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  • Marcos Cintra

Os problemas habitacionais

Existem duas situações distintas que concorrem para a presença de áreas inexploradas num contexto de déficit habitacional crônico nos grandes centros urbanos. De um lado, uma situação causada pelo comportamento econômico improdutivo do proprietário de áreas inexploradas e que exigiria a presença firme do Estado para garantir o uso social dessas propriedades. Este lado da questão vem sendo detectado com frequência pelos estudiosos dos problemas urbanos e habitacionais de São Paulo.


De outro lado, face geralmente ignorada da problemática, surge a propriedade inexplorada como resultado direto de um modelo de ação governamental que discrimina contra a utilização de áreas em forma de parcelamento do solo, em lotes, para posterior construção individual pelo proprietário.


A situação habitacional atual dos grandes centros urbanos é resultado direto da omissão governamental em sua tarefa de estancar o processo especulativo e antissocial de parte dos proprietários de áreas urbanas, e também o resultado da ação consciente, porém insólita, por parte do governo, de coibir o uso de tais áreas para fins de loteamentos, impelindo seus proprietários a mantê-las estocadas e sem uso social.


Qual a solução para o problema habitacional com o qual nos defrontamos? A saída do impasse deve seguir por quatro vertentes principais. As duas primeiras já vêm sendo discutidas pelas autoridades municipais de São Paulo, ou seja, a imposição do imposto territorial urbano progressivo e a promulgação de legislação reguladora de parcelamento de solo que efetivamente estimule o aumento da oferta de lotes populares de baixo custo, como o projeto de lei atualmente preparado pela Prefeitura de São Paulo.


O imposto territorial urbano progressivo penalizaria os proprietários que, tendo condições de fazê-lo, não colocam suas áreas em efetivo uso social. A segunda vertente reduziria as exigências cujos custos excluem a população de baixa renda da posse de terreno e residência próprios, e, limitando-as ao mínimo essencial, estaria incorporando novamente no mercado residencial, por meio de preços mais baixos, a população hoje incapaz de habitar em imóveis alugados.


Ao contrário do que se imagina, a atividade de parcelamento do solo urbano é um setor atomizado e altamente competitivo. A redução do custo da terra via aumento de sua oferta, a redução de parte da onerosa infraestrutura urbana hoje exigida e a reformulação do tamanho mínimo de lote permitido resultariam numa redução do preço do lote para o adquirente. Os que alegam o contrário, certamente não conhecem o mercado imobiliário de lotes populares.


Como terceira linha de ação é necessário que se reconheça que a atual legislação federal (Lei 6766 de 1979) bem como as exigências municipais e estaduais têm efetivamente desincentivado o parcelamento do solo urbano. A cidade de São Paulo se formou graças a projetos de loteamentos, como pode ser constatado, por exemplo, na zona leste de São Paulo, considerada, hoje, região de classe média e perfeitamente aceitável em termos de critérios urbanísticos, embora tenha surgido, há algumas décadas, como região de loteamentos essencialmente populares.


É necessário que se retorne ao modelo de urbanização para as classes populares baseado no esforço individual e/ou comunitário de construção. Experiências já efetuadas aqui mesmo em São Paulo demonstraram que o custo por metro quadrado de construção, utilizando trabalho familiar, situa-se em nível sensivelmente abaixo do preço exigido nas construções de blocos residenciais financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação e bem abaixo, inclusive dos projetos de casa-embrião financiadas pelo BNH.


É preciso também retornar-se ao padrão habitacional anterior, o qual, não exigia poupança financeira, hoje inexistente nas camadas de baixa renda, e se apoiava no trabalho excedente hoje disponível na maioria das famílias mais carentes. Esta terceira linha de ação, além de captar recursos atualmente disponíveis, possibilita que a construção residencial ocorra no ritmo e na forma desejados pela família que nela habitará. Evitar-se-iam os graves inconvenientes resultantes de gigantescos conjuntos residenciais uniformes, bem como o alto volume de poupança financeira e renda familiar exigidos para a aquisição de unidades de projetos residenciais tipo "turn-key".


Finalmente, como quarta sugestão, a desvinculação de duas atividades distintas e que a legislação atualmente vigente confunde na chamada atividade de loteamento, ou seja, a comercialização do lote em si e a colocação de infraestrutura urbana. A atividade imobiliária de parcelamento da área em lotes deve ser restrita tão somente à abertura de vias de acesso e demarcação dos lotes a serem comercializados. A colocação de equipamentos urbanos sanitários como rede elétrica, água, esgoto, pavimentação, etc., deve ser de exclusiva competência dos concessionários e do poder público. Caberia a eles o fornecimento de tais serviços, sendo os custos cobrados diretamente aos usuários. Na situação atual, no entanto, recai sobre os loteadores a responsabilidade desses investimentos. Comumente, as companhias concessionárias não aceitam a doação do equipamento instalado, ficando as empresas imobiliárias como virtuais "concessionárias" na exploração de tais serviços. E mais, justificadamente, cobram dos adquirentes dos lotes o investimento que seja necessário, acrescido de taxa de administração e de uma margem de lucro.


Transferidas essas atividades ao poder público e às suas concessionárias, sem dúvida alguma ocorreria uma queda no preço de lotes populares tornando-os mais acessíveis à população de baixa renda, já que seriam cobrados a preço de custo. Por outro lado, afastado do mercado de construção de conjuntos residenciais "populares", o Sistema Financeiro de Habitação liberaria recursos que poderiam ser utilizados diretamente pelas prefeituras e concessionárias para financiamento dos equipamentos urbano-sanitários desde que beneficiassem projetos em loteamentos estritamente populares.


Resumindo-se, a adoção das quatro sugestões acima teria como efeito a utilização mais eficiente de áreas ociosas, encravadas nos perímetros urbanos, aumentando-se a oferta de lotes populares a preço mais baixo que os vigentes. Além disso, o incentivo ao parcelamento do solo em loteamentos populares e a reorientação dos recursos captados pelo poder público para o financiamento de infraestrutura urbana possibilitariam conjuminar os recursos, hoje captados e mal utilizados pelo Sistema Financeiro de Habitação, com os recursos não financeiros ociosos disponíveis a nível de famílias de baixa renda e carentes de moradia.


OBS: Este artigo foi extraído da Folha de São Paulo, datada de 6/12/ 81, de autoria de Marcos Cavalcanti de Albuquerque.



Publicado no Jornal SCIESP


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