top of page
  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Truques e macetes

O Plano Real já começa a enfrentar algumas das muitas crises que virão nos próximos meses. A nova moeda foi aceita pela população com entusiasmo, mas algumas tensões já se fazem sentir.

Começam a aflorar os problemas que o fracasso das reformas estruturais empurrou para debaixo do tapete, mas que começam a cheirar mal.

Em primeiro lugar, os salários foram convertidos pelas médias. Mas os aumentos de preços no final de junho, ainda não captados pela inflação, imporão perdas significativas ao poder aquisitivo dos salários.

Ademais, a inflação residual, estimada em cerca de 5% em julho, deve motivar pleitos por correções salariais. Compromete-se assim o congelamento dos salários, dando-se início a pressões pela reindexação.

Os primeiros embates poderão ocorrer na data-base de setembro, quando os bancários reivindicarão as perdas de cerca de 15%, mais a inflação em reais de julho e agosto.

Um segundo foco de tensão se encontra nos juros altos. Trata-se de necessária defesa contra os que apostam contra o plano. Mas pressionam os custos de vários setores, que já buscam repasse dos encargos financeiros aos preços. E também pressionam os orçamentos governamentais, já que o setor público é o grande tomador de recursos na economia.

Nota-se ainda que o congelamento cambial –e a inesperada valorização do real frente à URV– poderá gerar fortes tensões comerciais. Os exportadores perderam cerca de 10% de sua competitividade externa.

Embora o estoque de divisas seja mais do que suficiente para sustentar esta situação artificiosa por muitos meses, o custo social desta política poderá ser substancial. Além de recessiva, poderá implicar perdas significativas do estoque de divisas.

O Plano Real vai bem. Mas poderá fazer água muito mais depressa do que se imagina. Por enquanto, foi apenas uma bem-executada troca de moeda, com o objetivo de extirpar a inércia inflacionária.

Mas, no que se refere às variáveis básicas e fundamentais da economia, como salários, câmbio e juros, nota-se apenas a artificialidade de tudo.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

Topo
bottom of page