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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Imposto Único fajuto

O governo adotou a unicidade tributária para as micro e pequenas empresas. Trata-se do Supersimples, um sistema que unifica impostos federais, estaduais e municipais em uma só base de cálculo e em apenas uma guia de arrecadação. Para as demais empresas, o governo acena com a criação de um “único imposto sobre valor agregado”, como reiterou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu discurso de posse, que unificaria o IPI, o ICMS, o ISS, o PIS/Cofins, a CPMF e possivelmente as contribuições previdenciárias ao INSS sobre folha de salários. Como se vê, a tese do imposto único venceu no Brasil. Mas, ainda que a filosofia de ação seja correta, a forma de sua aplicação é equivocada. No Supersimples, a unificação tomará por base de cálculo a receita bruta das empresas; e, no caso do imposto único sobre valor agregado, a base de cálculo será o faturamento. Nas duas situações, a base tributária continuará sendo declaratória, como é hoje. A arrecadação dependerá do faturamento registrado mediante a emissão de nota fiscal. E, como a alíquota deverá ser alta para manter a atual arrecadação, todos os vícios e distorções já verificados em nosso modelo tributário, como a sonegação e a evasão, serão perpetuados e contaminarão o novo modelo simplificado que se pretende implantar. Nesse sentido, por que não dar o passo final na direção de um modelo tributário universal, insonegável, menos iníquo e de mais baixo custo, adotando a movimentação financeira como base de cálculo desses novos modelos unificados e simplificados? A CPMF é um tributo em uso no Brasil há mais de 15 anos, sem nenhuma comprovação de haver causado distorções no funcionamento da economia. Porém os ferrenhos adeptos da ortodoxia e da “sabedoria convencional” (no sentido pejorativo que Galbraith lhe atribuiu) insistem em apontá-la como um tributo a ser eliminado, xingando- lhe de “tributo cumulativo” e de “em cascata”. O argumento contra a CPMF é que, por ser cumulativa, altera os preços relativos, causa distorções no processo produtivo e prejudica as exportações. Trata-se de uma discussão antiga, e recomendo aos que desejam tomar conhecimento desse debate que consultem o livro “Tributação no Brasil e o Imposto Único”, com especial referência às páginas 169 a 176, e entendam as razões que me levam a acreditar que todas as objeções foram devidamente refutadas. Acredito que a CPMF deva ser utilizada de forma mais nobre, como ponto de partida para fazer uma faxina no sistema tributário brasileiro. Se não for assim, deve ser imediatamente eliminada. A sua convivência com tributos convencionais é incompatível com a filosofia que levou à proposta de sua criação como um imposto único. Ser um imposto a mais contradiz a sua natureza.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

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