top of page
  • Marcos Cintra

As virtudes do imposto sobre movimentação financeira que o Brasil não quer ver

O tributo sobre transações financeiras tem sido um ponto de debate intenso, e por vezes emotivo, desde inícios da década de 90 quando propus a implantação de um Imposto Único no país, no qual sugeri a implantação deste modelo tributário no país.


Ao longo dos anos seguintes, o Brasil se destacou por ter abordado de maneira rica, abrangente e bem-sucedida essa forma específica de taxação, que foi a CPMF, utilizada por doze anos entre 1992 e 2007,  e surpreendentemente  apontada como vilã, a meu ver sem justificativas válidas.


O imposto sobre movimentação ou transação financeira (genericamente chamado de IMT ou ITF) materializou-se no IPMF, em 1992. Foi posteriormente ressuscitado na forma da CPMF em 1996 por Adib Jatene para financiar a saúde, constituindo, portanto, um excelente laboratório experimental que desmentiu categoricamente a maioria dos preconceitos contrários a ele, e consolidou uma doutrina administrativa na Receita Federal favorável aos méritos dessa incidência.


Estudos efetuados na época pela RFB têm dados surpreendentes a apresentar: contrariando as suspeitas usuais, o impacto das contribuições cumulativas não parece ser regressivo, mas sim, uniformemente proporcional. Ou seja, se assemelha ao efeito esperado de um IVA ideal. Ademais, a beleza dessa contribuição está em sua simplicidade, na modicidade de suas alíquotas e na sua resistência à sonegação.


Portanto, mesmo que sejam instrumentos cumulativos, no final das contas, os IMF’s se comportam de maneira menos distorciva que os tributos mais ‘sofisticados’, como os IVA’s aplicados em condições reais, geralmente com altas alíquotas, complexos, heterogêneos e cheios de oportunidades para a evasão.


Muitos juristas argumentam que não seria viável tributar a movimentação financeira, pois ela não representa um fato econômico tangível e, portanto, não poderia constituir uma base tributável válida. No entanto, uma análise histórica das práticas tributárias evidencia que nenhum país jamais tributou somente o que seria considerado estritamente uma substância econômica. Sempre foi, e continua sendo, característica primordial da técnica tributária, impor tributos a partir de sinais de capacidade contributiva que não são necessariamente os mesmos que magnitudes econômicas puras.


Nenhum país consegue taxar apenas o lucro, a renda líquida ou o valor adicionado. É difícil calcular com precisão esses valores, principalmente para grandes empresas. Tornam-se necessárias regras contábeis e simplificações que acabam causando distorções econômicas sérias. Coisas como lucro presumido, Simples, substituição tributária ou receita bruta, que são muito usadas, também não representam corretamente um fato econômico concreto. Elas podem ser até mais imprecisas do que a movimentação financeira como expressão de capacidade contributiva.


Muitas críticas apressadas à tributação das movimentações financeiras simplesmente ignoram essa realidade e estão impregnadas de uma visão utópica da tributação da renda líquida e do valor agregado, a qual não existe concretamente, em estado puro, em lugar algum.


Preconizo, portanto, o uso de um IMF como elemento coadjuvante e complementar na formatação de um novo sistema tributário moderno e digital, sobretudo porque o Brasil já experimentou e inovou nesta forma de tributação com enorme sucesso durante doze anos.


Durante a década em que vigorou a CPMF, o Banco Central publicou alguns estudos com o objetivo de analisar o impacto econômico do tributo. À época, a Receita Federal do Brasil rebateu a manifestação do BC, argumentando que eles se baseavam em hipóteses fortes, de difícil aceitação em estudos empíricos de políticas públicas, como pretendiam ser, e que chegavam à fantasiosa alegação de que a CPMF, ao onerar transações bancárias, poderia estimular o uso da moeda manual e a remonetização da economia.


Resumindo, a Receita Federal afirma que a CPMF foi um “tributo altamente produtivo, entendido como de alta relação arrecadação/alíquota”, e menciona o estudo do FMI (IMF 1) que afirma “in the case of Brazil, in particular, a high revenue yield has been sustained over several years“. Segundo os estudos, a produtividade do IMF brasileiro, medida pela proporção arrecadação/PIB em relação à alíquota, manteve-se praticamente estável durante o período de sua aplicação, tendo atingido os valores de 4% em 1997, 4,50%  em 1998, 3,79% em 1999, e 3,96%  em 2000. Trata-se de produtividade alta e sustentada ao longo do período de quatro anos abrangido pelo estudo.


Aos interessados neste tema, sugiro fortemente que consultem as duas avaliações conflitantes então publicadas pelo Banco Central ( BC 1BC 2 ) e pela Receita Federal ( RFB 1, RFB 2 e RFB 3 ) sobre a experiência da CPMF no Brasil.


O que se pode concluir é que tributos como as contribuições sobre a receita bruta e sobre as movimentações financeiras, sendo mais simples, mais módicas em suas alíquotas e menos sonegáveis, acabam produzindo efeitos econômicos menos distorcivos do que tributos sofisticados de altas alíquotas sobre o valor agregado ou sobre a renda líquida, que são complexos, heterogêneos e altamente suscetíveis à evasão, gerando alterações não intencionais e incontroláveis nos preços relativos, pois não há nada tão imprevisível e incontrolável como a sonegação.


Em suma, o debate que já dura décadas entre defensores e opositores ao modelo tributário do IMF parece ter levado a algumas conclusões importantes.


Como pudemos demonstrar ao longo deste texto, algumas das críticas mostraram-se desprovidas de razão, e outras foram contestadas pelos fatos. Destaca-se entre elas o temor infundado dos que previam a remonetização da economia, a fuga dos depositantes do sistema bancário, a verticalização do processo produtivo, a impossibilidade de métodos de desoneração tributária e o aprofundamento da iniquidade. Ao mesmo tempo, algumas das características dos impostos sobre movimentação financeira, como a sua insonegabilidade, simplicidade e produtividade, tornaram-se amplamente reconhecidas até mesmo pelos adversários de primeira hora.


Perdura, contudo, uma derradeira crítica à tributação cumulativa sobre a movimentação financeira: a de que esta forma de tributação altera os preços relativos da economia, risco que alegadamente seria minimizado pelo uso da tributação sobre valor agregado.


Esta derradeira crítica será alvo, na próxima semana, de último texto desta série de cinco artigos veiculada pela Orbis News sobre a premente reforma da previdência.


Com estas observações, esperamos estar avançando no entendimento da última questão ainda pendente no debate sobre o IMF: a de que não se pode afirmar a priori se a cumulatividade, ou o valor adicionado, introduz maiores distorções nos preços relativos de uma economia.


Obs: deixo para os eventuais interessados algumas recomendações de leituras que venho publicando ao longo dos anos, e que avançam em maior profundidade nos temas aqui mencionados.


Topo
bottom of page