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  • Marcos Cintra

Contabilidade destrutiva

O regime de metas de superavit primário foi um avanço para a gestão governamental brasileira. Contribuiu para impor um princípio fundamental no trato do dinheiro público, que é a responsabilidade fiscal. Foi determinante para melhorar a confiança dos investidores no país, o controle da dívida pública e a redução do risco Brasil apurado pelas agências internacionais.


Lamentavelmente, o Brasil vem arriscando a reputação de seriedade fiscal conquistada durante a década passada ao promover manobras contábeis para alcançar as metas de superavit primário apresentadas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Sem a menor desfaçatez, extravagâncias são praticadas para se obter o número que o governo deseja, valendo-se até mesmo da transformação de dívida em receita e da eliminação de despesas para melhorar os resultados.


Quando o governo aciona sua máquina de fazer superavit primário, gastos como os do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) são excluídos da apuração do saldo. Isso é uma despesa pública e, como tal, deveria ser abatida da arrecadação. É difícil imaginar um argumento convincente que explique esse tipo de manobra. No entanto, a chamada "contabilidade criativa" vai além ao transformar gastos e operações de endividamento em receita primária.


Outro ponto a ser destacado é a utilização de receitas de concessões na apuração do superavit primário. Recentemente, o governo anunciou que pretende utilizar essas possíveis entradas extraordinárias de recursos para melhorar o saldo primário. Julgo ser temeroso recorrer a esse expediente para financiar gastos correntes, pois essa prática pode ser tão ou mais prejudicial do que a "contabilidade criativa", potencializando desarranjos macroeconômicos e transferindo para governos e gerações futuras os custos de suas correções.


De um modo geral, as ações para mascarar as contas públicas poderiam ser classificadas como uma "contabilidade destrutiva". Segundo a consultoria Tendências, entre 2009 e 2012, o governo manipulou R$ 590 bilhões para obter o resultado desejado. As metas foram alcançadas, mas a realidade é outra. O Brasil não pode destruir a credibilidade fiscal alcançada a duras penas. É necessário manter uma meta fiscal crível. É preferível o governo definir um superavit primário menor que os atuais 2,3% do que insistir em subterfúgios para alcançá-lo.

Cumpre dizer que até o Banco Central resolveu mudar o indicador fiscal em seus modelos econométricos. No Relatório de Inflação de junho de 2013, o BC revela que não vai mais utilizar o superavit primário consolidado do setor público para fazer projeções. A nova variável fiscal será o superavit primário estrutural, que exclui o efeito de receitas e despesas extraordinárias, permitindo uma melhor avaliação das ações discricionárias do governo.


A frouxidão fiscal e as invenções do governo na apresentação das contas públicas preocupam, pois a tendência é que, com a proximidade das eleições, a gastança seja maior. Se a irresponsabilidade fiscal continuar dando as cartas, os prejuízos para o país em termos de crescimento e estabilidade serão incalculáveis.

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