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  • Marcos Cintra

Limites no ajuste do setor privado

O impacto do congelamento de preços do Plano Cruzado foi mais severo no setor público do que no setor privado. Diferentemente do que ocorreu na Argentina, onde houve uma correção de preços antes da adoção das medidas de choque, as tarifas e preços no setor público brasileiro estavam defasados, agravando ainda mais os desequilíbrios orçamentários.


No entanto, essas dificuldades já existiam há alguns anos. O setor público como um todo tem apresentado taxas de poupança negativas desde 1983. A poupança do setor público é definida como a diferença entre as receitas correntes e os gastos correntes. De acordo com dados divulgados pelo Morgan Guaranty Trust de Nova York, o setor público reduziu significativamente sua poupança, tornando-se negativa em mais de 3% do Produto Nacional Bruto em 1985. Por outro lado, o setor privado aumentou suas taxas de poupança em cerca de 50%, passando de 13,6% do PNB em 1980 para 20% no ano passado.


Além disso, é importante observar que o setor privado não apenas compensou a queda e a posterior poupança negativa do governo, mas também conseguiu compensar a redução da poupança externa, que caiu de 5,1% do PNB em 1979/80 para menos de 1% no ano passado. Ao mesmo tempo, o financiamento interno do déficit público dependeu cada vez mais da extração de recursos do setor privado. Enquanto nos anos de 1980/81 o governo captou 24,3% da expansão do crédito interno concedido pelas instituições financeiras, essa relação aumentou para 30,3% nos anos de 1984/85. Isso evidencia o deslocamento sofrido pelo setor privado no financiamento das operações governamentais.


Enquanto nos primeiros anos da década de oitenta, 22% do déficit público foram financiados pela emissão de títulos da dívida pública (com 73% provenientes do sistema bancário e 5% de outras formas de financiamento), nos anos de 1984/85, a participação da dívida mobiliária havia aumentado para 36%, com reduções nas demais formas de financiamento.


Isso reflete o considerável esforço do setor privado para se ajustar às condições impostas pela continuidade dos déficits governamentais. Como resultado, tanto os investimentos produtivos privados quanto os investimentos do setor estatal necessários para manter o crescimento da base industrial brasileira sofreram uma forte contração, representando o desafio atual na sustentação do crescimento econômico brasileiro nos próximos anos.


Nessas circunstâncias, não se pode esperar que haja espaço para a presença de déficits públicos volumosos enquanto se busca retomar os investimentos privados. No entanto, algum alívio pode ser encontrado na entrada de capitais estrangeiros, e nesse sentido, a renegociação da dívida externa pode mais uma vez ser uma variável estratégica na condução da política econômica brasileira.




Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Doutor em Economia pela Universidade de Harvard, professor da FGV/SP e Consultor de Economia desta Folha.

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