O ABC da economia estabelece que ninguém pode permanecer indefinidamente gastando mais do que recebe. Esse princípio é válido tanto para grandes empresas quanto para microempresas. E não é diferente para famílias, independentemente de serem ricas ou pobres. Em qualquer situação, o objetivo fundamental é harmonizar despesas e receitas, buscando gerar uma reserva ou poupança para lidar com imprevistos financeiros, compensar desequilíbrios temporários entre entradas e saídas de recursos ou reduzir o endividamento. Essa prática é essencial para a saúde financeira de qualquer agente, seja uma empresa ou uma família. A gestão adequada implica em manter saldos orçamentários que sustentem a lucratividade de uma empresa ou a qualidade de vida de uma família, com um endividamento sob controle. A negligência na administração do dinheiro, por outro lado, leva inevitavelmente à deterioração do patrimônio empresarial e à falência. No caso de famílias, seus ativos desaparecem e suas necessidades essenciais ficam comprometidas.
Para o governo, uma gestão financeira eficaz é igualmente essencial. Sua eficiência se reflete na qualidade dos serviços públicos, no controle do endividamento e na credibilidade do governo. Além disso, o Estado é mais capaz de cumprir seu papel como promotor da estabilidade macroeconômica quando mantém uma gestão financeira sólida. É importante destacar que, em todas essas situações, seja para uma empresa, família ou governo, a transparência e a seriedade são regras fundamentais para o sucesso da gestão financeira. Regras claras, que não são alteradas de forma arbitrária, são requisitos essenciais para garantir a credibilidade da gestão financeira.
No entanto, no contexto governamental brasileiro, a situação financeira é motivo de preocupação. O governo não conseguiu alinhar suas despesas com suas receitas e agora está buscando aumentar a carga tributária para cobrir o orçamento fragilizado. Além disso, anos de má gestão econômica esgotaram os saldos orçamentários que costumavam ser usados para controlar o endividamento, que agora está em crescimento. O governo também não consegue economizar e, em vez disso, utiliza a poupança do setor privado para cobrir seus déficits, o que prejudica os investimentos. Além disso, há preocupações com a integridade da política fiscal. Desde 2008, o regime de superávit primário perdeu credibilidade devido à possibilidade de abatimento de gastos que visam maquiar números que não convencem ninguém. Por exemplo, o Tribunal de Contas da União alega que o superávit de R$ 77,1 bilhões em 2013 é, na realidade, um déficit de R$ 43,3 bilhões quando não se consideram as receitas fictícias criadas pelo governo para tentar mostrar que a situação orçamentária não era tão grave quanto afirmavam os analistas.
O cerne da atual fragilidade econômica brasileira está na violação das regras básicas da boa gestão financeira. A má condução fiscal comprometeu os serviços essenciais, aumentou a dívida pública e gerou incertezas para as empresas. Isso limita a capacidade do Estado de impulsionar o crescimento econômico. A tarefa do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nos próximos anos, será ajustar a situação orçamentária de acordo com os princípios financeiros fundamentais. Esse trabalho já começou e exigirá medidas difíceis que afetarão a classe média brasileira.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único. É Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.