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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Impasse na livre negociação

Uma das causas estruturais da inflação no Brasil foi a política salarial. Patrões e empregados se acomodaram, aceitando de bom grado a tutela do Estado em suas relações. Foi um pacto entre capital e trabalho, mediado pelo governo, que se tornou um importante catalisador da escalada inflacionária nas últimas décadas.


Para os empregadores, a indexação dos salários de acordo com a evolução do custo de vida significava garantia de lucros. A sistemática de reajuste não os obrigava a abrir suas contas ou discutir com seus funcionários os riscos e perspectivas de suas empresas. Os salários eram aumentados por critérios objetivos e imediatamente repassados aos preços. Os ganhos de produtividade não eram considerados e eram absorvidos com facilidade pelos acionistas das empresas. No entanto, a contrapartida desse arranjo era o agravamento das pressões inflacionárias.


Os empregados, por sua vez, também aceitavam essas regras. Os salários nominais eram ajustados automaticamente pela inflação, graças às decisões pontuais da Justiça trabalhista que garantiam esses aumentos.


Ambas as partes, no entanto, viviam uma contradição. A igualdade no tratamento de preços e salários camuflava um tratamento profundamente discriminatório contra os rendimentos do trabalho. Apesar da indexação, os salários reais nunca foram protegidos.


Diante desse cenário de costumes e práticas arraigadas, a proposta de livre negociação salarial encontra sérios obstáculos.


A plena liberdade de contratos no mercado de trabalho é desejável em termos de alocação e distribuição. Os empresários serão compelidos a competir no mercado, e o repasse automático de salários para os preços deixará de existir, abrindo espaço para a conquista de vantagens competitivas entre empresas que adotam diferentes políticas salariais. Maior competência gerencial e tecnológica será exigida dos executivos, e a transparência nas negociações será imperativa.


No entanto, a persistência da Justiça trabalhista como árbitro nos impasses entre empregadores e empregados inviabiliza a livre negociação. Na prática, reintroduz-se a indexação. O mesmo resultado teriam as propostas em estudo no governo, como a criação de uma comissão de acompanhamento ou sanções por abusos.


A livre negociação salarial implica em profundas mudanças institucionais e comportamentais nas empresas e nos sindicatos, e, acima de tudo, a eliminação do papel da Justiça trabalhista como árbitro entre patrões e empregados.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor de economia da Folha.

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