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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A carroça antes dos bois


A dolarização, com ou sem a fixação do câmbio, se transformou em vedete na discussão sobre políticas de estabilização.

O raciocínio apresentado por seus defensores apela à resistência da inflação para baixo no Brasil — o que estaria confirmando sua característica inercial —, e à impossível e perigosa sustentação de uma política fortemente contracionista por muito mais tempo — já que não há evidência histórica de queda abrupta da inflação sem medidas de impacto que criem âncoras nominais.

Alega-se ademais que já existem condições propícias para a dolarização: a inflação se estabilizou, as reservas estão aumentando, o dólar paralelo está deprimido, o ajuste fiscal, ainda que apenas de caixa, já é uma realidade, e a comunidade internacional está se acertando com o Brasil.

Infelizmente, essa alternativa poderia ser mais uma aventura. A indexação ao dólar poderia ejetara economia na hiperinflação, pois as expectativas quanto à sua cotação são altamente voláteis. Hoje, os indexadores atuam "ex post", ou seja, apura-se a inflação, para depois ser repassada aos preços; com a dolarização, os processos de indexação seriam fortemente acelerados, tornando-se quase instantâneos, senão "ex ante" ou seja, antecipados pelas expectativas em relação ao preço do dólar paralelo. Cumpre notar que a economia brasileira é fechada, o que tem evitado a dolarização natural, e seria arriscado destruir essa válvula de segurança com a indexação ao dólar.

A administração da taxa cambial no Brasil já foi tentada no passado e não resultou em impactos positivos na inflação, mas apenas em crises cambiais. Além disso, o volume de reservas está aumentando, mas ainda se situa em níveis inferiores a 3% do PIB, o que não concede um mínimo de credibilidade a qualquer tentativa de fixação da taxa cambial.

O que falta no Brasil não é um truque de passagem de uma trajetória de inflação alta para outra mais baixa. O busilis do problema se encontra nas reformas estruturais, sem as quais a estabilidade jamais será alcançada.

O ajuste fiscal é de caixa apenas. O setor público acha-se comprimido artificialmente e denota um enorme déficit potencial caso as atividades públicas atinjam patamares minimamente compatíveis com uma trajetória de crescimento. Faltam ainda a reforma tributária, a definição das atribuições nos vários níveis de governo, a reforma previdenciária, um novo modelo para a administração pública, maior agressividade na privatização, um processo mais ordenado de abertura ao exterior e uma política industrial.

Depois disso tudo pode-se até pensar na dolarização. Antes, é apenas uma cortina de fumaça.



Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).

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