Torna-se cada vez mais evidente que a manutenção de um rígido congelamento de preços não pode perdurar por muito tempo. As distorções que esta política acarreta ao sistema produtivo são por demais perigosas, havendo até mesmo o risco de que a persistência nessa linha acabe por gerar pressões recessivas - exatamente o que se deseja evitar com o choque heterodoxo.
O custo de uma maior flexibilização na política de preços é o surgimento de níveis inflacionários mais elevados do que os observados nos últimos meses; contudo, a despeito das inconvincentes declarações oficiais de que a inflação será zero, ou quase zero, ninguém realmente acredita que as pressões inflacionárias tenham sido, ou virão a ser, definitivamente debeladas. Nem mesmo o governo, que já vem administrando os preços com maior flexibilidade.
Os fatos demonstram que o espaço para a manutenção do congelamento acha-se cada vez mais reduzido. Em fevereiro último, os preços não se achavam equilibrados; tampouco o tabelamento ocorreu pelas médias, como teria sido recomendável pela leitura dos trabalhos acadêmicos de quase todos os mentores do plano de choque.
Isso não implica dizer que não tenha surtido efeito. Pelo contrário, o congelamento foi importante fator de desarticulação das expectativas inflacionárias de curto prazo. Por outro lado, imaginar que ele possa ser perpetuado, como querem fazer crer as autoridades econômicas, terá o efeito diametralmente oposto. Há clara percepção da população, e dos empresários em particular, de que as pressões inflacionárias latentes e estruturais motivarão, com crescente intensidade, o aparecimento de ágios, burlas nas medidas, nos pesos e na qualidade dos produtos, além da desmoralizante escassez de oferta. Estes fatores terminarão por exacerbar as expectativas de que a inflação retornaria fortalecida no médio e longo prazo.
Também não há como negar que alguns importantes setores produtivos tiveram suas margens de lucro reduzidas pelo congelamento, ainda que, a curto prazo, o aquecimento da demanda tenha possibilitado o aumento dos níveis de produção e, consequentemente, uma certa redução de custos fixos unitários. Contudo, a capacidade produtiva acha-se plenamente utilizada, e os níveis salariais estão em franca ascensão. A saída encontrada pelos produtores tem sido o recurso a artificiosas alterações nas medidas e na qualidade, que, contudo, não poderá ser utilizada continuamente. O círculo se fecha com o surgimento do desabastecimento e da falta de incentivos à formação de capital, até mesmo porque passa-se a temer que o governo se veja obrigado a adotar medidas abertamente contracionistas, se as providências necessárias não forem tomadas de imediato.
A defesa intransigente do tabelamento por todos os escalões da administração reflete, cada vez menos, uma posição confirmada na prática. Em realidade, o rígido controle dos preços só é claramente notado nos supermercados e nos preços públicos, o que, por si só, já torna o congelamento uma medida positiva para a grande maioria da população, que neles despende a maior parte da renda. No entanto, mesmo esses poderão ser afetados pela queda do emprego caso um indesejável, não planejado e abrupto desaquecimento da demanda venha a ocorrer, exatamente como resultado do congelamento que tanto celebram.
A inflação ainda persiste em quase todos os segmentos do mercado, de imóveis a serviços pessoais, do mobiliário ao vestuário, da educação aos bens de consumo duráveis, dos fertilizantes aos hortifrutis, dos salários aos honorários. Até mesmo os preços por atacado foram liberados, pois podem chegar até os níveis de tabela no varejo.
Contrariamente ao discurso oficial, os preços precisarão ser administrados pelo governo, e não suportarão mais a camisa-de-força de um congelamento irredutível. Haverá sempre uma inflação residual, inevitável. O que precisa e pode ser evitado é o retorno dos mecanismos de mérito do Plano Cruzado. O mais difícil já foi feito. Espera-se que agora o governo possa enxergar os limites do possível, de forma a preservar os ganhos obtidos sem comprometer o crescimento futuro.
MARCOS C. CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e consultor de Economia desta Folha.