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Marcos Cintra

Os déficits e o futuro do Banco Nacional da Habitação

O anúncio de que o déficit do BNH está estimado, hoje, entre Cr$ 100 bilhões e Cr$ 180 bilhões não deve surpreender os que acompanham a evolução da política habitacional brasileira. Desde seus primórdios, a Habitação do Sistema Financeiro da Habitação tem sido a de favorecer o mutuário por todos os meios possíveis.


Para tanto, os critérios de reajustes das prestações já foram alterados inúmeras vezes, inicialmente, durante períodos em que os salários elevaram-se mais rapidamente que as ORTNs, o índice de correção salarial foi trocado pela correção monetária; retornou-se, posteriormente, aos critérios anteriores, quando os fatos se inverteram. Subsídios das mais variadas formas têm sido concedidos aos mutuários, e ainda no ano passado, para aqueles que concordaram em converter seis contratos anuais para semestrais, ocorreu o reajuste das prestações pela metade do índice de inflação. Em cada uma dessas alterações acumularam-se déficits potenciais entre as contas ativas e passivas do sistema.


A própria aceleração da inflação nos últimos dez anos agravou este descompasso estrutural, já que os saldos devedores eram reajustados trimestralmente, enquanto que as prestações só o eram em períodos semestrais ou anuais. A cada pagamento, os mutuários amortizavam parcelas decrescentes da dívida, e acumulavam saldos residuais cada vez mais elevados; aumentavam-se as obrigações do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS).


Compensação ou fortalecimento do Fundo de Compensação de Variações Salariais pelo acréscimo das contribuições das empresas de crédito imobiliário, construtores, incorporadores, entre outros. Parece-nos uma situação muito parecida com a do cão que pretende se alimentar comendo o próprio rabo, pois à medida em que uma maior parcela de recursos do setor é carregada ao FCVS, inviabiliza-se a razão de ser do SFH, que é o de prover moradias para a população de baixa renda. Configura-se assim duas alternativas: suprir o FCVS com recursos do próprio sistema, podendo isto comprometer seus objetivos sociais, ou então, garantir a continuidade e aperfeiçoamento das funções do SFH, ainda que somente com o aporte financeiro, a fundo perdido, do Tesouro Nacional.


A transferência de recursos das cadernetas de poupança para o âmbito do Banco Central, medida recentemente adotada pelo governo, já representa sensível perda de potência dos Programas habitacionais do SFH; maior drenagem de recursos irá acarretar inevitável necessidade de ações compensatórias, permitindo-se aos agentes financeiros operarem nas chamadas faixas especiais, com taxas de juros vantajosas para quem pode pagar.


A decretação das reformas econômicas de fevereiro último não eliminam o descompasso entre ativos e passivos do SFH, pois as prestações estarão congeladas por um ano, e os recursos financeiros depositados no sistema - cadernetas de poupança e o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço - serão corrigidos pela inflação do período. Por outro lado, a drástica queda no ímpeto inflacionário que ocorrerá pelo efeito das reformas, poderá também reduzir o crescimento dos saldos residuais dos contratos do BNH.


Em realidade poderá haver até mesmo uma queda absoluta, uma vez que está embutido nas prestações um fator de correção - o Coeficiente da Equiparação Salarial - ajustado para suportar índices de inflação em torno de 40%, para prestações corrigidas anualmente. Feitas as contas, contudo, estima-se que o déficit poderá chegar a Cr$ 100 bilhões, distribuídas ao longo do período de vencimento dos contratos. Trata-se de um montante assustador, que pode comprometer as possibilidades de obtenção do equilíbrio orçamentário do governo. A magnitude do problema fica mais evidente ao atentar-se para o fato de que o déficit global do setor público em 1985 situou-se em mais de Cr$ 25 bilhões. Apesar das medidas que vêm sendo mencionadas, a solução da crise se esvai, ao que parece de forma remota, pelas dificuldades políticas enfrentadas pelo governo, a tendência observada nos meses de janeiro e fevereiro, quando captaram-se liquidamente Cr$ 16 bilhões e Cr$ 6 bilhões respectivamente.


Os fatos conjuram para um desenlace traumatizante não somente para o BNH, com profundos reflexos não apenas no déficit público mas também na continuidade da política social que o presidente Sarney deseja desencadear. E o pior é que todo esse processo de erros e desacertos acabará em favor dos atuais mutuários, que serão beneficiados com um dos mais vultosos e regressivos processos de transferência de renda de que se tem notícia na história brasileira. Não há como evitar que as mazelas do passado se transformem em pesados encargos para o orçamento público. Isto terá de ser absorvido da melhor forma possível, mesmo porque trata-se de um déficit potencial que só será realizado por ocasião dos vencimentos de cada contrato.


O importante é que os mecanismos institucionais de construção de moradias de interesse social sejam fortalecidos, e que se formule no Brasil uma verdadeira política habitacional. Isto deverá exigir profundas reformas e mudanças estruturais.

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