O governo promoveu de forma discreta e paulatina uma verdadeira revolução no mercado financeiro. Nos últimos meses, criou novos títulos de curto prazo - as Letras do Banco Central e as Letras do Tesouro Nacional Flutuantes - retirou as OTNs (Obrigações do Tesouro Nacional) do mercado e alterou a estrutura de tributação financeira.
Todas essas alterações tiveram como objetivo básico proporcionar maior flexibilidade à política econômica do governo e, assim, usar mais eficazmente a política monetária como coadjuvante no monitoramento do Plano Cruzado. Tudo isso feito, promove, no momento, a elevação das taxas de juros. Cabe lembrar ainda que, diferentemente de tudo o que vem ocorrendo no Plano de Estabilização Econômica - cuja administração cada vez se torna mais atabalhoada, confusa e até mesmo contraditória com os princípios básicos da Nova República - as reformas do mercado financeiro promovidas pelo Banco Central demonstram possuir a coerência que não parece mais existir na política econômica global do país.
É sabido que o governo não podia desenvolver uma política monetária ativa por causa das distorções existentes no processo de financiamento da dívida mobiliária pública. Qualquer elevação nas taxas de juros acarretaria desvalorização do valor do estoque das OTNs em poder das instituições financeiras, causando-lhes prejuízos e comprometendo seu potencial de carregamento de títulos públicos. Daí a importância da troca das OTNs pelas LBCs, pois estas últimas rendem às instituições o equivalente à taxa do "overnight" mais um "spread" obtido pelo deságio na compra dos títulos.
Com este problema resolvido, permanecia a questão de como praticar uma política monetária ativa sem criar dificuldades adicionais nas contas do setor público. Há ampla concordância sobre a necessidade de elevação das taxas de juros, até mesmo por aqueles que antes combatiam o que denominavam de "conservadorismo burro". Os juros reais pós-Cruzados permaneceram excessivamente baixos, mesmo negativos. Isto incentivou o consumo e barateou a formação de estoques. A falta de confiança no sucesso do congelamento de preços foi o ingrediente final que produziu, nos últimos meses, um alarmante excesso de demanda. Estava criado o impasse que resultou na generalização na cobrança de ágios e no início do desgaste do Plano Cruzado.
Para poder praticar juros mais altos sem causar imediato agravamento do déficit público, o Banco Central se aproveita de característica peculiar da administração da dívida pública brasileira: quase toda ela é rolada nos mercados de curtíssimo prazo. Aceita a hipótese, como o Banco Central parece ter feito, de que os recursos que giram no mercado aberto são altamente inelásticos em relação aos níveis de juros, abre-se o caminho para uma sensível redução do serviço da dívida do governo. Isto implica dizer que, mesmo com taxas de juros reais negativas, eles ainda permaneceriam financiando as posições tomadas em títulos públicos, uma vez que são sobras de caixa cuja única alternativa financeira seria a conta de depósitos à vista.
Espera-se, assim, facilitar o controle do déficit público, sem necessidade de o governo engajar-se no que julga ser uma penosa reforma do setor público. Ao taxar pesadamente as aplicações de curtíssimo prazo, conjugadamente com uma administração dos juros no "open", coisa que o Banco Central tem amplas condições de realizar, abre-se a possibilidade de substancial redução nos custos financeiros do governo.
Contudo, tal estratégia já deveria ter sido posta em prática para coincidir com o lançamento do Plano Cruzado. O governo atrasou-se demais para atuar nos mercados financeiros, pois houve, anteriormente, um equívoco fatal: as autoridades esperavam que os depósitos nas cadernetas de poupança iriam aumentar exclusivamente. Como 40% dos novos depósitos seriam recolhidos ao Banco Central, tornar-se-ia possível equacionar as contas públicas. Além disso, o potencial de remonetização da economia completaria este quadro de ingênuo otimismo. Hoje tudo está mais difícil para o Plano Cruzado. Entretanto, ainda há condições de torná-lo um projeto de "relativo sucesso", desde que o governo deixe de julgar seu próprio desempenho como um "estrondoso sucesso", que efetivamente não foi, e faça o que se torne necessário.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), professor do Departamento de Economia da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e consultor de Economia desta Folha.