A atual proposta de Plano Diretor do prefeito Celso Pitta contrasta, de um lado, pela generalidade da maioria dos temas abordados e, de outro, pelo detalhismo com que trata as leis de uso e ocupação do solo. O projeto chega a sugerir que o cumprimento da função social da propriedade urbana seja aferido "parcela por parcela," lote a lote, problema a ser considerado na futura legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo dentro da revisão da legislação pertinente que o Plano Diretor determina. Prevê-se, portanto, a total reformulação da atual legislação de uso e ocupação do solo.
Dentre as modificações previstas, a questão do adensamento urbano assume destaque na atual proposta. Vale notar que este tema foi exaustivamente tratado na administração de Luiza Erundina. Contudo, no atual projeto, a flexibilização das posturas urbanísticas de uso e ocupação do solo é mais radical.
A proposta parte do pressuposto de que a ocupação horizontal do território é fator de encarecimento dos custos urbanos. Segundo a mesma, o adensamento de áreas da mancha urbana dotadas de infraestrutura e equipamentos poderá ocorrer sem agressão à qualidade de vida ou do meio ambiente, "desde que o adensamento não ocorra nas áreas já congestionadas."
De acordo com a justificativa apresentada junto com o projeto de Plano Diretor, a possibilidade de adensamento será estendida para toda a cidade, excetuando-se as áreas conhecidas e legais.
Este é um ponto polêmico, uma vez que não há consenso em relação ao adensamento. Ao projeto faltam critérios para se avaliar a conveniência de maior ocupação de áreas urbanas. São mencionadas as condições de disponibilidade de infraestrutura urbana, mas o efeito negativo mais pernicioso e de maior custo social no adensamento são as deseconomias e externalidades causadas pelos congestionamentos viários, escassamente tratados no projeto em apreço. Além disso, não são adequadamente avaliadas as alternativas urbanísticas de uma maior densidade ocupacional.
É evidente que não se preconiza o modelo horizontal e disperso de urbanização em condições de carência de infraestrutura e de serviços, que é o modelo do atual desenvolvimento urbano em São Paulo. Contudo, há que se analisar a conveniência de modelos descentralizados de ocupação do solo mediante a geração de subcentros distribuídos na malha urbana, em contraposição à proposta do Executivo que resultará em modelo de maior concentração nas áreas mais centrais da cidade. Neste modelo, podem-se imaginar investimentos marginais em regiões como as zonas Leste e Sul, onde a densidade populacional e ocupacional ainda é baixa, observando-se a proteção do meio ambiente e da ecologia urbana.
Apesar da redação confusa e pouco precisa, depreende-se do texto do projeto que as operações interligadas passarão a ser o instrumento básico e fundamental para o adensamento.
Vale notar que os recursos gerados por meio das operações interligadas - aparentemente a mais forte geradora de permissões onerosas de direitos de construir não farão parte dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano, continuando a serem canalizados para a construção habitacional de interesse social. Assim, pode-se prever que a geração de recursos para investimentos em infraestrutura urbana de grande porte poderá ter incremento discreto com o Plano Diretor proposto.
A pouca clareza redacional é percebida em vários incisos e parágrafos do texto, especialmente do artigo 12, que tornam incompreensíveis os critérios de definição e de distribuição lote a lote dos direitos adicionais de construção definidos nos perímetros adensáveis. Como será distribuída entre os lotes e glebas a disponibilidade potencial da área edificável em um dado perímetro? São questões essenciais, mas que tratadas até com descaso na proposta de Plano Diretor do prefeito Celso Pitta.
Marcos Cintra é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP).