A CPI dos Títulos Públicos tornou-se palco e passarela de exibição e desfile de defensores de diversas tendências e projetos políticos. Ali, quase diariamente, parlamentares posam e interpretam para a mídia e parecem querer prolongar o espetáculo, num vedetismo cujos excessos já provocou reação na presidência do Senado. Cultivadores da intriga e da baixa política plantam informações e contra-informações, que os meios de comunicação cuidam de percutir e propagar. Infelizmente há poucos homens públicos interessados em, de fato, entender e apurar o que realmente vem acontecendo com a emissão, colocação e negociação de papéis por governos estaduais e municipais, propor correções e recomendar punição a eventuais culpados e beneficiários de sua manipulação com prejuízo para os cofres públicos. Até agora, a CPI ouviu um punhado de pessoas, algumas delas mais de uma vez. Acumulou uma massa desordenada de elementos que não conseguiu costurar e articular e dela extrair conclusões seguras. Isso pode ser atribuído à aridez do terreno do mercado financeiro, de domínio restrito dos profissionais que nele atuam. E no qual a ajuda do Banco Central pouco conta, pois parece que nem ele domina o mercado de títulos estaduais e municipais. Em meio a esse cenário confuso, é preciso reconhecer que as investigações têm tido seu foco insistentemente apontado para as negociações com títulos do município de São Paulo, no período em que o atual prefeito respondeu pela pasta da Secretaria Municipal das Finanças, na gestão Paulo Maluf. O que é motivado pela atuação de auxiliares diretos e pessoais do prefeito Celso Pitta na coordenação da dívida pública municipal e, sem dúvida, por disputas políticas regionais e seus reflexos em nível nacional. A verdade, entretanto, é que até agora existem apenas insinuações. Não foram apresentadas evidências minimamente convincentes acerca de qualquer envolvimento doloso de Celso Pitta ou de Paulo Maluf. Minha convivência pessoal com ambos me autoriza a acreditar que nada será encontrado que possa comprometer a lisura e a idoneidade pessoal dessas duas figuras públicas. Por outro lado, fica cada vez mais evidente que toda a cadeia de negociação de títulos públicos, coordenada pelas instituições financeiras, bancos e fundos de pensão investigados pela CPI, teve como elemento propulsor um eficiente esquema de burla tributária. É isso que está por trás da cadeia da felicidade identificada pela CPI. Cabe aos bancos e aos grandes fundos de pensão investigarem internamente quem se locupletou do esquema, em prejuízo de acionistas e pensionistas daquelas instituições. E à Receita Federal, investigar e processar eventual sonegação de impostos. Trata-se, segundo tudo indica, de crimes praticados na esfera privada, e nos quais a participação de funcionários públicos ocorreu de forma acessória, ainda que em clara violação dos princípios éticos que devem reger a atividade de funcionários do poder público. Mas isso em nada incrimina diretamente Celso Pitta ou Paulo Maluf. Quando muito podem, e devem, ser admoestados por excessiva condescendência e liberalidade no controle das atividades particulares de seus subordinados. Acreditando, como de fato acredito, nestas observações, é surpreendente que até agora o atual prefeito paulistano não tenha apresentado esclarecimentos convincentes para o que realmente ocorreu nas transações com papéis municipais, emitidos para pagamento de precatórios. Pitta tem hesitado em se defender, inequivocamente. Tem persistido em trocar acusações com outros personagens envolvidos, como donos e agentes de corretoras, e alegado perseguição política -o que certamente procede. Mas esclarecimentos definitivos, até agora, não vieram. Enquanto permanece nessa tática, as suspeitas, ainda que calcadas em evidências circunstanciais e provavelmente falaciosas, deram margem ao pedido e obtenção da quebra de seus sigilos telefônico, bancário e fiscal pela CPI. Ora, em casos semelhantes, há que chegar na frente, abrir mão daqueles sigilos, escancarar as contas da prefeitura no período investigado e exibir a documentação correspondente, com todos os elementos que instruíram e informaram os negócios sob suspeita. Deixando de agir assim, permitiu que as especulações se avolumassem. As insinuações da imprensa de que o prefeito tem padrão de vida e situação patrimonial incompatíveis com sua renda é grave. Mas o curioso é que, no tocante a esta acusação, o prefeito Celso Pitta adotou postura de defesa agressiva, desafiando seus detratores a comprovarem irregularidades. Deveria ser essa, também, a atitude relativa à defesa de sua atuação pública, como ex-secretário das Finanças. A principal vítima da CPI, até agora, tem sido a população da cidade de São Paulo. Pois seu prefeito, enredado nas investigações, além da citada troca de acusações, ocupa-se de assegurar a fidelidade dos integrantes de sua bancada, majoritária na Câmara, de modo a impedir que se instale, em nível municipal, CPI com a mesma finalidade daquela em curso no Senado. Com isso, não escapa de ter que fazer concessões de toda ordem, pois apoios não são obtidos de graça, muito menos em condições políticas adversas. Essa estratégia equivocada está sendo, em grande parte, o elemento propulsor das suspeitas que recaem sobre o prefeito. Enquanto Celso Pitta não se explicar, continuará refém da Câmara Municipal e da CPI no Senado, e a administração da maior cidade do Brasil ficará paralisada, vitimando sua laboriosa e sofrida população, que assiste juntar-se às agruras de seu cotidiano os problemas de seu prefeito, cuja gestão, a prolongar-se o impasse atual, ninguém sabe aonde vai chegar.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).