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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Horror sem fim

OURIEL Roubini, economista da Universidade de Nova York, afirmou na quinta-feira que a crise está longe do fim, e que o pânico justificaria o fechamento dos mercados mundiais por uma ou duas semanas para evitar o pior. As autoridades brasileiras afirmam que os fundamentos da economia são positivos. E são. É uma economia ainda fechada, com fluxo comercial de apenas 25% do PIB, com elevadas reservas, e com um mercado interno pujante, turbinado pela inédita redistribuição de renda nos últimos anos. Ademais, os recursos externos para investimentos diretos continuam fluindo, o sistema financeiro é pouco alavancado e as empresas continuam investindo. Contudo há canais de contaminação que já funcionam a pleno vapor, como a fuga de capital financeiro, potencializado pela aversão dos investidores externos ao risco, e sem correlação com a performance das empresas brasileiras. Em setembro, saiu das Bolsas US$ 1,9 bilhão; neste mês, quase US$ 4,5 bilhões até o momento. No ano, o saldo negativo do pregão é de R$ 21,7 bilhões. Aplicações em renda fixa ganharam US$ 630 milhões no mês passado, mas neste já perderam US$ 842 milhões. Em realidade, por obra de algumas barbeiragens dos norte-americanos, o mundo acha-se mergulhado no pânico. Não há mais racionalidade. Os mercados são regidos por notícias pontuais, causando oscilações gigantescas. Tais movimentos afetam as Bolsas brasileiras, na medida em que os investidores externos retiram seus capitais do país, pressionando o câmbio e criando um clima de contágio iminente.

Já estamos caindo no abismo? Creio que não. A crise financeira mundial desrespeita os fundamentos da economia brasileira. Portanto cabe ao governo adotar medidas que insulem o país do contágio. Nada justifica o que está ocorrendo com o preço dos ativos brasileiros. O governo deve adotar medidas emergenciais vigorosas em defesa da economia. Na medicina, a assepsia é essencial, mas numa emergência justifica-se uma traqueotomia salvadora executada com um canivete sujo. Há que se adotar medidas emergenciais para, mesmo que parcialmente, isolar a crise e preservar o crescimento interno. Em primeiro lugar, a política de juros deve ser vista como um instrumento defensivo contra perdas de capital externo, como fez a Dinamarca, que acaba de elevar seus juros básicos. Assim, seria importante manter um diferencial positivo expressivo. Portanto, cuidado com as pressões para sua rápida redução. Já que controlar os fluxos de capital poderia nos prejudicar no futuro (com impactos semelhantes ao de uma moratória), caberia ao governo oferecer polpudas vantagens (fiscais, burocráticas, creditícias etc.) à permanência de capitais externos na economia brasileira. Paralelamente, oferecer incentivos fiscais aos investidores domésticos para ocuparem os espaços deixados pelos estrangeiros, incentivando-os a adquirirem ações e outros ativos que, em sua maioria, são sólidos e estão baratos. Finalmente, já que os bancos privados resistem a ampliar suas linhas de crédito, mesmo com liquidez assegurada pelo governo, caberia uma política agressiva de ampliação do papel dos bancos públicos. Depósitos compulsórios liberados, porém, não distribuídos pelos bancos privados, seriam transferidos com vantagens para os bancos oficiais aplicarem. São medidas emergenciais, que se justificam em um ambiente de pânico e de irracionalidade.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

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