Infelizmente, as discussões sobre a participação do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (Alca) começaram da pior maneira possível. Mesmo sem dispor de informações confiáveis ou de modelos de simulação minimamente realistas, as opiniões se polarizam, e os preconceitos e dogmas ideológicos já se fazem sentir nos debates sobre essa questão.
A decisão de participar, ou não, desse bloco comercial será a mais importante opção de política econômica a ser adotada nos próximos anos, e seus efeitos impactarão a economia brasileira durante as próximas gerações.
Portanto, uma decisão dessa monta não pode estar envolta em ideias preconcebidas, muito menos em esquemas de pensamento estáticos e ultrapassados.
Há duas vertentes de pensamento sobre o tema. Ambas precisam ser urgentemente exorcizadas. De um lado, um nacionalismo escroto; de outro, o liberalismo ortodoxo do "laissez-faire, laissez-passer". O que as une é que ambas já foram superadas pela História.
A primeira, marcada por suspeitas de estratégias conspiratórias, relembra a Doutrina Monroe, e desenterra velhas expressões e frases de efeito, como imperialismo ianque, geopolítica de dominação continental e pacto neocolonial. Nessa forma de pensamento, os países que se unirem aos Estados Unidos na Alca reverterão ao status de exportadores de commodities e de matérias-primas, e para sempre se transformarão em retardatários tecnológicos, com suas populações de miseráveis camponeses e...
Um segundo cenário, intermediário, seria a Alca não se concretizar. Se as discordâncias e os interesses contrariados fizerem os entendimentos fracassarem, as coisas continuariam mais ou menos como estão hoje. O Brasil continuaria empenhado no projeto do Mercosul e seria estimulado a envidar esforços para obter concessões bilaterais com seus principais parceiros comerciais, com ênfase especial na União Europeia.
Finalmente, o terceiro cenário, o pior de todos, seria a concretização da Alca sem a participação do Brasil. Nesse caso, a área de livre comércio no restante do continente americano estaria fechada aos fluxos comerciais brasileiros. Sem acesso ao mercado norte-americano, o Brasil ainda perderia boa parte dos mercados latino-americanos. Isolado, o Brasil teria dificuldades para manter o acordo do Mercosul, restando-lhe apenas a possibilidade, pouco provável, de acordos bilaterais com a União Europeia.
O Brasil vai enfrentar algumas dificuldades. Destacam-se o atraso tecnológico, a inconsistência histórica da política governamental, a imensa heterogeneidade estrutural dos países componentes do acordo e a evidente disparidade de forças entre os participantes. Por outro lado, a integração do País na área de livre comércio implicaria melhoria significativa nos padrões dos gastos e nas funções do setor público, e fortalecimento das condições de competitividade nacionais.
É preciso ter em mente, ao se iniciarem as discussões e negociações, que o processo de integração econômica é um jogo de soma zero. Ninguém deve sair ganhando, sem que nenhum outro saia perdendo. Mas o ideal é que a Alca possa proporcionar uma situação em que todos os participantes saiam ganhando.
Deve-se, no entanto, atentar para uma possibilidade concreta, aplicável, por exemplo, às pequenas economias da América Central e do Caribe, que, deixadas às forças livres de mercado, poderiam acumular perdas ao se incluírem na Alca. No mínimo, deverá ser possível fazer com que os países ganhadores no processo sejam capazes de compensar os perdedores, permitindo a todos atingirem pontos mais altos de utilidade social.
Como se vê, as possibilidades de resultados são inúmeras. Mas é fundamental que não se parta de ideias e posições preconcebidas, e que se busque uma avaliação realista e abrangente das possibilidades que se vislumbram com a formação da Alca.
Ainda que se antecipem perspectivas de resultados inócuos, ou até mesmo indesejáveis, parafraseando o memorável discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso na Cúpula das Américas em Quebec, é essencial que não fechemos as portas para um desfecho final que nos poderá ser altamente favorável. Afinal, se estiverem certos os críticos da Alca quando apregoam o grande e, para eles, suspeito interesse dos Estados Unidos na formação da Alca, por que não acreditar que, em troca, os norte-americanos estejam dispostos a abrir mão de pontos de sua política econômica que hoje nos prejudicam? Não há como imaginar a remoção dessas práticas senão dentro do contexto das discussões da Alca.
Há riscos, certamente. Mas prefiro acreditar na concretização das oportunidades.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).