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  • Marcos Cintra - Revista Conjuntura Econômica

Reforma tributária: a escolha do menos ruim


Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia da Fundação Getulio Vargas.


O estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), intitulado "Addressing Base Erosion and Profit Shifting", expressa grande preocupação com a crescente perda de capacidade de arrecadação de impostos nas economias modernas. Os sofisticados mecanismos de planejamento tributário aproveitam lacunas normativas nos sistemas tributários nacionais, gerando evasão tributária e transferência de lucros e atividade econômica para países com tributação reduzida ou inexistente. A conclusão é que, se continuarem a utilizar os mesmos mecanismos tributários ortodoxos de hoje, os Estados nacionais comprometerão sua solvência econômico-financeira de forma lenta, porém certeira.


O mundo globalizado, comandado pela informatização, pela moeda eletrônica e pela digitalização da produção e do consumo, exige a adoção de novas e mais eficientes bases de cobrança de tributos. Não é mais possível imaginar que os mecanismos de exação tributária declaratórios, analógicos e dependentes de mecanismos físicos de fiscalização e auditoria, como ocorre hoje em praticamente todo o mundo, possam perdurar. O mais surpreendente é que muitos analistas, por desconhecimento ou por preguiçoso apego aos paradigmas convencionais, não reconhecem que os sistemas tributários tradicionais se mostram incapazes de atender às necessidades do mundo virtual e das novas tecnologias de produção, de comercialização e de movimentação de bens e serviços no mundo digital. Em vez de adotarem novas bases tributárias compatíveis com a era digital, se apegam a sucessivas exigências burocráticas de controle, de auditoria física e de obstrução do livre trânsito de bens e serviços para tentarem preservar a capacidade arrecadatória de seus governos.


Felizmente, o caminho para a superação desse trágico enredo não é desconhecido. Basta olhar ao próprio umbigo para verificar que o Brasil abriu o caminho da modernidade tributária nos anos 90 e, por 12 anos, até 2007, praticou notável inovação tributária sem qualquer contratempo, inconveniência ou contraindicação que recomende não voltar a trilhá-lo. Trata-se da movimentação financeira, uma base tributária que incorpora praticamente todas as formas tradicionais de arrecadação de impostos atualmente exploradas no mundo. Ela não é declaratória e utiliza os mesmos princípios tecnológicos usados hoje para evitar e/ou burlar o pagamento de impostos no mundo moderno: a informática.


Mesmo sendo uma base eficaz de exação tributária, a tributação sobre movimentação financeira continua sendo alvo de críticas infundadas. Um comentário recorrente é que esse tipo de tributo provocaria desintermediação bancária. No entanto, nos 12 anos de vigência do IPMF/CPMF no Brasil, os agentes econômicos jamais deixaram de utilizar os bancos, passando a manusear dinheiro em espécie. O fato é que, em um nível suave de taxação, a economia de imposto obtida com a consumação de negócios à margem do sistema bancário não compensa o custo do armazenamento e transporte de numerário, a insegurança, riscos de falsidade, ilegalidade de transações em moeda estrangeira, etc. Além disso, medidas como a sobretaxação de saques e depósitos em dinheiro e outras precauções dissuasivas, como a não validade jurídica de operações que ocorrem fora do sistema bancário nacional, desestimularão qualquer tentativa nesse sentido.


A crítica mais insistente dos adversários da tributação sobre movimentação financeira repousa sobre a cumulatividade que caracteriza esse tipo de imposto. O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é frequentemente a alternativa proposta por eles. É preciso insistir que, em matéria tributária, a escolha nunca se dá entre um sistema bom e outro ruim, mas sim entre um ruim e outro menos ruim. Opta-se por aquele que causa menor impacto/distorção sobre a atividade econômica. Nesse sentido, considerando pontos positivos e negativos, a movimentação financeira exibe um saldo favorável significativo quando comparado com modelos como o do IVA.


Cumpre lembrar que os defensores do IVA ignoram as condições que deveriam ser atendidas para que suas pretensões de eficiência e neutralidade sejam efetivamente realizadas. Em outras palavras, seus argumentos apenas se imporiam como verdadeiros com a aceitação da existência de mercados competitivos perfeitos, sabidamente uma abstração heurística sem qualquer aderência à realidade hodierna. De acordo com as teorias do "second best" e da "tributação ótima", não se pode afirmar a priori que um imposto cumulativo é menos eficiente que os não cumulativos. Simulações mostram que, para atingir uma meta de arrecadação, um imposto cumulativo com uma alíquota nominal relativamente baixa introduz menos distorções que um sistema convencional com tributos sobre valor agregado com alta alíquota. Por exemplo, um tributo sobre movimentação financeira com alíquota de 2,8% tem impacto máximo de 17,7% sobre os preços relativos de 128 setores analisados. Já no caso da tributação convencional sobre o valor agregado (ICMS, IPI, INSS patronal, PIS e Cofins), as distorções chegam a 64,1% para arrecadar o mesmo valor.


Vale citar que os IVAs comportam diversos regimes especiais em todos os lugares do mundo em que são praticados, o que lhes conferem graus apreciáveis de cumulatividade. O Brasil tem em uso uma série de tributos cumulativos, alguns são odiados, outros tolerados e outros ainda elogiados. A tributação sobre movimentação financeira tem vantagens operacionais evidentes, como a simplicidade e o baixo custo.


Por fim, os críticos da tributação sobre movimentação financeira levantam a questão dos riscos que a expansão das criptomoedas poderia implicar, ao substituírem as moedas nacionais. Sem dúvida, essa ameaça sobre a eficácia arrecadatória é real, mas ela também incide sobre qualquer sistema tributário, seja eletrônico ou analógico, cumulativo ou sobre valor agregado, declaratório ou lançado. Cabe às instituições monetárias mundiais lidarem com este problema emergente.


No mundo digital, é necessário utilizar ferramentas como o imposto eletrônico sobre a movimentação financeira. Os tributos convencionais, criados na era analógica, não serão capazes de evitar a generalizada evasão tributária e suas dramáticas consequências para o financiamento do Estado moderno.


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