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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Triângulo interrompido


EXCEPCIONALMENTE, interrompo a série do "triângulo intocável", que venho desenvolvendo desde 17 de maio, devido a fatos lamentáveis ocorridos recentemente na área tributária. Refiro-me à desastrosa tentativa do governo federal de aumentar a contribuição das empresas ao INSS e à decisão de adiar a desoneração da folha de salários. Tais fatos explicitam a precariedade técnica da administração tributária brasileira.


Os desencontros na área tributária brasileira, frequentes nos últimos anos, têm demonstrado a falta de visão estratégica que permeia as decisões relacionadas às finanças públicas. Prevalecem os desmandos e os casuísmos em um dos pilares fundamentais para o desempenho eficiente da estrutura produtiva do país.


Como é sabido, o governo federal trouxe à tona um problema de R$ 12,3 bilhões gerado entre março/94 e fevereiro/97, período em que os benefícios previdenciários não foram corrigidos pelo IRSM e foram substituídos pela URV. O reconhecimento dessa dívida gerou enorme polêmica, e a solução, mais uma vez, foi aumentar a já insustentável carga tributária, elevando a contribuição das empresas ao INSS de 20% para 20,6%.


Diante da intensa reação da sociedade, o governo recuou e anunciou que, a partir de setembro deste ano, o montante para cobrir o pagamento de R$ 600 milhões aos aposentados virá do excesso de arrecadação orçamentária obtido no primeiro semestre.


Por outro lado, com a desistência de aumentar o INSS, o governo anunciou que adiará a desoneração da folha de pagamentos das empresas para 2006.


Esses eventos surpreendem por várias razões.


Primeiramente, é lamentável que, apesar das constantes notícias de que a receita administrada pela Secretaria da Receita Federal tem batido recordes sucessivos de arrecadação, o governo federal ainda ouse propor o aumento de uma carga tributária já absurda. Não é evidente para as autoridades fazendárias que a atual sobrecarga tributária está criando uma situação insustentável no país?


A carga tributária se aproxima de 40% do PIB e opera dentro de um modelo institucional injusto, ineficiente e corrupto. A economia informal cresce a cada dia, as empresas são empurradas para a ilegalidade, não por falta de ética dos empresários brasileiros, mas por necessidade de sobrevivência. Atualmente, estima-se que 40% da renda do país circule na informalidade.


A economia brasileira está criando um padrão de tributação no qual um número cada vez menor de contribuintes paga impostos cada vez mais elevados, enquanto um número crescente de agentes econômicos busca refúgio na informalidade, em meio à deterioração dos valores éticos e morais que a cidadania deveria preservar. Ao mesmo tempo, uma pequena parcela da sociedade brasileira concentra uma fatia cada vez maior da riqueza e da renda nacionais, exacerbando o preocupante problema da falta de dinamismo no mercado interno.


Os administradores públicos parecem não perceber que a concentração de renda no Brasil é, em grande parte, gerada pelo próprio sistema tributário brasileiro, que taxas os setores com menor capacidade de pagamento e ignora aqueles que praticam a evasão fiscal, negócios ilícitos e enviam capital para paraísos fiscais em todo o mundo.


É surpreendente, portanto, que em meio a esse cenário institucional, o governo proponha aumentar a tributação sobre a folha de pagamento, desestimulando a criação de empregos e prejudicando ainda mais a competitividade da produção nacional. Felizmente, a reação contrária à decisão de elevar a contribuição das empresas ao INSS fez o governo recuar dessa decisão infeliz, que, por si só, deveria resultar na demissão dos agentes públicos responsáveis.


De forma cínica, o governo "descobre" fontes de recursos na rubrica "excesso de arrecadação", algo que sempre esteve claro para todos e que o presidente e seus ministros deveriam ter conhecimento antes mesmo de recuarem em suas decisões.


No entanto, infelizmente, o recuo dessa medida prejudicial foi acompanhado por outra ainda mais prejudicial.


Contrariando a determinação constitucional, incorporada à reforma tributária de 2003, o governo anuncia que adiará as medidas de desoneração da folha de pagamento das empresas para 2006. Além disso, para desapontar ainda mais, o tão esperado pacote de medidas para reduzir a carga tributária foi anunciado na última sexta-feira, por meio de uma medida provisória, e trouxe uma redução menor dos impostos como compensação pela desistência de aumentar a contribuição das empresas ao INSS. Na prática, o governo retirou com uma mão o que deu com a outra.


Ao deixar de reduzir os encargos tributários sobre a folha de pagamento das empresas, o governo condena a sociedade brasileira a permanecer como o segundo país do mundo que mais tributa os salários, desconsiderando a taxa de desemprego de mais de 11%, o subemprego e a economia informal, que tornam as relações de trabalho cada vez mais precárias e prejudicam o mercado doméstico.


Por que tanta insensibilidade?


Mas talvez a pergunta ainda mais intrigante seja por que os contribuintes brasileiros continuam passivos e inativos diante dessa calamitosa situação.


Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58 anos, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal (1999-2003). Atualmente é secretário das Finanças de São Bernardo do Campo. É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org E-mail: mcintra@marcoscintra.org.

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