A impopularidade das medidas anunciadas pelo governo para corrigir as distorções e os desvios causados pelo Plano Cruzado não surpreende. São providencias contracionistas, e portanto têm como objetivo reduzir o nível de absorção do Produto Nacional pelo setor privado interno. É um remédio amargo, mas possibilita a liberação de recursos para o atendimento do setor externo e para cobertura do déficit público. Eram esperadas. Mais do que isto, vinham sendo reclamadas por todos.
Não obstante, o pacote foi furiosamente renegado por muitos que antes insistiam em apadrinha-lo, e que agora desejam tornar-se seus padrastos. Não procede a alegação de que foram apunhalados pelas costas, por isso equivale ao reconhecimento de que estes mesmos críticos não liam jornais, tão foi a cobertura dada pela imprensa à discussão das medidas corretivas em cogitação.
Isto, contudo, não isenta o governo da responsabilidade de haver procrastinado, por razões eleitorais, os ajustes que se faziam necessários desde pelo menos maio ou junho. Assim, os problemas do Plano Cruzado foram se agravando, sob os olhares complacentes das mesmas autoridades que agora tentam justificar o rigor do pacote.
Em linhas gerais, ele é coerente com a atual situação da economia brasileira. A discordância surge muito mais em função dos métodos.
O ponto mais polêmico se refere à opção pela elevação do IPI, e não por tributos, ou poupanças compulsórias, incidentes sobre rendimentos. A alegação é de que a alternativa selecionada é inflacionária – tanto pela elevação dos preços finais como pela eventual exacerbação de reinvindicações salariais compensatórias; e que também é regressiva, socialmente injusta.
A opção foi pelo uso de um imposto sobre consumo, e não sobre renda. E mais, sobre produtos de peso reduzido no consumo da população mais pobre, como é o caso de automóveis novos e de combustíveis. Um imposto indireto também pode ser progressivo desde que incidente sobre produtos selecionados, como foi o caso.
Quanto ao efeito inflacionário da elevação do IPI é indiscutível. Porém, o que garante que uma queda na renda disponível da população, via imposto sobre os rendimentos, como acirraria as demandas salariais compensatórias? Pode até ser mais forte uma vez que não há alternativa de postergar o consumo, e consequentemente evadir a taxação, uma escolha que o pacote deixa em aberto.
Quanto ao impacto inflacionário, cabe lembrar que ele advém não somente das elevações de alíquotas do IPI, mas também de reajustes de preços e tarifas, que são impostergáveis para reequilibrar preços relativos. Uma elevação do imposto sobre a renda prescindiria de correções nas tarifas públicas, nos preços de remédios, dos automóveis? Seria viável a alternativa de primeiro desaquecer a demanda para depois corrigir preços? Certamente que não dada a demora do governo em agir. Dos Cz$ 175 bilhões que o governo esperar extrair do setor privado, como o pacote, apenas Cz$ 70 bilhões vêm da arrecadação do IPI; o restante advém de correções de preços, que teriam de ser feitas qualquer que fosse o tipo de imposto adotado para desaquecer a demanda.
A situação é hoje dramática, não por causa dos erros e acertos do pacote da semana passada, mas sim pelos equívocos na condução da economia nos últimos nove meses. Dentro das difíceis circunstâncias atuais da economia brasileira – que não é, nem nunca foi, uma economia de moeda estável e que nunca conseguiu eliminar as principais causas das pressões inflacionarias nem mesmo nos melhores momentos do choque heterodoxo – o governo fez o possível, embora as medidas sejam altamente desgastantes para sua própria imagem.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia pela Universidade de Harvard, professor titular da Fundação Getulio Vargas/SP e Consultor de Economia desta Folha.