A crise financeira mundial continua impondo expressivas perdas aos investidores e prejuízos bilionários aos bancos. Na economia real, há expectativa de uma forte recessão, especialmente nos Estados Unidos, onde indicadores como a confiança do consumidor, vendas no varejo e produção manufatureira vêm registrando quedas acentuadas.
Ao que tudo indica, a turbulência mundial gerada pela escassez de crédito e pela baixa confiança está longe do fim. Um relatório produzido pelo FMI sugere que o pior da atual crise financeira global ainda está por vir. O documento afirma que o mundo vive "um período de turbulências sem precedentes" e prevê que os bancos em todo o mundo continuarão a registrar perdas expressivas. O economista da Universidade de Nova York, Nouriel Roubini, sugere que o pânico nos mercados justificaria seu fechamento por uma ou duas semanas para evitar danos maiores na economia.
No Brasil, as autoridades afirmam, corretamente, que os fundamentos econômicos são positivos. O país tem a seu favor o fato de ser uma economia ainda fechada, com fluxo comercial representando apenas 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, reduziu o endividamento externo, possui um nível elevado de reservas internacionais (cerca de US$ 200 bilhões em outubro) e possui um mercado interno fortalecido pela expressiva redistribuição de renda dos últimos anos. Os investimentos externos fluem adequadamente, e o sistema financeiro é pouco alavancado. Se esses pontos positivos perdurarem, o Brasil poderia até se tornar um destino para os capitais internacionais durante a fase de ajuste mundial que certamente ocorrerá nas economias dos países desenvolvidos.
No entanto, alguns sintomas de contaminação da crise já se fazem presentes no Brasil. Um deles é a recente decisão das montadoras de veículos em conceder férias coletivas aos seus funcionários. Outro sintoma é a fuga de capital financeiro, potencializada pela aversão ao risco dos investidores externos, e que não guarda correlação com a performance das empresas brasileiras. Em setembro e outubro, saíram das bolsas do país cerca de US$ 6,5 bilhões. Aplicações em renda fixa ganharam US$ 630 milhões em setembro, mas em outubro perderam US$ 842 milhões.
Na realidade, o mundo encontra-se em pânico por conta de erros grosseiros dos formuladores da política econômica e financeira dos Estados Unidos nos últimos anos. Não há mais racionalidade nas ações dos investidores, que são guiados apenas pelo instinto primordial de sobrevivência e aversão ao risco. Os mercados são regidos quase que aleatoriamente por notícias pontuais, causando oscilações gigantescas. Tais movimentos afetam a bolsa brasileira, na medida em que os investidores externos retiram seus capitais do país, pressionando o câmbio e criando um clima de contágio iminente.
A crise financeira mundial só pode ser caracterizada como profundamente irracional, ao menos no que diz respeito aos seus impactos no Brasil. Cabe ao governo brasileiro agir para isolar o país do contágio. Nada justifica o que está ocorrendo com o preço dos ativos brasileiros. O governo deveria adotar medidas emergenciais vigorosas em defesa da economia. Em condições normais, a assepsia é essencial em uma cirurgia, mas em uma emergência vale tudo para salvar uma vida. Na atual conjuntura, a política de juros deve ser vista como um instrumento defensivo contra perdas de capital externo. Assim, seria importante manter um diferencial positivo expressivo. A manutenção da Selic, mesmo com toda pressão para sua redução, foi uma decisão correta do Copom. Controlar fluxos de capital poderia prejudicar o Brasil no futuro, por isso o governo poderia oferecer vantagens fiscais, burocráticas, creditícias, etc., à permanência de capitais externos no país. Paralelamente, deveria oferecer incentivos fiscais aos investidores internos, incentivando-os a adquirir ações e outros ativos que em sua maioria são sólidos e estão baratos.
Finalmente, o governo deveria ampliar o papel dos bancos públicos na concessão de crédito. Já que os bancos privados resistem em utilizar os depósitos compulsórios liberados para empréstimos e financiamentos, instituições como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES aplicariam esses recursos adicionais. O mundo encontra-se em pânico, e essas medidas emergenciais seriam formas do governo brasileiro proteger a economia do país até o momento em que a normalidade se restabeleça.
Professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. Próximo artigo do autor em 8 de dezembro.