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  • Marcos Cintra

Frouxidão fiscal

O governo cogita mexer nas regras fiscais. A intenção é descontar da meta fiscal parte da queda da arrecadação de impostos em anos de baixo crescimento do PIB. A mudança cria um sistema que poderá gerar déficits em caso de perda de receita. O relaxamento da política fiscal que o governo pretende deve ser visto com muita cautela, já que isso pode ser mais um ingrediente para a crise. Pode aprofundar a instabilidade econômica do país.


A credibilidade fiscal foi conquistada a duras penas no Brasil a partir do final dos anos 90 e deu sustentação para o processo de estabilidade econômica e de crescimento do PIB. A obtenção de superávits primários foi fundamental para isso. Porém, nos últimos anos ocorreram manipulações orçamentárias e mudanças de regras que abalaram a confiança dos agentes econômicos e contribuíram para gerar a crise econômica que o país atravessa.


O regime de superávit primário foi um avanço para a gestão macroeconômica brasileira. Adotado em 1999, o sistema contribuiu para impor um princípio fundamental no trato do dinheiro público, que é a responsabilidade fiscal. Foi determinante para melhorar a confiança dos investidores no país, o controle da dívida pública e a redução do risco Brasil apurado pelas agências internacionais.


Esse pilar da política macro brasileira, fundamento de peso relevante para o forte crescimento econômico entre 2004 e 2008, começou a ser destruído em 2009 quando os gastos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) puderam ser excluídos da apuração do saldo fiscal. Quer queira ou não, essa é uma despesa pública e como tal deveria ser considerada no cálculo do resultado.


A retirada dos gastos do PAC foi apenas o começo do que se convencionou chamar de contabilidade criativa. As manobras orçamentárias para produzir os números que o governo desejava foram pródigas e contemplaram medidas como a antecipação de dividendos de estatais; a obtenção de receitas extraordinárias, recursos que entram no caixa em um período e que não se repetem depois; e as conhecidas "pedaladas fiscais".


Além disso, as manipulações envolveram alterações de regras inicialmente definidas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), como redução da meta e a desobrigação da União em compensar a meta não alcançada por estados e municípios.


As "mágicas" orçamentárias do governo destruíram a credibilidade fiscal alcançada com muito sacrifício. É necessário voltar a manter uma meta orçamentária crível e regras claras e estáveis. A desconfiança e a incerteza elevam os riscos na economia e contribuem para adiar investimentos. A frouxidão fiscal e as invenções do governo em relação às contas públicas preocupam. Se a irresponsabilidade fiscal continuar dando as cartas, os prejuízos serão crescentes para o país em termos de crescimento e estabilidade.

 

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único. Atualmente, é Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.



Publicado no Jornal A Gazeta Regional - Caçapava: 26/02/2016



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