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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Império da lei ou do medo?

Agora que o Estado brasileiro está cada vez menos envolvido em atividades que nunca deveriam ter sido suas responsabilidades, como a gestão de empresas que iam desde a aviação até a hotelaria, é chegada a hora de aprimorar sua função primordial: fornecer aos cidadãos, que pagam impostos (e muitos), serviços públicos em quantidade e qualidade adequadas. Entre os direitos dos cidadãos que têm sido negligenciados pelo governo, a segurança é um dos mais destacados.


Um dos princípios fundamentais das sociedades civilizadas e modernas é que o poder de polícia é um monopólio do Estado, destinado a garantir os direitos fundamentais da cidadania, como o direito à vida, à propriedade e à segurança pessoal. Sem esses direitos, o respeito às leis se torna impossível. E as leis só são respeitadas quando o Estado exerce seu poder de forma a inspirar temor e a certeza da punição aos criminosos.


Além do óbvio sofrimento causado pela falta de segurança às vítimas do atual aumento da criminalidade, a economia sofre com os custos elevados e a subsequente perda de competitividade dos produtos brasileiros.


As 500 maiores empresas gastam quase US$ 3 bilhões por ano em segurança patrimonial. Os bancos despendem R$ 1 bilhão anualmente para se protegerem contra ataques de criminosos. As empresas de transporte de carga não conseguem mais seguros contra roubos e perdem cerca de R$ 250 milhões a cada ano devido a mais de 3.000 roubos de cargas, sendo que praticamente nenhum desses casos é resolvido pela polícia.


Estudos recentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento revelam que o país perde US$ 84 bilhões anualmente, o equivalente a mais de 10% do PIB, devido aos efeitos da violência, incluindo a perda de receitas do turismo, gastos com segurança pessoal e de propriedades destruídas.


Esses números, além de aumentarem o "custo Brasil", destacam a negligência do Estado em oferecer segurança para todos. Grandes empresas e moradores de bairros nobres podem comprar sua segurança, enquanto pequenos comerciantes de rua e a população das periferias das grandes cidades ficam à mercê dos criminosos.


A omissão e a hipocrisia das elites brasileiras em relação à questão da segurança em nossas cidades são notáveis. Em primeiro lugar, houve uma confusão entre repressão policial e a repressão da ditadura. Criou-se a ideia equivocada de que, com a restauração da democracia, a polícia não deveria mais ser uma prioridade para os governantes.


O desmantelamento da repressão política serviu como desculpa para que a polícia não tivesse mais o armamento adequado, recursos técnicos e materiais, salários dignos e sequer um serviço de inteligência destinado a detectar os movimentos do crime organizado. Isso, juntamente com a incompetência, levou ao completo colapso do governo estadual em relação à segurança pública. A criminalidade está em alta na região metropolitana e começa a se espalhar de forma alarmante pelo interior do Estado.


Com recordes de chacinas, regime de terror imposto pelos traficantes nas periferias e favelas, delegacias com telefones cortados, fugas em massa e superlotação nas prisões, a situação é um sinal evidente da falência do Estado, da impunidade e da deterioração do tecido social.


A proliferação das pichações em nossas cidades também é um indicativo de que a sociedade brasileira está se rendendo ao crime, à marginalidade e à indiferença.


Para restabelecer o princípio da autoridade e proporcionar segurança também aos moradores de bairros menos favorecidos, não é necessário aumentar os impostos, alocar recursos públicos em excesso ou agir fora do Estado de Direito.


O grande mérito de William Bratton e Jack Maple, norte-americanos que conseguiram reduzir drasticamente os índices de criminalidade em Nova York e agora assessoram a equipe que elabora a proposta de segurança de Paulo Maluf para o governo do Estado, foi o sucesso no combate ao crime em uma sociedade democrática, sob o escrutínio de um Judiciário forte e uma imprensa totalmente livre.


Para os ricos e intelectuais bem protegidos por segurança particular, a questão da violência pode ser uma abstração de cunho sociológico. No entanto, para a imensa maioria da população, o direito à segurança é apenas mais um (entre muitos) que lhe foi negado e precisa ser recuperado como uma condição básica para a sobrevivência.


Nas eleições estaduais, além dos temas cruciais da retomada do desenvolvimento e da geração de empregos, a população decidirá se deseja continuar vivendo sob o domínio do medo imposto pelos criminosos ou sob o império da lei, que requer vontade política dos governantes para ser preservado.



 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 52 anos, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), é professor titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas e presidente do Partido Liberal em São Paulo. Ele já foi secretário de Planejamento e Privatização no governo municipal de São Paulo, durante a administração de Paulo Maluf.

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