Uma das mais frequentes observações proferidas desde o início das medidas de choque é a de que há algumas diferenças entre o Plano Real e o Programa Brasileiro de Estabilização.
Enfatizem-se as distinções, passando-se ao largo das semelhanças. Afirma-se, em rápidas palavras, que o plano argentino recessinário possui elementos bastante ortodoxos: um forte arrocho salarial com estimativas de 50% de perdas; Matriz fiscal apertada, com extensas reduções nos gastos do governo, elevação de preços e tarifas de serviços públicos, e aumento de impostos sobre importações e exportações; política monetária restritiva, com a proibição de financiamento de despesas governamentais pela emissão de moeda, e consequente manutenção de altas taxas de juros. A estes elementos clássicos de combate à inflação adicionaram-se a desvalorização da moeda e alguns elementos heterodoxos: o congelamento de preços e salários e a reforma do padrão monetário.
Aplicado numa economia em considerável estágio de estagnação, este medicamento resolveu em grande parte a situação desordenada, embora tenha criado condições para a continuidade da recessão. Em contrapartida, afirma-se que o plano brasileiro não contém elementos ortodoxos de nenhuma economia, mas tão somente aqueles necessários para extirpar a memória inflacionária. Estar-se-ia, portanto, aplicando um choque neutro que em nada comprometeria a continuidade da expansão econômica iniciada em meados dos anos 80, nem alteraria o perfil da distribuição da renda nacional.
Se as semelhanças não são facilmente identificáveis, isto deve-se muito ao fato de o plano brasileiro ter sido implementado em etapas, o que apaga diferenças substantivas entre eles. Deve-se dizer, contudo, que há contrastes perceptíveis nas dosagens, sendo o componente ortodoxo no plano brasileiro bem mais suave do que no argentino.
Em realidade, o plano de Inflação Zero não foi deflagrado no decreto 2.2., mas apenas no último trimestre do ano passado, quando rigorosos controles de preços começaram a ser aplicados. Ao mesmo tempo, o governo foi bastante tolerante em relação às recomposições salariais, e isto antecedeu ao ajuste fiscal. Tornou-se claro que havia predisposição para alguma redistribuição de renda a favor do trabalho. Por sinal, as eventuais perdas salariais que vêm sendo identificadas devem ser debitadas muito mais a erros técnicos na conversão dos índices pelas médias do que a correções propositadas. Aqui, portanto, reside, quem sabe, a maior diferença entre os Planos brasileiro e argentino, uma encontra plena justificação no fato de que uma economia mostrava particular dinamismo e crescimento, ao passo que a outra achava-se em duradoura recessão.
O pacote tributário de dezembro do ano passado foi um importante passo na direção de uma política fiscal mais austera, quando apresentou resultados positivos nos primeiros meses do ano. Contudo, ao ser lançado sob o título de "Programa de Mudanças", motivou críticas, sendo mesmo inaceito por não se configurar como um projeto integrado que contemplasse soluções para os maiores problemas da economia brasileira — a inflação, o desequilíbrio do setor público e as restrições externas. O que não sabíamos então era que aquele pacote era parte de um programa mais amplo que seria implantado por etapas, e que a efetiva solução para o déficit público viria no decreto-lei 2.283 pela desindexação e pelo congelamento da dívida pública.
Nos meses seguintes, outras medidas, de impacto direto no controle monetário, foram tomadas: restrições de créditos aos Estados e Municípios, a neutralização da conta-movimento do Banco do Brasil, a criação da Secretaria do Tesouro, e a transferência às autoridades monetárias de 40% dos depósitos líquidos nas cadernetas de poupança.
Se adicionarmos outras providências como os controles de crédito ao consumidor em janeiro, e, finalmente, o decreto-lei em fins de fevereiro. Fica claro que, no todo, o verdadeiro conjunto de medidas é bastante semelhante ao plano argentino, a diferença é que as medidas mais ortodoxas foram tomadas antes, e as de maior impacto popular depois, de forma isolada. Criaram, assim, e muito inteligentemente, melhores condições para a imediata aceitação do plano pela população.
Cabe lembrar, contudo, uma diferença fundamental: o plano argentino penalizou fortemente os trabalhadores, que enfraquecidos e desgastados pela recessão anterior, não ofereceram reais resistências à recomposição das margens de lucro das empresas. Num primeiro momento funcionou como uma sangria, mas agora as expectativas da população mostram indícios de retomada do crescimento pelo lado da expansão da oferta. Tal estratégia seria insensata no Brasil, uma vez que a significativa maioria dos saldos é formada por salários e pelo conjunto dos preços próximos às médias.
A eliminação da correção monetária serviria como um colchão para a preservação das margens de lucro nas empresas, pois praticamente eliminar-se-ia uma moradia para as suas dívidas. Por outro lado, abriu-se importante espaço para a política, o empresariado e os especuladores financeiros.
O plano brasileiro é diferente do argentino, mas se assemelha nas reflexões das políticas fiscal e monetária. Nos próximos artigos irei expandir esses pontos.