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  • Marcos Cintra

Quebra-galho na desoneração

O governo anunciou a redução de 20% para os setores de confecções, calçados, móveis e softwares na contribuição patronal para o INSS. Em contrapartida, será aplicada uma alíquota de pelo menos 1,5% sobre o faturamento desses segmentos, e a eventual perda de receita previdenciária será coberta com recursos do Tesouro. Esta medida, inserida no programa chamado Brasil Maior, foi considerada um piloto para uma possível desoneração da folha de pagamentos em 2012.


Foi frustrante constatar que, após a expectativa gerada em torno de uma ampla desoneração da folha de salários ainda este ano, o que foi apresentado foi apenas uma solução temporária que servirá como teste para retomar o debate no próximo ano. A medida representa um corte insignificante no elevado custo trabalhista do país, impactando apenas alguns setores fragilizados pela valorização do câmbio. Além disso, a base alternativa para cobrir a redução do INSS, o faturamento, não leva em consideração sua vulnerabilidade à sonegação.


As principais centrais sindicais protestaram em relação à direção da desoneração da folha de pagamentos, alegando que não foram consultadas sobre os projetos em discussão. Algumas das preocupações dos trabalhadores estão destacadas na Nota Técnica nº 101 - Julho de 2011 - do Dieese (Encargos sociais e desoneração da folha de pagamentos - revisitando uma antiga polêmica). A entidade sindical menciona a necessidade de preservação da receita da Previdência, a criação de empregos "decentes" e a apropriação pela sociedade dos efeitos do aumento da competitividade.


O temor relacionado à receita previdenciária é compreensível, pois a sociedade tem interesse na sustentabilidade do sistema previdenciário. Qualquer medida que gere dúvidas sobre a saúde financeira do INSS é vista com desconfiança pelos participantes do sistema. Daí a resistência das principais lideranças sindicais em relação à desoneração da folha.


A escolha do faturamento para compensar a redução do INSS patronal é arriscada, pois mantém o sistema vulnerável à evasão fiscal. Além disso, essa base é extremamente volátil em tempos de crise econômica. O governo pode ter anunciado que pretende utilizar recursos do Tesouro para suprir uma possível perda de arrecadação visando amenizar os protestos dos sindicalistas.


A alternativa para proporcionar receita estável para a Previdência, ampliar a competitividade da economia e gerar empregos formais é adotar a proposta da Confederação Nacional de Serviços (CNS), que prevê a substituição total do INSS patronal por um tributo de 0,57% sobre as movimentações financeiras. Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), essa medida reduziria o custo das empresas, melhorando a capacidade competitiva do país, com crescimento adicional de 0,84% no PIB e no nível de emprego, e expansão de 0,95% na demanda total.


As centrais sindicais afirmam que vão analisar detalhadamente as medidas anunciadas. Seria apropriado que, na questão da desoneração da folha, elas avaliassem tecnicamente o projeto da CNS para que, em 2012, o país conte com uma alternativa que atenda efetivamente às necessidades dos trabalhadores e da sociedade em geral.

 

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. www.marcoscintra.org

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