização dessas metas não atuaria diretamente nos condicionantes da taxa de crescimento a longo prazo.
Isto exigiria amplas reformas, que só poderiam ser efetivamente contempladas após a aplicação de um programa de ajustamento conjuntural.
Reformas estruturais precisariam fazer parte de um programa de crescimento de longo prazo, objetivando a expansão auto-sustentável, a obtenção de maior justiça social e a redução da inflação. Para tanto, exige-se um conjunto de medidas de política econômica que atuem:
Na contenção das pressões inflacionárias, evitando-se a introdução de fatores que rompam o equilíbrio macroeconômico obtido na fase de ajustamento.
Na expansão da capacidade produtiva, presente e potencial, adotando-se um leque de políticas estruturais que atuem pelo lado da oferta.
Nas reformas estruturais, como a reforma tributária, bancária, agrária, habitacional etc.
O programa de ajustamento não pode durar mais do que alguns meses, mesmo porque a sociedade brasileira passou a formar rapidamente expectativas acerca de novos congelamentos de preços e salários. O essencial é criar rapidamente condições para que o ajuste comece a ocorrer, tranquilizando os agentes econômicos e oferecendo-lhes regras e perspectivas claras sobre a política econômica aplicada.
Parece haver consenso quanto ao forte conteúdo político da atual crise brasileira. Certamente não bastarão programas econômicos de curto prazo — por mais consistentes que possam ser — sem uma clara disposição do Governo em implementá-los. Neste sentido, dificilmente um programa de ajustamento terá efeitos positivos se não vier acompanhado de profundas modificações nas diretrizes gerais de condução da economia, a exemplo das sugeridas adiante, como parte de um programa de crescimento de longo prazo.
Administração da demanda
Política monetária: No Brasil, o uso de variáveis monetárias para controle da demanda é de difícil aplicação. Geralmente, resulta em fortes oscilações no nível de atividade, sem maiores impactos de curto prazo na inflação. Ademais, não se conhece com exatidão o nível da demanda de moeda, e sem isso não há como estabelecer metas explícitas de oferta monetária.
O mais sensato seria a fixação de uma meta nas taxas de juros, adotando-se, a partir daí, uma política monetária essencialmente acomodadora, que não quer dizer, necessariamente, passiva.
A fixação dos juros reais em níveis positivos, mas adequadamente baixos, precisa ser acompanhada — para evitar grandes doses de injeção de moeda — de uma política fiscal rigorosa que não pressione em demasia as autoridades monetárias. Disciplina fiscal seria essencial nesta fase do programa de ajustamento. A redução dos juros poderia também ser auxiliada pelo corte da "cunha fiscal".
Cabe observar, ainda, que a meta de crescimento econômico não pode ser alta, em face da redução da taxa de formação de capital nos últimos cinco ou seis anos.
Observe-se, finalmente, que uma das maiores limitações a uma política monetária excessivamente rígida encontra-se no alto grau de endividamento presente na economia brasileira. Tanto dentro do setor privado quanto entre as empresas estatais, e ainda entre estas e o setor privado, os altos coeficientes de endividamento fragilizam as empresas e o Governo, tornando-os extremamente suscetíveis a qualquer elevação nas taxas de juros.
Essa característica da economia brasileira torna a política monetária um instrumento muito delicado e evidencia a necessidade de um amplo projeto de consolidação do pesado endividamento ocorrido no Brasil.
Política fiscal: A curto prazo, a única forma de praticar uma política fiscal apertada, como é essencial para o controle das pressões inflacionárias, é pela contenção dos gastos, já que, sabidamente, a recuperação da carga tributária e da capacidade de poupança do Governo exigem políticas estruturais de mais longo prazo.
Neste ponto, torna-se imprescindível uma clara manifestação de vontade política do Governo. O corte efetivo de dispêndios precisa ocorrer, mesmo que a curto prazo gere distorções indesejáveis, mas que poderão ser corrigidas posteriormente.
Finalmente, há urgente necessidade da total recomposição das tarifas públicas defasadas, idealmente de uma só vez, para que fique claro que se trata de uma efetiva redistribuição de renda a favor delas.
Política de preços: Com o objetivo de restabelecer o mais rapidamente possível o reequilíbrio dos preços relativos, incluindo salários e preços públicos, e assim estabilizar a inflação, urge liberar o mercado.
Os salários deverão ser livremente negociados, mantendo-se apenas a obrigatoriedade de correções semestrais; o CIP deverá atuar fortemente em alguns poucos, porém importantes, preços industriais, em setores oligopolizados; tarifas públicas deverão ser rapidamente recompostas; aluguéis devem ser rapidamente flexibilizados.
Em realidade, já existem expectativas de que um novo congelamento de preços e salários deverá ocorrer, ainda que por período predeterminado. Assim, para evitar que os agentes econômicos tentem se antecipar na corrida de preços, o melhor é liberar a economia e, assim, neutralizar tal tendência de elevação preventiva de preços.
Cabe salientar que este processo de liberação poderá contar com um fato favorável no sentido de dificultar nova escalada inflacionária: o desaquecimento da economia.
Política cambial - O objetivo da política cambial é reajustar a composição do produto entre bens comerciáveis e não comerciáveis, de modo a recompor e manter um dado superávit comercial. A política cambial (desvalorização) resulta não apenas numa redução de absorção interna, mas também numa alteração estrutural no perfil de produção. Afeta, portanto, a demanda e a oferta agregadas.
Para que a política cambial surta os efeitos desejados, é necessário:
Identificar o grau de sobrevalorização da moeda;
Atingir a desvalorização desejada; e
Definir o regime cambial.
A utilização de medidas baseadas na paridade do poder de compra das moedas não leva em conta fatores como discrepâncias nos índices de produtividade entre o Brasil e seus concorrentes no mercado internacional, inovações tecnológicas, introdução de novos produtos, etc. Como o Brasil leva desvantagem em quase todos esses critérios, presume-se que os produtos de exportação estejam perdendo competitividade, mesmo que a paridade entre moedas seja mantida.
Assim, as desvalorizações reais da moeda devem objetivar um determinado superávit e devem ocorrer até que a meta seja atingida, quando, então, sua indexação a um índice de preços adequados deve ser assegurada.
Financiamento externo - Desde meados do ano passado, quando o Brasil começou a sofrer pesadas perdas de reservas, o setor externo passou a ser um severo ponto de estrangulamento. Como visto acima, a poupança externa sempre representou uma importante fonte de financiamento para a formação de capital. Cabe, portanto, recuperar a capacidade de pagamento em divisas do país, para reiniciar um novo processo de entrada de recursos externos na economia brasileira.
Sem qualquer sombra de dúvida, a renegociação da dívida brasileira não pode mais ser feita nos moldes tradicionais. A redução de spreads, a capitalização dos juros e o aporte de novos recursos são ingredientes essenciais para que se chegue a bom termo com os credores. Em realidade, é preciso insistir na tese de que a superação do atual impasse não poderá ser conseguida com a transferência dos custos do ajustamento apenas para os países devedores, pois, de fato, uma enorme parcela de responsabilidade cabe aos bancos credores, bem como à política econômica desenvolvida pelos países industrializados.
Esboço de um programa de crescimento
A longo prazo, para estabilizar a inflação em patamares aceitáveis, para criar mecanismos de financiamento interno e externo visando o crescimento a médio e longo prazos, e para retomar os investimentos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, é essencial que sejam efetuadas algumas mudanças estruturais, capazes de possibilitar uma nova percepção acerca da realidade brasileira.
O que diferencia o elenco de medidas aqui sugerido de uma política de administração da demanda é que se pretende, acima de tudo, aumentar a eficiência e promover o crescimento econômico pelo aperfeiçoamento dos mecanismos de alocação de recursos e pelo incentivo à poupança e ao investimento.
Com relação à eficiência, o importante é identificar e corrigir situações onde existam discrepâncias entre preços e custos marginais. Neste sentido, devem-se eliminar subsídios (a não ser quando explicitamente desejados e socialmente necessários, como é o caso na política habitacional e agrícola), evitar comprimir os preços e tarifas públicas e, sobretudo, cercear práticas abusivas de fixação de preços nos setores altamente concentrados.
Em relação ao crescimento econômico, é importante aumentar os investimentos, garantir um maior fluxo de poupança interna e externa, recuperar a capacidade de poupança do setor público, inclusive estatais, e iniciar amplos programas de investimentos sociais.
Não são propriamente os objetivos que diferenciam esta proposta; o que se destaca é a tentativa de sugerir um novo arcabouço institucional, dentro do qual serão viabilizadas as metas específicas de política econômica.
Trata-se, antes de mais nada, de definir um novo modelo de crescimento, dentro de um novo padrão de relacionamento entre indivíduos, entre indivíduos e o Estado, e entre o Estado e o resto do mundo. É necessário reconhecer a necessidade de uma ruptura com os padrões de crescimento anteriores, gerando, assim, comportamentos e expectativas que levem a novos estilos de gestão empresarial e pública.
O novo papel do Estado em um modelo concorrencial
Apesar de todas as demonstrações em contrário, o Brasil ainda não se convenceu de que é prisioneiro de uma máquina estatal obsoleta, distorcida e profundamente impeditiva de todo e qualquer esforço de superação dos atuais impasses econômicos.
Ainda persiste a concepção arcaica do Estado como agente modernizador, como justificativa para a teoria do "big push", a despeito de todas as evidências que mostram exatamente o contrário.
Não é apenas pelo lado da ineficiência, do clientelismo, da corrupção e dos déficits financeiros que a participação do Estado na economia precisa ser reavaliada; é necessário também considerar os enormes canais de investimento que poderiam ser abertos aos capitais privados, gerando, assim, um novo surto de formação de capital, que o setor público mostra-se cada vez mais incapaz de promover. Ademais, há uma urgência em fazer com que o Estado assuma suas responsabilidades em áreas onde sua atuação não pode ser substituída, como educação, saúde, saneamento e habitação, onde a negligência atinge limiares cujas consequências beiram a irresponsabilidade e a desumanidade.
No momento, o maior desafio para as autoridades econômicas é o controle do déficit público. Esta é a principal meta para possibilitar a estabilização da economia brasileira. Não se pretende negar a validade do uso do déficit como instrumento de política econômica. Sem dúvida, ele pode ser utilizado para incrementar o nível da demanda agregada em situações de desemprego de fatores de produção. A questão é que os agentes econômicos não reconhecem no déficit um instrumento manejável de monitoração da economia, mas sim um desequilíbrio estrutural de difícil controle, que, mesmo em situações de pleno emprego, continuará a pressionar os níveis de demanda.
Daí a aparente falta de lógica, que frequentemente deixa alguns economistas perplexos, quando confrontados com a afirmação de que o déficit público estaria pressionando a inflação. Em realidade, trata-se apenas da capacidade de antecipação dos agentes econômicos, que não se deixam iludir pela alegação de que o déficit existe como uma providência anticíclica, isentando-o, portanto, de ser apontado como uma das causas do aumento de preços.
Qualquer tentativa de contenção dos gastos públicos será inócua sem uma reavaliação do papel e das funções do setor estatal dentro da economia. É uma ilusão imaginar que seja possível uma compressão de gastos muito maior do que a que já vem sendo feita há vários anos. Novos cortes, seja de custeio ou de investimento, terão apenas um impacto de curto prazo ao reduzir o nível da demanda agregada. Contudo, com maiores restrições orçamentárias, o setor se tornará ainda mais frágil, agravando um problema que ressurgirá com redobrado vigor no futuro.
Preocupa observar que se pretende lidar com o problema do setor público mediante cortes lineares de gastos de custeio e também de investimentos. Não faz sentido cortar o número de funcionários ou pagar salários mais baixos, sem a devida consideração das necessidades específicas de cada atividade. Tal medida apenas se justifica no curtíssimo prazo, pois, de fato, tornará o setor público ainda mais desaparelhado para concorrer com o privado em matéria de eficiência.
O desejável é que os órgãos e empresas do governo paguem bem e não sofram limitações para a contratação de pessoal necessário para a produção em níveis de eficiência iguais ou até mais altos que os do setor privado.
Na medida em que a política do governo concentra esforços apenas nas restrições orçamentárias impostas à administração direta e às estatais, não se está caminhando efetivamente no sentido de solucionar a questão do déficit público no país.
O seu controle não significa, e nem deve ser o mesmo que asfixiar a atividade estatal. Deve-se evitar o enfraquecimento do setor público; o essencial é que ele seja forte e atuante, porém restrito às áreas onde sua presença seja considerada necessária.
A retração da presença estatal nas atividades produtivas é a única forma viável de lidar com o problema do déficit público.
Ao mesmo tempo em que se estaria transferindo atividades para o modelo de gestão privada — nitidamente mais eficiente do ponto de vista econômico —, estaria também extirpando uma fonte importante de equilíbrios orçamentários do governo.
Isso não significa dizer que se defenda um Estado fraco ou necessariamente pequeno. A presença do Estado na economia brasileira tem uma história de sucessos. Foi por meio da atuação pública que se criaram as condições para a industrialização do país. Até a década de 1980, foi o setor estatal o indutor do desenvolvimento, seja pelos investimentos em infraestrutura, seja pela proteção da indústria nacional contra importações de bens básicos.
Entretanto, o papel do Estado precisa ser reorientado para outro tipo de atuação mais convencional. O produtivo estatal está cada vez mais desafiado em relação às expectativas típicas de governo.
É claro que ele se encontra, no momento, em uma situação de concorrente do setor privado; melhor dizendo, a ação pública gerou o descontentamento dos capitais, de sorte que, hoje, não são mais aceitas as áreas em que o setor estatal atua empresarialmente sem ser adequadamente regulado pela iniciativa privada.
Nada mais natural do que o governo se retirar dessas atividades, uma vez que já cumpriu seu papel de catalisador do processo de desenvolvimento industrial.
Esta mudança é ainda mais urgente ao se considerar que o Estado já não possui os meios de financiar sua expansão no setor produtivo.
Por outro lado, o setor privado dispõe de excedentes de capital. Um amplo processo de privatização das atividades hoje desenvolvidas pelo Estado abriria um novo canal de investimento para o empresariado, ao mesmo tempo em que aumentaria o espaço para o Governo atuar nas áreas sociais, que hoje representam o maior ponto de estrangulamento da economia brasileira.
A necessidade de privatizar a economia nada tem a ver com o tamanho do Estado. A privatização se justifica por uma imprescindível busca de eficiência, por esforços de combate à inflação e, no caso brasileiro, pela criação de um Estado mais atuante no atendimento aos serviços básicos de que carece a população.
Neste sentido, é desanimador analisar os atuais planos de privatização. A ação desestatizante se restringe a empresas periféricas, sem qualquer importância no conjunto do setor estatal. São firmas falidas que passaram aos bancos oficiais, centrais de abastecimento, hospitais, hotéis e algumas siderúrgicas sem grande significação. O Governo pretende combater um enorme déficit potencial atuando na margem do setor produtivo estatal.
Falta a coragem e a determinação dos outros países que privatizaram grandes monopólios estatais (como na Inglaterra), o que equivaleria, no Brasil, a um programa que abrangesse algumas das oito holdings do Governo, onde efetivamente reside o problema. Sem isso, o déficit público persistirá elevado e a inflação não será debelada. Tudo o mais é apenas uma espessa cortina de fumaça.
Da mesma forma, é preciso combater de todas as maneiras as práticas produtivas e comerciais abusivas, o domínio de mercados por grupos de interesses e os privilégios privados concedidos pelo poder público. O Brasil necessita de uma rigorosa legislação de proteção ao consumidor, de fomento à concorrência e de severa punição à corrupção.
Somente assim, a ação estatal poderá ser um complemento à atuação privada, dentro de um verdadeiro modelo concorrencial, calcado na busca da eficiência, no progresso tecnológico e orientado pelo incentivo do lucro legitimado pelo crescimento econômico e pela justiça social.
A inserção no capitalismo internacional
Pragmaticamente, o reinício da entrada líquida de recursos externos é essencial para a economia brasileira. Pretender uma nação moderna e dinâmica sem pesados investimentos do exterior é o caminho certo para a frustração.
Não há o que temer quanto ao propalado, e falso, perigo que o capital estrangeiro poderia representar. É um fantasma tão fora de moda quanto inofensivo. Há no Brasil um Governo forte e uma economia suficientemente grande para impedir que capitais externos ameacem os interesses nacionais.
As grandes empresas estrangeiras tornaram-se praticamente apátridas, sem interesses políticos definidos e sem linhas de subordinação a seus países-sede. Desejam apenas boas perspectivas de lucro e um ambiente institucional estável. Dentro deste quadro, e no atual estágio de desenvolvimento do Brasil, empresas de capital estrangeiro podem se tornar importantes geradoras de empregos, exportadoras privilegiadas e eficientes transmissoras de conhecimento tecnológico.
Nada justifica um nacionalismo tolo, discriminatório dos investidores estrangeiros. Na medida em que produzem e empregam dentro do país, devem usufruir dos mesmos direitos e privilégios estendidos aos nacionais.
Basta uma política industrial e de remessa de lucros estável — que o Brasil tem plena capacidade de definir e impor — para que a entrada de capitais do exterior se transforme rapidamente em um fundamental complemento ao esforço doméstico de desenvolvimento.
A dívida acumulada em divisas não foi em vão. Diferentemente do ocorrido em outros países, ela foi, com maior ou menor eficiência, investida na ampliação da infraestrutura econômica e no fortalecimento do parque industrial brasileiro.
No entanto, por uma série de razões — sendo a crise de liquidez internacional a mais grave delas — a dívida acumulada na década de 70 deixou como herança um persistente estrangulamento externo. As altas de juros reais, as flutuações nos preços das principais commodities exportadas e a necessidade de constante crescimento interno são fatores de permanente perturbação no equilíbrio das contas externas brasileiras.
Nessas condições, o país estará sempre caminhando no fio da navalha. Se, por um lado, precisa crescer a taxas altas para diluir o peso de seu endividamento, por outro, as remessas de juros continuarão sendo, ainda por um longo período, um obstáculo e um grave foco de evasão de fundos disponíveis para investimentos.
Mas, se já começa a haver um melhor entendimento da questão por parte de políticos, banqueiros e autoridades dos países credores, torna-se essencial, em contrapartida, que também dentro das nações devedoras surja um clima de cooperação e de relativa transigência. Neste sentido, uma regulamentação que favoreça a conversão da dívida em capital de risco assume um papel de destaque.
Trata-se de providência de curto prazo, capaz de auxiliar, ainda que de forma relativamente modesta, no reequilíbrio do balanço de pagamentos do país; porém, ainda mais importante, pode representar uma nova postura frente à comunidade internacional, auxiliando, assim, nos esforços de captação de recursos externos para financiar o crescimento brasileiro.
As recentes perturbações ocorridas nos maiores centros financeiros internacionais não podem ser minimizadas. Refletem a urgente necessidade de ajustamentos na economia norte-americana e, consequentemente, irão repercutir negativamente em todo o mundo. Contudo, é preciso não perder a perspectiva histórica e falhar em verificar que se trata de um movimento cíclico típico das economias capitalistas.
Destarte, não se deve permitir que este contratempo conjuntural impeça a economia brasileira de efetuar sua maior integração à comunidade econômica internacional. O importante é que o Brasil recupere sua capacidade de pagamento em divisas, abra seus mercados aos capitais externos e se inclua no rol das nações industrializadas modernas e integradas do ponto de vista internacional.
Uma nova distribuição de renda e o mercado interno
O desenvolvimento brasileiro, contudo, tem o mercado interno como seu principal sustentáculo. Certamente há enorme espaço para a transformação do país em uma economia ainda mais voltada para os mercados internacionais. Mas, seja pelo potencial de consumo, seja pela necessidade de integrar milhões de brasileiros em uma estrutura econômica moderna, é no atendimento à demanda doméstica que devem se concentrar os primeiros esforços.
Neste sentido, torna-se fundamental a realização de profundas alterações nos padrões de distribuição de renda pessoal, regional e funcional. Maior equanimidade entre indivíduos, entre regiões e entre níveis de poder é condição necessária para qualquer programa de valorização e crescimento do mercado interno.
O Brasil precisa de uma ampla e profunda reforma tributária e fiscal. Há necessidade de uma total reformulação nos critérios de arrecadação e distribuição de tributos — uma reforma distributivista em todos os sentidos.
Não se trata de meras transferências de renda — como os subsídios de toda ordem que o Estado já concede em volumes muito acima do recomendável — mas sim de um tardio reconhecimento de que, além de questões de justiça, há interesse de toda coletividade na ampliação do mercado interno. Assim, urge iniciar alterações tributárias que reduzam as enormes distorções hoje existentes. Não se pode mais suportar contrastes entre ricos e pobres.
A tributária é um poderoso instrumento para evitar que isto continue ocorrendo. Há que se lembrar, antes de tudo, que ela deve ocorrer de maneira consciente com o crescimento econômico, de forma eficiente, a fim de organizar o trabalho e reduzir distorções na distribuição da renda.
Da mesma forma, há a necessidade de fortalecer o potencial de arrecadação do Estado para sustentar os mesmos gastos de custeio e os investimentos em infraestrutura social que precisam ser realizados. E isso pode ser feito por meio do aprimoramento e simplificação dos serviços públicos que se redistribuem à sociedade, principalmente se o objetivo é favorecer as camadas na base da pirâmide social.
É preciso lembrar que, nos casos em que o mercado falha ou é insuficiente (como ocorre com a habitação de baixa renda, saúde, saneamento, educação, segurança, justiça, transporte e muitos outros), o Estado precisa intervir com supervisão e meios, pois é a população mais vulnerável que depende desses serviços. São serviços que o mercado livre não consegue prover, mas, sem eles, paradoxalmente, o capitalismo moderno não sobreviverá.
Fala-se que a carga tributária no Brasil é baixa, e usa-se este argumento para justificar a inoperância da ação do Estado no provimento de serviços sociais, ou então para justificar os déficits orçamentários. Na realidade, a carga tributária bruta tem permanecido em torno de 25% do PIB nos últimos 20 anos.
O que efetivamente vem caindo é a carga líquida, resultante do saldo disponível para gastos públicos após as deduções de subsídios e pagamentos de juros e outras transferências. Caberia, portanto, uma criteriosa avaliação desses gastos, como primeira providência para a recuperação da capacidade de prestação de serviços por parte do Estado.
Levando-se em conta a qualidade dos serviços prestados pelo poder público no Brasil, o baixo nível de renda da população que mais paga impostos (o que recrudece o sacrifício implícito no recolhimento dos tributos) e a regressividade na aplicação dos tributos que recaem, sobretudo, nos assalariados, é fácil concluir que o potencial de arrecadação fiscal no Brasil está próximo do esgotamento. Cabe questionar, assim, a afirmação de que a carga tributária bruta é baixa.
Além disso, o conceito relevante para avaliar o custo do Estado está na taxa global de extração, que certamente é bem superior à carga tributária bruta, pois incorpora aos impostos arrecadados outros itens como contribuições parafiscais, empréstimos compulsórios, o imposto inflacionário (somente este superior a 3% ao ano), além do "custo de aquiescência", ou seja, os custos que a sociedade deve suportar para manter os controles e registros exigidos pela legislação tributária.
O Brasil não pode mais conviver com a multiplicidade e falta de transparência que caracterizam seu sistema tributário. Urge implementar o conceito do imposto único, seja sobre a renda ou sobre o consumo. A taxação do consumo não é necessariamente regressiva, e nem a incidente sobre a renda é sempre progressiva.
A aplicação de um imposto único sobre bens finais de consumo, com alíquotas diferenciadas para garantir a progressividade do sistema, tem a grande vantagem de não desincentivar a geração de renda e a poupança. Apenas o ato de consumir — este de caráter estritamente individualista e que extrai recursos da sociedade em benefício pessoal — seria taxado, com o intuito de gerar um retorno à sociedade.
Com possíveis exceções — como o imposto sobre importações, sobre remessas financeiras ao exterior, e sobre propriedade, com características de extrafiscalidade — o número de tributos deveria ser mantido no mínimo indispensável. Além dos volumosos recursos que poderiam ser canalizados para a produção e que hoje são despendidos em atividades de fiscalização e de controle estritamente improdutivas, obter-se-ia ainda uma transferência fiscal que hoje absolutamente não existe.
Reformas estruturais
Como exposto acima, o Brasil precisa executar algumas importantes reformas estruturais. Profundas mudanças tributárias e fiscais já foram discutidas. Existem outras áreas, contudo, que também carecem de urgente atenção.
A reforma agrária, por exemplo, é uma delas. Certamente a estrutura fundiária brasileira precisa ser alterada, principalmente na medida em que regiões de grande concentração da propriedade da terra passam a ser incorporadas no processo produtivo comercial.
Neste sentido, a desconcentração fundiária pode ser obtida não apenas por meio de desapropriações e assentamento de famílias, um processo oneroso e de difícil execução, mas deve contar, sobretudo, com o uso de instrumentos de indução fiscal.
Da mesma forma, urge disciplinar a propriedade urbana no sentido de colocar em uso glebas que permanecem ociosas, sem qualquer função social. A contribuição de melhoria e o imposto territorial e predial urbano progressivos são importantes instrumentos que precisam ser urgentemente colocados em ação.
Urge também implementar uma reforma bancária capaz de criar condições para o financiamento da formação de capital no Brasil, além, evidentemente, do incentivo ao mercado de capitais.
Crédito de médio e longo prazos precisa ser oferecido pelas instituições financeiras brasileiras.
A política habitacional necessita também de profundas alterações com uma clara redefinição de tarefas entre os setores privado e estatal. Trata-se de um caso típico de falha de mercado, no qual a intervenção pública, no segmento de interesse social, precisa ser reformulada para garantir resultados que o setor privado não tem condições, nem interesse, de obter.
Uma forte lei antitruste deve ser aplicada, e os mecanismos de controle de preços (CIP, SEAP, Sunab) devem ser adequados para exercer um efetivo controle sobre os mercados oligopolísticos. Em todos os demais mercados, financeiros ou de bens e serviços não públicos produzidos pelo Governo, deve haver liberdade de ação, mantendo o Estado apenas um papel fiscalizador.
Todas as linhas de atuação mencionadas não constituem novidade; já foram apresentadas inúmeras vezes. Contudo, o que é diferente nestas propostas — e em outras não referidas, mas de igual importância dentro do espírito deste manifesto — é o respeito pela liberdade e pela individualidade que se deseja ver largamente difundido dentro da sociedade brasileira. A meta é valorizar a iniciativa privada, a criatividade pessoal, a integração com as demais economias de mercado; busca-se, ainda, viabilizar o Estado como prestador de serviços públicos e como promotor de justiça social.
Conclusão
A superação dos obstáculos descritos acima, bem como a implementação das reformas estruturais mencionadas, são condições essenciais para a definição de um novo padrão de crescimento para a economia brasileira. O que diferencia esta nova forma de desenvolvimento é, sobretudo, a ênfase no setor privado, com o equivalente encolhimento do setor estatal produtivo; é também a prioridade concedida ao crescimento do mercado interno pela via de valorização do trabalho e da resultante redistribuição de renda que será concretizada, não por inúteis legislações salariais ou por práticas de proteção paternalista ao trabalhador, mas sim pelo crescimento efetivo da demanda por mão de obra que um novo surto de investimento deverá propiciar; é a realização de uma eficaz política de desconcentração dos oligopólios e monopólios, que, no momento, são um empecilho à retomada dos investimentos nacionais e estrangeiros, e só fazem por impedir que a competição seja um efetivo freio à exploração do consumidor e uma preciosa fonte de progresso tecnológico e de busca de eficiência.
Absoluta prioridade deve ser concedida ao incentivo à poupança; os mercados de capitais devem ser fortemente apoiados para se transformarem em meios de captação de recursos eficientes e baratos para as empresas. Mecanismos de atração de investimentos externos precisam ser urgentemente criados.
Somente assim haverá condições para iniciar a erradicação da pobreza e da desigualdade, origem tanto do radicalismo conservador quanto do reformismo revolucionário. Neste processo de revitalização da economia, é preciso um Estado forte capaz de desempenhar com eficiência e ousadia as funções que lhe são próprias; o que existe hoje — inadimplente e ocupando espaços produtivos vitais que poderiam ser mais bem desenvolvidos pelo setor privado — não tem condições mínimas necessárias para dar suporte a uma nova fase de crescimento auto-sustentado.
A superação desses obstáculos estruturais, que deve nortear toda uma política econômica orientada por um novo modelo de crescimento — livre do complexo terceiro-mundista, aberta, moderna e integrada no mundo contemporâneo — poderá ser a base para um crescimento equilibrado, sem pressões inflacionárias e, sobretudo, mais justo e humano. Não basta uma Nova República — busca-se uma NOVA ECONOMIA, que poderia ser resumida no lema PRIVATIZAÇÃO COM REDISTRIBUIÇÃO.
Diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV.