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Marcos Cintra

O que esconde a batalha da CPMF

Doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), é professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.


Não é a CPMF que deve ser extinta. São os impostos como o IR, IPI, INSS patronal e ICMS que devem ser eliminados ou terem as alíquotas reduzidas. Perguntei aos pagadores de impostos se não preferem manter a CPMF e reduzir a alíquota de outros impostos. A resposta foi contundente. Apenas 5% querem acabar com a CPMF e 95% preferem que ela continue, mas pedem a redução de outros tributos. Os contribuintes não a consideram um "mau imposto", como erroneamente acreditam alguns. Sabem que ele veio para ficar, ainda que o tema tenha sido transformado em oportunista disputa política.


De um lado, está o governo que, apesar da retórica dúbia de seus representantes, luta intransigentemente para manter a sua vigência. Do outro, um partido político, o Democratas (ex-PFL), que se contradiz, pois ataca a cascata tributária presente na CPMF, mas esquece que a mesma cascata se acha presente no Super Simples, inovação que não se cansa de elogiar e cuja paternidade insiste em reivindicar.


A CPMF foi criada em 1996 sob a liderança do partido que hoje defende sua extinção; na época, seu líder na Câmara afirmou que o partido "vota sim com o Brasil pela CPMF"; o líder do governo, também desse partido, "recomenda o voto sim para esse projeto de maior importância para o Brasil"; o líder no Senado elogiou "o bom senso dos deputados federais que aprovaram a CPMF". Primeira prorrogação (1997): na Câmara, o líder desse partido, que compunha a base governista, pede urgência para o projeto; 93% da bancada votam pela prorrogação. Segunda prorrogação (1999): o autor e um dos relatores do projeto de prorrogação e de elevação da alíquota da CPMF (de 0,20% para 0,38%) no Senado eram desse partido; na Câmara, o relator era desse mesmo partido, e declarou que "a instituição da CPMF não trouxe consequências negativas à vida econômica nacional, não causou inflação, não acarretou desintermediação financeira, não ocasionou verticalização do sistema de produção, não afugentou o capital estrangeiro, não assustou as Bolsas de Valores (...)"; 100% da bancada daquele partido votou sim.


Terceira prorrogação (2001): a liderança do partido, que compunha o governo, recomenda voto sim pela prorrogação, e 97% da bancada acompanha o líder. Quarta prorrogação (2003): já na oposição, o PFL recomenda não. Quinta prorrogação (2007): na oposição, o Democratas diz "xô, CPMF". A guerra santa contra a CPMF nada mais é do que uma patética contenda política, na qual os argumentos técnicos estão cheios de contradições e incoerências.


Ambas as partes alegam que a CPMF é um tributo ineficiente. Mas esquecem que tributos como o ICMS, que se deseja federalizar, é parcialmente cumulativo, quando a cadeia de débito e crédito se rompe, como ocorre rotineiramente no setor de serviços (que abarca 65% do PIB brasileiro) ou nas atividades rurais regidas em grande parte pelas relações informais de produção, ou quando os créditos dos exportadores viram pó, como ocorre no país.


Igualmente incoerente é a posição de ambos, que não se posicionam contra o ISS, um tributo cumulativo e que tem sido alvo da ganância arrecadatória do governo federal, que deseja incluí-lo em seu projeto de criação de um IVA estadual. O que mais intriga, no entanto, é saber por que o governo luta por um tributo como a CPMF, que alega ser ruim, como afirmou recentemente o ministro Paulo Bernardo? Por que não o elimina e compensa a arrecadação com aumento de tributos "bons", como o Imposto de Renda, o ICMS e a Cofins não-cumulativa?


A CPMF é um tributo eficaz, de baixo custo, transparente e, sobretudo, insonegável. Mas o governo não tem coragem de dizer isso, como fez a Receita Federal em 2001, quando afirmou que o tributo é altamente produtivo, tem excelente relação custo-benefício, é o único a alcançar plenamente a economia informal ou ilegal e é moderno, pois alcança operações que estão se tornando comuns, como o comércio eletrônico.


Acredito que a origem da rejeição à CPMF esteja mais acentuadamente no seu efeito "dedo-duro" do que em sua alegada cascata. Quando foi instituída em 1996, a legislação da CPMF proibia, em nome do sigilo bancário, o cruzamento da movimentação financeira com o Imposto de Renda. Dizia o artigo 11 da lei 9.311/96, que "a Secretaria da Receita Federal resguardará (...) o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição de crédito tributário relativo a outras contribuições e impostos". Essa proibição foi extinta com a lei 10.174/2001, e o leão passou a atemorizar os contribuintes. A partir de então, a oposição à CPMF se agigantou.


O fato é que um tributo sobre movimentação financeira granjeia simpatia e aceitação se for único, e rejeição e antipatia se for um a mais. Impostos sobre movimentação financeira deveriam substituir os tributos convencionais, cuja falência, explicitada pela complexidade, sonegação e corrupção do atual sistema, está cada dia mais exposta. É preferível um imposto cumulativo com alíquota baixa e universal do que um imposto sobre o valor agregado com alíquota alta, complexo e alvo de forte sonegação.

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