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  • Marcos Cintra

Jogo da informática

Apesar de todas as expectativas em contrário, a reunião do Gatt ocorrida no Uruguai encerrou-se sem maiores fraturas no relacionamento entre países ricos e os em desenvolvimento. Alguns problemas foram diplomaticamente evitados, tais como a questão dos subsídios agrícolas concedidos aos produtores europeus; outros, como a inclusão de serviços e fluxos de capital no âmbito da regulamentação do Gatt, foram convenientemente transferidos para outro "round" de negociações, no ano que vem.


Fica claro, contudo, que os rumos que tomam as discussões sobre comércio e sobre fluxos de capitais entre países distanciam-se cada vez mais dos dogmas tradicionais baseados nas vantagens comparativas e na resultante especialização internacional na produção. O evidente distanciamento entre os pressupostos teóricos que justificariam a divisão internacional do trabalho, e a realidade das economias modernas, não deixa dúvidas sobre as óbvias limitações dos resultados tirados daqueles modelos. As distorções nos preços dos atores, a rigidez nos salários, externalidades, e o grau de concentração em muitos dos principais setores exportadores do mundo mostram que os fluxos de comércio não mais comportam o disciplinamento imposto pelas regras do mercado livre; pelo contrário, transformam-se, com maior intensidade, em processos negociados, onde possivelmente a teoria dos jogos assume maior preponderância do que os paradigmas clássicos da teoria do comércio internacional.


O setor de informática no Brasil é um claro exemplo de como a avaliação de externalidades potencialmente disponíveis poderia justificar a adoção de medidas altamente protecionistas. Por outro lado, o custo decorrente do fechamento do mercado interno à concorrência externa é elevado, e precisa ser mensurado e comparado aos ganhos presumidos pela política de reserva de mercado.


A argumentação a favor da reserva vai além da tradicional proteção à indústria nascente. Num setor de alta tecnologia, não basta impedir a entrada de concorrentes para viabilizar um processo de aprendizado. Não basta produzir eficientemente; é preciso aprender a inovar, a introduzir modificações e aperfeiçoamentos tecnológicos. Nisto, a proteção à indústria doméstica é insuficiente, pois não garante a escala de produção exigida para pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Basta lembrar que nos EUA, dez anos atrás, os gastos nesta área chegaram a US$ 2 bilhões (somente a IBM gastou US$ vinte bilhão); este montante representa, atualmente, o faturamento total da indústria de computadores no Brasil.


Os interesses envolvidos na questão da informática no Brasil, tanto internos quanto externos, são grandes e contraditórios. A resultante destas pendências não irá refletir conclusões calcadas nos pressupostos clássicos da teoria do comércio internacional; antes, dependerá fundamentalmente do peso dos interesses em jogo, e surgirá a partir de um processo de negociação, onde alguns ganharão em detrimento de outros.



MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, Doutor pela Universidade de Harvard (EUA), chefe do departamento de Economia da Fundação Getulio Vargas (SP) e consultor de Economia desta Folha.

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