ROBERTO MANGABEIRA UNGER
28 de abril de 1998
Os três fatores determinantes da capacidade do Estado de investir em gente e diminuir as desigualdades são a vontade política, o volume da receita pública disponível e a eficiência com que gasta no social. A curto prazo e nas condições da maioria das sociedades contemporâneas, a estrutura progressiva da tributação -sua preocupação em cobrar dos mais ricos e poupar os mais pobres- é irrelevante, quando não é nociva. Gerar muito dinheiro para os governos, e fazê-lo de maneira que evite enfraquecer os incentivos a trabalhar e investir, é o que importa.
O estudo comparado da tributação e do gasto público revela fato chocante. Há relação quase inversa entre a justiça dos sistemas tributários no papel e o êxito de cada um deles em financiar o gasto social capacitador e igualizador. Onde há mais redistribuição de fato, como na França, a tributação indireta e "injusta" do consumo serve como fonte principal da receita pública. Onde as desigualdades se agravam e o gasto social se restringe, como nos Estados Unidos, prevalece a homenagem à progressividade na tributação.
A tributação indireta do consumo, por tributos como o imposto sobre o valor agregado, pode gerar muito dinheiro com pouco desarranjo econômico. A tributação direta e diretamente igualizadora, por tributos como o Imposto de Renda sobre a pessoa física, não produz a receita necessária. Nem pode fazê-lo, por enquanto, sem acarretar desincentivos, fugas e evasões devastadores.
No próximo artigo mostrarei que há lugar importante e crescente para a tributação direta e redistribuidora, uma vez que asseguremos o essencial: dinheiro para o Estado investir no social. Abolir o Imposto de Renda, seja sobre a pessoa física, seja sobre a pessoa jurídica, junto com todos os outros tributos que oneram a produção e o salário e torturam a classe média em nome da "justiça", há de ser o primeiro passo. Antes de chegar lá, porém, atenta, caro leitor, o significado maior do que escrevi.
O paradoxo, que deleita o pensador, aborrece o homem prático. Esse é um dos motivos por que a atuação reformadora dos homens práticos costuma surtir efeitos paradoxais. Tanto a vida política quanto a rotina acadêmica desdobram-se em meio a ilusões edificantes e tranquilizadoras. O mundo é selvagem e obscuro. Para enfrentá-lo, é preciso estar possuído por alguma paixão que nos leve para fora de nós mesmos e nos coloque nas mãos o clarim que Josué soou diante das muralhas de Jericó.
Pensas, leitor, que dado básico como esse sobre a relação inversa da progressividade na arrecadação e no gasto estaria no centro das atenções dos estudiosos de finanças públicas e direito tributário? Engano. Refugiados em seus aparatos analíticos, poucos se deixam surpreender pela realidade.
Menor interesse ainda demonstram os políticos supostamente progressistas. Pregar o paradoxo seria arriscar a popularidade e o poder. Entretanto toda política transformadora contém elemento pedagógico. A tarefa é tornar o necessário possível, ampliando a imaginação coletiva das possibilidades coletivas.
Que fazer? Conduzir a polêmica dentro das disciplinas especializadas, esperando que a revisão das idéias dominantes mude as premissas da discussão política? Haja paciência. Ou levar o debate diretamente ao país, confiando na intuição do povo para triunfar sobre a ignorância dos doutos? Haja coragem.