Sabe-se que uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo governo na continuação do Plano Cruzado está na resolução de suas próprias contas. O futuro se apresenta incerto, e medidas de grande impacto, como um aumento significativo na carga tributária ou um corte significativo nos gastos correntes do governo, podem se tornar inevitáveis em um futuro próximo. Sem essas medidas, os investimentos públicos dificilmente poderão ser retomados nos níveis necessários para atender à crescente demanda por bens de consumo. No entanto, o governo não parece estar tomando nenhuma dessas ações cruciais.
O Estado brasileiro monopolizou várias atividades essenciais para sustentar o crescimento econômico, alegando que isso evitaria incertezas e garantiria o dinamismo desses setores. No entanto, essa intervenção governamental está prejudicando a recuperação dos investimentos privados, uma vez que o governo não tem os meios para financiar suas próprias inversões. A gestão estatal demonstrou ser ineficiente em várias áreas, e a política de fixação de tarifas públicas é questionável. O governo se encontra, assim, incapaz de cumprir suas funções sociais e, ao mesmo tempo, de atuar eficazmente como empresário para maximizar retornos e financiar seus próprios investimentos.
O problema é agravado pelo fato de o governo, em vez de se concentrar em funções típicas de governo e permitir que o setor privado desenvolva atividades empresariais, tem aumentado sua presença em áreas produtivas de natureza empresarial. Paralelamente, desativa programas em que seria impossível substituir a livre iniciativa. Como exemplo, o governo tem desmontado gradualmente toda a estrutura do Sistema Financeiro da Habitação, permitindo que o setor privado tenha mais liberdade para usar os depósitos de poupança, um instrumento poderoso para captação de recursos e financiamento habitacional.
Agora, a Secretaria de Controle de Empresas Estatais (Sest), liderada por um profissional oriundo do setor privado, como Antoninho Trevisan, está iniciando uma nova fase na qual se buscará estimular as empresas estatais a adotarem posturas empresariais, visando a lucros. Se esse for o caso, por que manter essas empresas sob controle governamental? Não deveria ser considerada uma discussão mais profunda sobre privatização?
Os dados da tabela anexa mostram que as empresas estatais precisam de Cz$ 122 bilhões para financiar seus programas de investimento em 1986, quase sete vezes mais do que elas próprias podem gerar. O governo central deverá injetar diretamente cerca de Cz$ 72 bilhões, enquanto cerca de Cz$ 42 bilhões virão indiretamente através de fundos e empréstimos compulsórios. Assim, o equilíbrio financeiro dessas empresas é ilusório, pois simplesmente reflete uma troca de financiamentos bancários por transferência de recursos do governo, seja na forma de subsídios ou de capitalização.
É importante observar que somente a Siderbrás precisa de cerca de Cz$ 150 bilhões em recursos até 1992, incluindo capitalização, transferência de dívidas e subsídios, sendo cerca de 60% desse montante necessário ainda em 1986. A Eletrobrás também transferiu ações para bancos federais em pagamento de dívidas no valor de Cz$ 13 bilhões, forçando o Tesouro a adquiri-las posteriormente para incorporação ao Fundo Nacional de Desenvolvimento.
Portanto, as dificuldades no equilíbrio das contas públicas ainda estão longe de serem resolvidas, especialmente se o governo mantiver uma política inflexível em relação às tarifas das empresas estatais.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor pela Universidade de Harvard, professor do Departamento de Economia da FGV-SP e consultor de Economia desta Folha.