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  • Marcos Cintra - Revista Conjuntura Econômica

Spread - reflexo do poder dos bancos no Brasil

O crédito é um elemento importante na formação da demanda agregada. Seu custo e volume representam fundamentos essenciais para a expansão do consumo, dos investimentos e das exportações. Nas economias asiáticas modernas, nos Estados Unidos e na Europa, o volume de crédito ultrapassa 100% do Produto Interno Bruto (PIB). No Chile, é de 66%, e no Japão, de 102%. No Brasil, a relação crédito/PIB é de apenas 26%.


A taxa real de juro praticada no país – em torno de 12% ao ano (CDI deflacionado pelo IPCA) – supera em oito vezes a média anual de 1,5% verificada em uma amostra de 40 países. Nos países emergentes, onde as taxas médias de juros chegam a 3% ao ano, a diferença é de quatro vezes.


Todo mês, há uma grande elevação no nível de estresse quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reúne para anunciar a meta da taxa Selic. Isso, certamente, é um elemento importante para a compreensão da conjuntura econômica nacional, mas escamoteia um aspecto determinante na definição do custo do crédito, que é o spread praticado pelo sistema bancário, ou seja, a diferença entre o que os bancos pagam aos aplicadores e o que é cobrado de seus clientes que demandam recursos. Enquanto os bancos pagam 13% ao ano para captar recursos em um fundo de investimentos lastreados em títulos públicos remunerados pela Selic, cobram, em média, 74% no crédito pessoal e 140% no cheque especial. Para as empresas, os juros cobrados alcançam 35% para o financiamento do capital de giro e 66% na conta garantida. O gráfico resume bem a distância entre a Selic e os juros praticados nas operações de crédito livre para as pessoas físicas e jurídicas.


A Selic tem dois aspectos macroeconômicos fundamentais. O primeiro está relacionado à meta de inflação, sob responsabilidade do Banco Central. A autonomia do órgão lhe dá poderes para ajustar o juro primário assim que pressões ponham em risco o nível geral de preços da economia. Um segundo aspecto está vinculado à estrutura e ao financiamento da dívida mobiliária da União. Em 2003, os gastos com encargos da dívida do governo federal foram superiores a R$ 150 bilhões, quase 10% do PIB.


Mas é quando se adiciona o custo da intermediação financeira à taxa Selic que saltam aos olhos os seus dramáticos impactos microeconômicos. Tratar a lucratividade dos bancos meramente como percentagem do spread torna nebuloso o entendimento do problema.


O spread deve ser analisado em valores absolutos para se ter uma real dimensão da questão. A comparação do spread praticado pelos bancos no Brasil com a média registrada em países emergentes mostra que a proporção é absurda. Em 2003, o spread médio foi de 43,7 pontos percentuais, enquanto naqueles países foi de 3,9 pontos percentuais. Os bancos se defendem argumentando que o problema reside nos elevados depósitos compulsórios, nos impostos e na falta de instrumentos jurídicos que permitam reduzir os riscos dos créditos.


Há um elemento de verdade nessa decomposição de custos da intermediação financeira. Contudo, ela escamoteia um fato fundamental no entendimento do problema, que é a questão da competitividade e da estrutura do mercado bancário. Os bancos brasileiros detêm o poder de definir seus preços. O setor atua de modo cooperativo, para não dizer cartelizado.


Em dez anos, o número de bancos operando no Brasil caiu de 246 para 164 (em 1964 existiam 336 bancos no país). Atualmente, os cinco maiores concentram 61% do volume de crédito, 60% dos ativos, 64% dos depósitos e 51% do patrimônio líquido.


Estudos da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban) e do Banco Central (BC) tentam minimizar o poder de mercado exercido pelos bancos. Segundo eles, a concentração no Brasil seria inferior à existente em países como Portugal, Coreia do Sul e Bélgica; igual à verificada no Japão, Reino Unido e Espanha e superior à observada nos Estados Unidos, Alemanha e Luxemburgo. Contudo, é um fato conhecido na literatura que o poder de oligopólio ou de monopólio nem sempre se traduz em ações de cartelização ou de monopolização. Contrariu sensu, a prática de ações limitadoras da concorrência pode guardar mais correlação com a permissividade da legislação antitruste do que com os índices de concentração industrial.


Em trabalho publicado pelo Banco Central, Economia bancária e crédito: avaliação dos quatro anos do projeto Juros e 'spread' bancário, afirma-se que "não existe fundamento na ideia de que os elevados spreads observados no país sejam decorrência da baixa concorrência do setor". Na decomposição do spread, tenta-se atribuir ao componente margem líquida do banco erros como a absorção de subsídios cruzados da fatia de crédito direcionada ao setor rural e habitacional e ao que se chamou de assimetrias de informação.


Em outra avaliação do BC, Revisitando a metodologia de decomposição do 'spread' bancário no Brasil, tenta-se aprimorar a metodologia de apuração do spread para se conhecer a parcela que fica com os bancos. No geral, o levantamento amplia o universo de bancos pesquisados e acrescenta no cálculo o impacto dos depósitos compulsórios, que na metodologia original é igual a zero. Na nova técnica, a margem líquida dos bancos é reduzida de 38,3 para 23,4%, como seria esperado, uma vez que passa a haver uma decomposição com um número maior de variáveis.


O fato é que os trabalhos não permitem concluir que os bancos não exercem poder na formação de seus preços. O país com o maior spread do mundo tem na margem dos bancos um componente que representa algo entre um terço e um quarto de seu total. Segundo levantamento do Banco Central, em 2002, a margem dos bancos de 38,3% representava a maior parcela do spread, seguida dos impostos (27,7%), dos custos administrativos (17,2%) e da inadimplência (16,7%).


É impossível afirmar que os bancos não exercem poder de definir seus preços quando se observa a evolução das tarifas cobradas pelos serviços que prestam. Os valores cobrados e a magnitude dos reajustes evidenciam o poder de definição dessas tarifas pelo setor.


Praticamente todos os grandes bancos cobrem seus gastos de pessoal apenas com a cobrança de taxas de serviços. Em 2003, o total arrecadado pelo sistema financeiro através de tarifas totalizou R$ 29,3 bilhões, e as despesas com pessoal somaram R$ 31,7 bilhões. No primeiro semestre de 2004, os valores foram R$ 16,4 bilhões e R$ 16,1 bilhões, respectivamente. Segundo o Procon, de setembro de 2003 a março de 2004, as tarifas bancárias foram reajustadas em 11,7% frente a um INPC de 3,97% no mesmo período. Além disso, levantamento realizado em 18 bancos revela que as receitas de serviços saltaram de R$ 2,5 bilhões em 1994 para R$ 21 bilhões em 2003 (crescimento de 740%). Isso põe em xeque o peso dos custos administrativos de 17,2% a 29,4% na composição do spread apurado pelo Banco Central.


Outra questão importante nesse debate da composição do spread são as elevadas provisões para cobrir eventual inadimplência. As perdas reais da carteira de empréstimos oscilam entre 4% e 5%, valores compatíveis com a experiência internacional. Em relação ao peso dos depósitos compulsórios, um foco de permanente crítica dos bancos ao governo, cumpre apontar que são parcialmente remunerados pelo Banco Central. Além disso, os depósitos em poder dos bancos são constituídos em maior parte de recursos livres que permitem grandes margens de ganho (55% dos depósitos à vista, 85% dos depósitos a prazo e 70% da caderneta de poupança).


Outro aspecto a mencionar é a comodidade encontrada pelos bancos nacionais no Brasil nas operações de tesouraria. A aplicação de recursos em títulos do governo é fonte segura de ganhos. O retorno é elevado e o risco é praticamente zero. A canalização de recursos para essas operações contribui para a baixa oferta de crédito na economia. As receitas acumuladas pelos bancos no primeiro semestre do ano passado com operações com títulos públicos somaram R$ 33,6 bilhões, montante equivalente a 70% das receitas geradas pelas operações de crédito no mesmo período.


Além disso, o setor bancário no Brasil é brindado com inúmeros privilégios. O processo de fusão entre instituições não é submetido ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A dívida mobiliária pública torna o governo refém de seus financiadores. As tarifas cobradas pelos serviços são abusivas e refletem a capacidade de formação de preços do setor, e seu poder de mercado permite impor ao mercado spread dez vezes maior do que os verificados em países no mesmo estágio de desenvolvimento.


Vale citar que no estudo produzido pela economista do Fundo Monetário Internacional (FMI) Agnés Belaisch, "Do Brazilian Banks Compete?" (working paper 03/113), conclui-se que, em função da estrutura de mercado, o sistema bancário brasileiro atua de modo oligopolista e que o setor não é eficiente.


Portanto, a estrutura do mercado bancário é o ponto de partida para se compreender o absurdo custo do crédito e a terrível transferência de renda em favor dos rentistas. Quem realmente produz e gera renda e emprego não pode continuar sendo punido.


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