Fatos Fato 1. A atual crise foi gerada formalmente pelo governo e por seu viés populista que busca manter o poder pelo atendimento dos reclamos imediatos da sociedade, independentemente de haver ou não condições financeiras para tanto. Sacou irresponsavelmente contra o futuro, aumentou gastos e tornou o país potencialmente inadimplente. Fato 2. É sabido que um bom ajuste fiscal não deve aumentar impostos. Deve cortar gastos. Fato 3. O Ministro Joaquim Levy sabe disso. Mas fracassou. Pergunta: A quem cabe a responsabilidade objetiva pelo fracasso do ajuste? Resposta: À sociedade brasileira. O povo brasileiro apoia governos paternalistas e assistencialistas. Basta analisar a Constituição de 1988, que mirou a criação de um estado de bem-estar social no país, mesmo que sem condições de financiá-lo. Interpretação O governo elevou gastos muito além da evolução das receitas. Vem produzindo déficits nominais desde sempre, e neste primeiro semestre de 2015, mesmo durante o proclamado ajuste fiscal, conseguiu a façanha de produzir um déficit primário. Nestas circunstâncias a dívida pública cresce, a confiança dos empresários na solvência do país se evapora, os investimentos caem e a taxa de crescimento torna-se negativa. Para reduzir o endividamento público o governo precisa gastar menos do que arrecada. E isso só pode ser feito obtendo variação das receitas acima da variação dos gastos. Mas vivemos uma situação em que a rigidez orçamentária, reflexo das opções políticas da sociedade, não deixa os gastos caírem. Portanto, a alternativa disponível é fazer a receita subir. Mas a receita está caindo já que a crise gerou uma recessão. Assim, não resta alternativa senão elevar a carga tributária mediante elevação de alíquotas ou criação de novos tributos. Simples assim. Consequências Cabe chamar a atenção para a persistente prática brasileira de aumentar tributos sempre que ajustes são necessários nas contas públicas. Fiz esse alerta no artigo “A qualidade do ajuste fiscal”, publicado na Folha de S. Paulo em 17/02/2015. Nele, apontei não apenas para a preponderância que o aumento de impostos teria no ajuste fiscal, mas também para o fato da experiência histórica mostrar que os ajustes fiscais mais eficientes são os que cortam gastos, relativamente aos que aumentam receitas. Este ano a carga tributária deve ser recorde, equivalente a 37% do PIB, patamar que não condiz com o nível de renda per capita do país. Não há mais espaço para continuar impondo ônus sobre o contribuinte brasileiro. O foco do ajuste deveria ser a redução das despesas públicas e isso passa pela revisão da rigidez orçamentária. Infelizmente os gastos administráveis pelo governo equivalem a apenas 10% da arrecadação. Há excesso de vinculação da receita e isso dá pouca margem de manobra ao Executivo para reduzir despesas. Cabe lembrar que é tenebrosa a alternativa de não fazer o ajuste fiscal, que é o que aconteceu neste primeiro semestre de 2015. O país entrará em depressão com o aprofundamento das expectativas de insolvência. Ou seja, dadas as atuais condições de contorno da economia e da sociedade brasileiras, para evitar o desastre total só há uma opção: aumentar impostos. Se, excluindo-se evidentemente a opção de nada fazer, o único caminho possível é aumentar a arrecadação, a melhor alternativa é recriar a CPMF. Vejamos porquê. O atual sistema tributário é de extrema complexidade e eivado de contradições evidentes. Basta dizer que o principal tributo sobre valor adicionado, o ICMS, um ícone da ineficiência tributária brasileira e o mais sonegado no país, é um dos que impõe o maior custo para o setor produtivo. No total, o tributo registra uma quantidade absurda de alíquotas. Segundo matéria apresentada na Folha de S.Paulo (“Brasil é campeão em diversidade de alíquotas”, 4/8/2013) há vinte alíquotas praticadas, contra, por exemplo, quatro no Reino Unido, três na Itália e na Espanha, duas na Alemanha e no Canadá e apenas uma na Coréia e na Dinamarca. Além disso, por sua complexidade burocrática, e para simplificar a exação, os governos descaracterizaram o ICMS, praticando formas de arrecadação como a substituição tributária, cobrança por lançamento e cobrança por incidência sobre faturamento. Nessas condições, a principal vantagem dessa forma tributária, a sua neutralidade, é totalmente inviabilizada, transformando-o em um tributo cujas consequências alocativas são impossíveis de serem aferidas, e em muitos casos, tornando sua incidência totalmente cumulativa. Outros tributos como sobre herança ou sobre riqueza são notoriamente não-operacionais, além de causarem risco de fuga de capitais e redução da taxa de investimento. Resta o Imposto de Renda sobre a pessoa física e jurídica, que além de serem sabidamente regressivos em seu padrão de incidência efetiva, ainda que sejam formalmente progressivos, também podem causar efeitos desestimuladores da atividade econômica. Ademais, o ajuste fiscal necessita de um reforço de receitas que seja rápido, simples, de baixo custo e, sobretudo, de ampla incidência, para não onerar em excesso algumas bases já tributadas, como a circulação, a renda e a folha de pagamentos. Nessas condições, considerando a irreversível necessidade de aumentar a receita tributária, e frente à inexistência de alternativas factíveis para cortar gastos, ou aumentar os impostos atuais, a recriação da CPMF é a melhor, senão única, alternativa disponível. Infelizmente, os obstáculos políticos estão dificultando este caminho. O governo cogita elevar a alíquota de impostos que não dependam de autorização legislativa para serem majorados, como o IPI, o IOF e IR. Contudo, as bases desses tributos não são suficientemente amplas para gerar os recursos necessários. Além disso, a sobrecarga em alguns tributos introduzirá mais distorções nos preços relativos da economia, diferentemente da CPMF, que tem base ampla, quase universal, e que com alíquota relativamente baixa tem condições de gerar a arrecadação pretendida pelo governo de forma menos distorciva do que as alternativas sendo consideradas. Em defesa da CPMF A CPMF derivou da ideia do Imposto Único sobre movimentação financeira que lancei em 1990. A proposta original era unificar vários tributos sobre as transações nas contas correntes nos bancos. Mas, como afirmou Roberto Campos, a proposta do Imposto único foi estuprada quando se tornou mais um imposto, ao invés de ser único. O IPMF/CPMF vigorou de 1994 até 2007, quando, por razões políticas, e sem qualquer justificativa técnica, ela foi extinta. Durante treze anos, sua existência revelou-se extremamente positiva, malgrado os mau agouros lançados freneticamente por seus detratores. Revelou-se um bom tributo e foi usado com sucesso para garantir o ajuste fiscal dos anos 90, custear a saúde pública, alimentar o fundo de combate à pobreza, detectar sonegadores e aumentar o salário mínimo. E não gerou distorções maiores que os causados pelos tributos convencionais. Cabe apontar que oito atrás o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se posicionou de modo favorável a CPMF. Em 17/9/2007, como secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, ele publicou no jornal Valor Econômico o artigo “CPMF gera menos distorções na economia que outros tributos”, afirmando que essa contribuição causa menos impacto sobre a produção comparativamente aos tributos tradicionais. No mesmo artigo o ministro refuta a ideia de que sua incidência “altere o comportamento das pessoas de forma prejudicial à economia”. Outro trabalho que reconhece as qualidades da CPMF foi elaborado em 2001 pela Secretaria da Receita Federal (SRF). O estudo “CPMF – Mitos e Verdades sob as Óticas Econômica e Administrativa”, conclui que há uma série de mitos desprovida de análise fundamentada sobre os reais impactos da CPMF e que ela possui características positivas no âmbito econômico e administrativo. Mesmo sendo uma contribuição de comprovada eficiência, de baixo custo e de reduzido impacto sobre a economia quando comparado com os impostos tradicionais, a CPMF é alvo de críticos que insistem em ignorar suas qualidades. Desde que a ideia do Imposto Único foi lançada quase todas as teses elaboradas pelos seus críticos foram refutadas através da experiência da CPMF. Hoje os adversários dessa forma de tributação se apegam apenas a uma delas, inerente a essa metodologia de arrecadação, que é a sua inerente cumulatividade. Porém, a comparação desse tipo de imposto com a alternativa que esses críticos defendem, que é o imposto sobre o valor agregado, revela que a tributação sobre a movimentação financeira, mesmo cumulativa, gera menos distorções econômicas que os modelos convencionais. A estimação dos efeitos da cumulatividade nos modelos do imposto único comparativamente aos do atual sistema tributário brasileiro, demonstra que o imposto sobre movimentação financeira, como a CPMF causa menos distorções na economia do que os tributos ditos “não-cumulativos” com o IR ou o ICMS. Essa estimativa, descrita no capítulo dois do livro “Bank Transactions: Pathway to the Single Tax Ideal”, jamais foi refutada, ainda que a maior parte da literatura jornalística sobre o assunto repita sem cessar chavões (como os males do imposto em cascata) e outras conclusões equivocadas sem embasamento empírico minimamente convincente. De acordo com a teoria do “second best” e com as conclusões da moderna teoria da tributação ótima não se pode afirmar a priori que um imposto cumulativo seja menos eficiente que os não cumulativos. O que a estimativa acima mencionada demonstra é que para uma dada meta de arrecadação, o uso de um tributo cumulativo como a CPMF com uma alíquota baixa causa menos distorção sobre os preços do que tributos sobre valor adicionado, como o ICMS, que exige alíquotas mais altas para atingir a meta. Por exemplo, um imposto sobre movimentação financeira com alíquota de 2,8% tem impacto médio de 16% sobre os preços da indústria e no caso da tributação sobre o valor agregado (ICMS, IPI e INSS patronal) o ônus é de 45%. A alternativa da volta da CPMF como tributo permanente em conjunto com o projeto do Imposto Único. A volta da CPMF não deveria ser encarada de modo preconceituoso como vem sendo feito. Pelo contrário, deveria ser vista como embrião para um novo paradigma tributário no Brasil. Ocorreram oportunidades para transformá-la em um imposto permanente que gradualmente poderia absorver outros tributos. Mas por conveniência política manteve-se a postura de simplesmente ir prorrogando sua vigência provisória. Hoje seu retorno poderia ser atrelado ao projeto do Imposto Único Federal (PEC 474/01), aprovado na Comissão Especial de Reforma Tributária em 2002. O projeto do Imposto Único Federal propõe substituir onze tributos federais (IRPF, IRPJ, INSS patronal, Cofins e outros) por apenas um com alíquota de 2,07% sobre o débito e o crédito nos lançamentos nas contas correntes nos bancos. A medida não implica em aumento da carga tributária, reduz custos para o poder público e as empresas e eleva a competitividade da produção doméstica, contribuindo para reverter o atual cenário recessivo. Vale para o caso ajuste fiscal brasileiro a pragmática afirmação de Goethe de que é preferível um fim com horror do que um horror sem fim. Que venha a CPMF. Rápida e incisiva, sua eficácia poderia ter um efeito altamente positivo na mudança das expectativas quanto à realização do necessário ajuste fiscal. Ademais, vale apontar que a recriação da CPMF poderia evoluir para um modelo de substituição gradativa de tributos atualmente existentes, e que tal projeto, baseado na proposta do Imposto Único tem expressivo apoio popular. Pesquisas de opinião pública mostram que a CPMF seria bem-vinda como substituta de outros tributos e que duas em cada três pessoas que conhecem o Imposto Único são favoráveis a ele.