"A ocasião faz o ladrão". (Dito popular)
Dois fatos apontados recentemente por dois importantes jornais paulistas exemplificam com trágica clareza o fosso entre a sociedade que se deseja construir e o comportamento pernicioso e anti-social que é imposto ao país por determinados grupos de nossa elite. São fatos distintos, mas que ilustram com meridiana objetividade a imensa tarefa de saneamento ético e moral que ainda resta por fazer no Brasil.
Em reportagem magistral de Oscar Pilagallo, a Folha de S. Paulo desnudou mais um escândalo. A conivência criminosa entre empresas que se reúnem para prejudicar o povo.
Não se trata de um roubo vulgar, daqueles em que a polícia é chamada para intervir. Mas de um crime sofisticado, sem violência explícita, oculto por aparente legalidade, mas não menos danoso à sociedade.
As empresas se reúnem para, em conjunto, elevar os preços e dividir as obras e serviços que o governo contrata. Essa prática, nos países mais civilizados, seria imediatamente causa de prisão, configurando cartelização evidente, abuso do poder econômico e formação de quadrilha para fraudar o tesouro público.
Será que se trata de um caso isolado? Ou algo rotineiro, do qual todos têm conhecimento? Clóvis Rossi já desafiou as lideranças empresariais a se pronunciarem em defesa da sociedade. A renúncia do presidente da entidade onde esses lamentáveis fatos ocorreram não será suficiente. O que mais precisa ser feito?
Uma campanha de reerguimento moral das nossas elites? Uma legislação antitruste forte e eficaz? A desmantelação dos verdadeiros cartéis que, sob o disfarce de "entidades de classe" e "sindicatos", são até mesmo encorajados pela nossa legislação corporativista, contrária à livre concorrência e às práticas saudáveis de mercado?
Certamente são medidas necessárias, essenciais mesmo. Mas não bastam.
Também é preciso reduzir ao máximo as oportunidades para comportamentos criminosos. Ação repressiva e preventiva, como se faz com qualquer outro problema policial.
Em primeiro lugar, cabe indagar se a prática de concorrências fraudulentas também ocorre com compras no setor privado. Resposta: sim, mas em escala incomparavelmente menor.
As defesas do setor privado são inerentes ao seu funcionamento concorrencial. A improbidade é identificada com maior rapidez e punida com maior celeridade. Além disso, o próprio mercado exclui concorrentes incompetentes que pagam preços mais elevados.
Concorrências fraudulentas são fenômenos tipicamente públicos. Daí a urgente necessidade de privatizar tudo o que for possível privatizar e eliminar as possibilidades de improbidade. Exemplos: energia, comunicações, auto-estradas e, evidentemente, aço.
É preciso criar defesas contra o comportamento anti-social enraizado na sociedade brasileira.
O segundo fato altamente preocupante para a sociedade brasileira foi publicado por Paulo Sotero, em "O Estado de S. Paulo". Trata-se da revelação acerca do interesse demonstrado pelo setor bancário brasileiro na continuidade da dívida pública interna.
A combinação entre dívida pública e altas taxas de juros cria um ambiente altamente favorável aos lucros da atividade bancária. Isso se assemelha a declarações feitas alguns anos atrás, quando um grande banqueiro afirmou que quebrariam se a inflação fosse vencida.
Em outras palavras, existem interesses na manutenção da dívida pública e das altas taxas de inflação no Brasil para engordarem os resultados do setor bancário. Isso representa um evidente desalinhamento entre os interesses da sociedade e os de alguns segmentos do setor privado.
Mais uma vez, a solução está na redução do papel do setor público na economia brasileira, já que nele se encontram as causas das pressões inflacionárias. A privatização como parte essencial de um vigoroso ajuste fiscal certamente contribuirá para reduzir a dívida pública, os juros reais e a inflação. E, consequentemente, eliminará outra oportunidade de uma convivência nociva entre inflação e lucros bancários.
O comportamento anti-social, no qual a corrupção é apenas uma das várias formas que assume, está enraizado em nossa sociedade. É preciso criar defesas. Há que se tomar atitudes enérgicas para o país sair das sombras em que se encontra.
Punir, sim. Mas também evitar o surgimento de oportunidades.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 47, é secretário do Planejamento e de Privatização do município de São Paulo, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor titular da Fundação Getulio Vargas (SP).