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  • Marcos Cintra & Michel Etlin - O Estado de S.

I'ts the Spread, stupid!


O famoso consultor político James Carville conseguiu eleger Bill Clinton presidente dos Estados Unidos usando a famosa frase "It's the economy, stupid". Hoje nada mais oportuno do que o parafrasear na discussão sobre os elevados juros praticados no Brasil.

A oferta de crédito na economia brasileira não alcança 25% do PB, com taxas de juros superiores a 80% para as empresas e 200% para as pessoas físicas. Países como a Malásia, a Coréia do Sul e o grupo dos sete países mais ricos do mundo registram volume de crédito de mais de 120% do PIB, com taxas de juros dramaticamente menores.

As causas do elevado custo do crédito no Brasil podem ser analisadas em termos macro e microeconômicos. Ambas são importantes na formação da taxa de juros, mas não devem ser confundidas.

A mais relevante expressão macroeconômica da questão dos juros no Brasil refere-se à sua elevada taxa primária, fixada nas reuniões do Copom. A administração da taxa Selic é uma faceta importante do problema dos altos juros no Brasil, e vem sendo executada com competência pelas autoridades monetárias brasileiras.

Contudo, esta dimensão da questão está longe de ser a mais importante. A expressão do clamor pela redução dos juros vem sendo equivocadamente focada quase que exclusivamente na redução da Selic. Mas a taxa de juros que asfixia e sufoca o setor produtivo nacional não é a de captação fixada pelo Copom, mas sim as de aplicação fixadas pelos bancos, que multiplicam a Selic de quatro a oito vezes.

Ainda que os dados do Banco Central mostrem um quadro mais atenuado, a diferença entre as taxas de captação e as cobradas nas aplicações ativas dos bancos, o spread bancário, é absurdamente elevada no Brasil. E, quando se trata de analisar as causas deste fenômeno, a análise deixa de ser exclusivamente macroeconômica para se transformar em questão restrita ao modo como o mercado financeiro nacional está estruturado.

O setor bancário brasileiro registrou um grau de concentração muito acentuado nos últimos anos. Entre 1994 e 2001 ocorreram no segmento bancário nacional 181 fusões e aquisições. O número de bancos nesse período foi reduzido de 246 para 180. Os cinco maiores bancos brasileiros concentram 49,7% dos ativos totais, 55,3% dos empréstimos, e 57,9% dos depósitos bancários. No mesmo período a participação dos 10 maiores bancos no total de ativos saltou de 65,1% para 73,6%.

Estudos recentes vêm demonstrando que a elevada concentração bancária impede a presença de comportamento perfeitamente competitivo no setor, ainda que os mesmos estudos também não comprovem a inequívoca existência de comportamento que caracterizaria a existência de um cartel.

Mas é certo que a lucratividade sobre o patrimônio liquido dos bancos quase dobrou nos últimos anos. Passou de 8,7% em média em dezembro de 1995 para 16,5% em 2002. No 1º trimestre de 2003, a rentabilidade sobre patrimônio liquido dos bancos atingiu 23,2%, enquanto a rentabilidade das empresas não-financeiras de capital aberto não superou 8%. O lucro líquido dos bancos aumentou 34,3% em relação ao ano passado, enquanto o país ao ano passado, enquanto o país acha-se mergulhado em crise de produção e de emprego.

É fundamental na análise dos juros que se considere que o setor bancário está inserido num mercado fortemente oligopolizado, onde poucos bancos detêm poder de mercado suficientemente forte para fixar as taxas obradas nos empréstimos bancários. Com a interação entre os bancos ocorrendo de forma mais cooperativa do que competitiva, a definição das taxas de juros ocorre num nível acima dos custos marginais do setor, possibilitando a geração de altos lucros oriundos da captação de parte da renda dos tomadores de crédito.

O poder dos bancos brasileiros fica cristalino quando se vê que, mesmo com a receita das tarifas cobrindo mais de 100% da folha de salários do setor (cobria 45% em 1994) o spread se mantém elevado. Há bancos varejistas no Brasil cuja receita com tarifas cobrem 150% da folha de pagamentos. Segundo o Banco Central, o spread, principal componente dos juros, é composto por 17% de taxa de risco, 14% de despesas administrativas, 29% de impostos e 40% de lucro dos bancos. Mesmo sem avaliar a consistência dos números apresentados, a margem de lucro de 40% na composição do spread denota situação atípica relativamente a outros setores da economia. Cabe considerar que os usos de captação dos bancos limitam-se a taxa Selic, e significativa parcela dos recursos oriundos de depósitos bancários em custo próximo do zero.

No debate sobre os altos juros no Brasil, a ênfase usual se concentra em aspectos macroeconômicos e nas decisões do Copom na fixação da taxa Selic. Este fato pode escamotear um dos motivos mais decisivos na formatação do custo do dinheiro no País, qual seja, a forte concentração bancaria e a anêmica concorrência no setor. Rever a estrutura do mercado bancária e definir papel mais relevante às instituições financeiras oficiais são medidas necessárias para o País contar com crédito condizente com suas necessidades de desenvolvimento.

A decisão do Copom no último dia 18 de reduzir a Selic de 26,5% para 26% não tem significado algum em termos práticos para o setor produtivo, apenas cria resultado positivo nas expectativas. Diminuir a Selic em dois, cinco, ou dez pontos porcentuais, além de inadequado, se for efetuado de forma precipitada, não resolveria decisivamente o problema das taxas ativas de juros ao setor privado.

A taxa Selic é alta. Mas isto é sintoma, e não causa dos problemas macroeconômicos brasileiro. O enfrentamento da verdadeira causa do problema exige reconhecer a distorcida mecânica na formação de preços do setor financeiro.

Falou-se muito, no passado, em Pacto Social. Pois este é o momento para fazê-lo. O presidente Lula detém força para chamar à mesa de negociações bancos privados, bancos oficiais e os representantes do setor produtivo para, em exercício de legítimo arm twisting, o governo e a sociedade obterem relações mútuas socialmente mais proveitosas e capazes de gerar a retomada do crescimento auto-sustentado da economia brasileira.

 

§ MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

§ Michel Etlin é consultor financeiro

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