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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Pacote ao invés de reforma


A cada "reforma" tributária, o aparato de arrecadação, fiscalização e controle de impostos aumenta seu poder e sua influência, enquanto o setor produtivo e os assalariados assistem, atônitos, o governo meter a mão em seus bolsos, toda vez que enfrenta estrangulamentos de caixa. É um triste círculo vicioso, em que as burocracias pública e privada são os únicos vencedores. É um diagnóstico resultante dos rumos da discussão atuai sobre a reforma tributária. Como o governo não pensa em reformar o sistema, fará uma meia-sola, mudando a forma de cobrança de dois impostos sobre circulação o ICMS e o IPI. Ainda assim, aparentemente, tais alterações só serão implementadas a partir de 1998.

No momento em que se sabe que a carga tributária bruta brasileira pula dos patamares históricos de 25% para mais de 32% do PIB .com a suspeita de que poderá chegar a 35%), há quem proponha mais impostos. A Contribuição sobre Movimentação Financeira poderá passar no Congresso Nacional, em homenagem à figura do ministro da Saúde. Embora seja um imposto altamente robusto e eficiente, contribuirá para elevar a carga tributária da parcela da economia já, excessivamente, onerada. Com o Imposto Único, seria ótimo, mas não como um tributo a mais.

Tem mais. Apesar de ainda ser os mais significativos nas estruturas de arrecadação, nos países desenvolvidos do mundo, os impostos diretos vêm perdendo participação relativa na receita tributária, em favor dos impostos indiretos, entretanto, o governo brasileiro insiste em ficar na contra-mão. Tanto que já se fala em mudanças no Imposto de Renda das empresas, para reforçar a arrecadação, esquecendo-se, como de costume, a assimetria na incidência dessas alterações tributárias. Pois, enquanto muitas empresas reduzem sua carga tributária, refugiando-se na economia subterrânea, outras, simplesmente, sonegam. Já as que não podem ou não desejam se evadir, suportam carga extorsiva, que, hoje, chega a 48% do lucro. Para estas, as reformas tributárias querem dizer aumentos de custos, redução de margens, tentativas de repasses inflacionários a preços e concorrência, crescentemente, desleal por parte dos sonegadores. Mais assustadora, ainda, é a sugestão de criação do Imposto de Renda Estadual, que poderá se concretizar como uma sobretaxa no atual Imposto de Renda.

Os impostos diretos, como o Imposto de Renda, encontram maiores resistência do contribuinte, são mais difíceis e caros de arrecadar, porque são cobrados sem imediata contrapartida de prestação de serviços. Espantam o contribuinte, principalmente, quando, como ocorre hoje no Brasil, não retornam sob a forma de prestação serviços públicos de qualidade.

Os impostos indiretos, por comporem o preço dos bens privados adquiridos pelo consumidor, não encontram tanta resistência. O contribuinte iguala o preço .com impostos) à utilidade marginal dos produtos consumidos e, assim, só paga o imposto enquanto ele for inferior ou igual ao valor da utilidade que supera o preço do produto sem imposto. Tecnicamente, o consumidor só paga o imposto que deseja pagar, razão porque a arrecadação não desperta tantas resistências no contribuinte.

Mas nada disso é considerado pelos mentores da política tributária do governo, de modo que o "pacote" tributário que poderá surgir até o fim do ano representará mais uma decepção para quem aguardava uma proposta ousada e corajosa. Persistirá, portanto, o drama de um sistema profundamente ineficiente, custoso, injusto e mal distribuído, cada vez mais complicado por remendos, casuísmos e improvisações. Tudo indica que a reforma tributária em discussão resultará na manutenção da tradição brasileira dos últimos anos mais um pacote fiscal, com o qual o governo insistirá em tributar mais e em estimular o contribuinte a continuar sonegando.

 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).

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