Reforma “vamo que vamo” do Imposto de Renda impacta empresas e pode afetar câmbio, diz Cintra
Por Lu Aiko Otta
Ex-secretário da Receita Federal, Marcos Cintra se declarou ‘indignado’ com a reforma do Imposto de Renda aprovada nesta quarta-feira (1º) pela Câmara dos Deputados. Ele alertou que as mudanças, se convertidas em lei, afetarão a estrutura societária das empresas, poderão afetar o câmbio e tornarão os investimentos em Bolsa um ‘cassino’. E defendeu a rejeição do texto pelo Senado Federal.
“É uma reforma vamo que vamo”, afirmou. “Uma negociação casuística em cima da outra.” Cintra avalia que o texto aprovado serviu para atender a dois ‘caprichos’: o do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tinha o compromisso de corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), e o do ministro da Economia, Paulo Guedes, que queria tributar dividendos.
“O objetivo do presidente é até correto", avaliou Cintra. “Porém, há problemas na forma e no conteúdo da discussão.” A proposta do governo foi apresentada há apenas dois meses e meio e votada em regime de urgência, a despeito de sua grande importância, comentou. Na sua avaliação, as negociações ocorridas na Câmara se deram com os grupos com maior poder de pressão. Cintra comparou com o processo da desoneração da folha salarial ocorrido no governo de Dilma Rousseff. “Foi uma irresponsabilidade do governo com a sociedade”, disse.
No conteúdo, as mudanças que o texto provocará, caso seja convertido em lei, são muito mais profundas do que aparentam, disse. “Haverá uma reestruturação societária do setor produtivo muito intensa.”
Não é algo a se fazer num momento em que a economia está patinando, acrescentou. Ele acredita que a perspectiva de aprovação da reforma pode estar contribuindo para a insegurança das empresas em decidir por novos investimentos.
Segundo Cintra, as grandes empresas têm um planejamento econômico e financeiro que leva em conta a formatação societária. Para tanto, criam sociedades de propósito específico, filiais, coligadas. Algumas atuam associadas a capital externo.
A mudança na tributação dos dividendos e nos juros sobre o capital próprio obrigarão a um novo planejamento, diz. São alterações que podem tornar uma empresa rentável em não rentável, e vice-versa.
A distribuição dos juros sobre o capital próprio, eliminada na versão aprovada ontem, é uma medida que tem sido crescentemente adotada na União Europeia, comentou.
Caso as empresas decidam intensificar a remessa de lucros e dividendos ao exterior em função dessas mudanças, a taxa de câmbio poderá ser pressionada, comentou o exsecretário. A procura por moeda estrangeira poderá contribuir para elevar a cotação, num momento em que esse já é um fator que tem contribuído para o aumento da inflação e forçado a alta dos juros.
“Os impactos macroeconômicos foram analisados com superficialidade”, afirmou. prevaleceu o “discurso demagógico” de tributar os super-ricos. Tal como foi aprovada, a reforma estimula o “nanismo” empresarial, avaliou.
As micro e pequenas empresas, além das empresas que declaram pelo lucro presumido com faturamento de até R$ 4,8 milhões por ano, estão preservadas de aumento de carga.
Assim, há menos incentivo para o crescimento.
Na outra ponta, as grandes empresas do lucro real que distribuem menos do que 40% de seu lucro terão redução da carga tributária. A pressão tributária recairá sobre as médias empresas, disse. “O que se pretende com isso? Ninguém sabe”, criticou.
A tributação sobre os dividendos vai desestimular a distribuição de lucros. Assim, as pessoas que investem em ações terão ganhos ou perdas principalmente a partir da variação do valor do ativo, e não de sua rentabilidade. “Isso transforma a Bolsa num cassino”, disse.