Prosseguindo na análise dos dois últimos domingos sobre a reforma agrária, passo agora ao terceiro mito, que se refere a uma alegada relação entre tamanho do estabelecimento agrícola e produtividade. Os defensores da reforma sustentam que as pequenas propriedades têm índices mais elevados de produtividade parcial da terra, ao passo que seus opositores afirmam serem os grandes estabelecimentos mais modernos, e portanto mais eficientes. Antes de tudo é preciso recordar que índices de produtividade parcial - produtividade de terra, da mão-de-obra, ou do capital - não medem o conceito relevante que é a produtividade total, ou seja, a eficiência econômica. Este último é o conceito chave na análise do desempenho da produção agrícola, já que incorpora uma avaliação global acerca do uso de recursos e de sua valoração social face ao retorno que produzem.
Índices de produtividade parcial, como rendimentos físicos por hectare, medem uma dimensão isolada do processo produtivo, podendo refletir métodos de produção diferenciados impossibilitando comparações de eficiência econômica. Somente se as medidas de produtividade parcial forem mais elevadas para todos os fatores de produção (trabalho, terra e capital) seriam justificáveis afirmações inequívocas a respeito de níveis comparativos de eficiência econômica. As produtividades parciais da terra referentes a dez produtos agrícolas acham-se reproduzidas na tabela 1. Com exceção do trigo, as produtividades das pequenas propriedades são inferiores - e, exceto o feijão, substancialmente inferiores - às das de maior porte. Na verdade, para o algodão, arroz, cana-de-açúcar, milho, soja, café e laranja as produtividades mais elevadas foram encontradas nas propriedades de mais de 100 hectares. O que se pode concluir é que, em relação aos coeficientes de rendimentos físicos da terra, o quadro mostra-se bastante diferenciado por tipo de produto, tornando inadequada qualquer afirmação genérica acerca da relação entre tamanho do estabelecimento e produtividade de terra.
Outros índices de produtividade acham-se na tabela 2. Nota-se que à medida que aumenta o tamanho, decresce a produtividade da terra e do capital (medida pelo número de tratores utilizados), e aumenta a produtividade da mão-de-obra. Isto se justifica perfeitamente, pois a terra é fator relativamente escasso em propriedades menores, o que motiva seus operadores a aumentar a renda por unidade de área. Também a utilização de mão-de-obra por unidade de área segue a mesma racionalidade já que quanto mais escassa for a disponibilidade de mão-de-obra, maior a renda por unidade de trabalho empregada. Finalmente, a elevação da renda por hectare está em perfeita concordância com as teorias da localização e uso da terra, que enfatizam que o valor por unidade de produto tende a aumentar em áreas mais próximas dos "lugares centrais", e que é sabido que o tamanho das propriedades diminui à medida em que estejam localizadas mais próximas desses "lugares centrais" e de outras áreas consumidoras.
Com relação à utilização do capital o quadro torna-se menos claro. Seria de se esperar que, como a mão-de-obra se torna mais escassa à medida que o tamanho da propriedade aumenta, a utilização de capital (tratores) deveria também aumentar. Na verdade, ela aumenta até o segundo grupo de tamanho, e depois decai nos dois grupos seguintes. Isto pode ser explicado pelo fato de que a pecuária, que utiliza tecnologia menos intensiva em equipamentos, concentra-se nos dois grupos de maior tamanho. De maneira geral, contudo, dada a disponibilidade relativa de fatores, a produtividade do capital segue o padrão esperado, sendo mais alta para propriedades menores do que para os demais tamanhos.
Conclui-se que os produtores rurais, em todos os grupos, são alocativamente eficientes no sentido de que suas medidas de produtividade parcial estão em acordo com a disponibilidade relativa de fatores. Além disso, nenhum dos grupos tende a apresentar um padrão tecnológico dominante em relação aos métodos de produção dos demais. Conforme descrito, nenhum grupo tende a apresentar medidas de produtividade mais elevadas para todos os fatores de produção, tornando impossível com base nestas informações, comparar os padrões de eficiência econômica das diferentes classes de tamanho das propriedades rurais. A tabela 2 mostra também o lucro bruto em relação aos ativos totais dos estabelecimentos agrícolas, um indicador mais confiável de eficiência econômica do que a análise de produtividades parciais.
O primeiro grupo, formado por propriedades com menos de dez hectares, teve a mais alta taxa de retorno sobre os ativos totais, seguido pelo grupo de tamanho entre dez e cem hectares. O grupo das grandes propriedades veio a seguir, com uma taxa de retorno um pouco acima da média global, que foi de 9%. De maneira geral, as taxas de retorno sobre o ativo não se desviaram significativamente da média - com exceção do grupo de propriedades entre cem e mil hectares, que mostrou taxa consideravelmente mais baixa, de 6%. Conclui-se que embora as produtividades demonstrem uma pequena vantagem dos estabelecimentos de grande porte em relação aos menores, elas oferecem apenas um quadro parcial da eficiência econômica, tornando bastante difícil classificar os grupos de tamanho em termos de eficiência. Poder-se-ia dizer que todos os grupos são alocativamente eficientes, e que dadas as limitações impostas por suas funções de produção (isto é, sua tecnologia) todos parecem alcançar níveis semelhantes de eficiência econômica.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, é doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor da Fundação Getulio Vargas (SP), e consultor econômico desta Folha.