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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Remédios e venenos

A nova tributação sobre a entrada de capitais - IOF de 2% - joga areia nas engrenagens econômicas que tornaram o Brasil atraente para investidores externos. A medida é um furo ameaçador no dique formado pela combinação de metas de inflação com câmbio flutuante, que serviu como âncora anti-inflacionária e garantia de estabilidade e resistência a crises externas. A competitividade recém-construída pelo Brasil diante dos demais países emergentes depende não apenas dos bons resultados alcançados até agora, mas principalmente da expectativa de permanência e continuidade de políticas econômicas consistentes. A nova tributação, mesmo que tímida e com resultados inexpressivos, como tudo indica que ocorrerá, compromete seriamente a imagem e a credibilidade que o país vem experimentando em todo o mundo. A macroeconomia é um exercício de equilíbrio geral. Ao mexer uma pedra no tabuleiro econômico, toda a configuração do jogo se altera de forma correspondente, e em geral, imprevisível. Alardeia-se que capitais voláteis de curto prazo não contribuem para o esforço produtivo de uma economia, que eles só sugam rendimentos financeiros especulativos e que causam injustificada valorização cambial. É um erro. Eles cumprem a importante função de absorver riscos e de servir de contraparte em operações de hedge. Ao diluir riscos, eles contribuem positivamente para a produção e para um planejamento mais eficiente. Mesmo que sejam voláteis, ao longo do tempo eles formam um estoque crescente de capitais que financiam atividades econômicas internas. A qualquer momento haverá um saldo positivo de capitais de curto prazo estacionados no país. Com a nova tributação, parte deles deixará de entrar. A pressão pela valorização cambial poderá ser temporariamente abrandada. Mas há uma contra indicação: o estoque de capital permanente será reduzido. A expectativa de que a diminuição da entrada de investimentos de curto prazo contenha a excessiva valorização do real será realizada apenas no exato montante da perda do estoque permanente de capital, pois os recursos voláteis operam em ambas as direções. Há um trade-off, que será a perda de investimentos reais (a maior parte dos IPOs em bolsas foram com recursos externos) e a desaceleração do crescimento do PIB. Isso, por sua vez, atuará em sentido contrário aos efeitos expansionistas sobre a produção interna que se espera obter com os controles cambiais. Para cada ação há uma reação. Há outras vertentes a serem notadas. Se a tentativa de controlar a taxa de câmbio por meio da tributação der certo, a pressão inflacionária aumentará. Isso poderá resultar em menor queda ou até em elevação da taxa de juros interna. Novamente, se a justificativa da tributação sobre capitais externos for a de estimular a produção doméstica pela via da desvalorização cambial, ela será neutralizada pelas implicações de suas consequências. É difícil prever qual será o saldo final. E é bom lembrar que a administração cambial não pode conviver com a atual política de metas de inflação. Há alternativas para corrigir a excessiva valorização do real? Certamente. Uma delas seria estimular a manutenção no exterior de divisas geradas pelos exportadores, compensando-os, se necessário, pelo diferencial de juros por meio de um fundo lastreado por alguma imposição geral. Tal medida evitaria a internação de divisas e, portanto, aliviaria as pressões pela valorização cambial, mas sem desestimular o ingresso de investimentos externos. Outra alternativa seria conceder urgência à reforma tributária, eliminar os créditos de ICMS acumulados nas exportações, aperfeiçoar os mecanismos de desoneração de impostos e oferecer créditos e estímulos à busca de maior eficiência interna. Os custos de tais medidas poderiam ser cobertos por maior austeridade fiscal, considerada hoje uma necessidade inadiável para aumentar a poupança interna. Enfim, o problema existe. Mas é preciso cautela para que os remédios não se transformem em venenos.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho de São Paulo.

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