A questão levantada pela Folha exige uma resposta qualificada, na medida em que é preciso um ambiente econômico dentro do qual o plano de choque será aplicado.
Inicialmente, cabe indagar sobre as reais probabilidades de sucesso do programa. A "necessidade" de sua implementação aumenta na proporção direta de suas possibilidades de sucesso. Projetos com as características reformistas do pacote baixado pelo governo brasileiro têm, infelizmente, elevado grau de risco, denotando assim que o ímpeto inflacionário poderá persistir em cruzados. Neste sentido, não haveria necessidade de um plano de choque, mas sim de medidas econômicas preparatórias capazes de assegurar o sucesso do programa a ser posteriormente implementado.
Entre as várias causas que poderão comprometer o sucesso do plano de estabilização, gostaria de destacar três. Duas delas referem-se à não eliminação de causas estruturais do processo inflacionário, a saber, as reivindicações por elevados aumentos de salários reais e a incapacidade da administração em controlar os déficits públicos. A terceira relaciona-se à factibilidade material das medidas propostas.
As negociações entre governo e trabalhadores estão longe de terem chegado a um ponto em que as lideranças sindicais aceitem, sem maiores reações, a nova política salarial. Na realidade, o governo concede aos trabalhadores aumentos reais de salários médios além do que seria suportável pelo setor produtivo, agravado, este último, pelo rígido congelamento de preços. O resultado será uma forte compressão das margens de lucro do setor, o que resultará em pressões recessionistas inevitáveis. Por outro lado, os aumentos reais de salários poderão ser considerados insuficientes pelos trabalhadores, não obstante as garantias oferecidas pela escala móvel e pelo seguro desemprego.
Quanto ao déficit público, nota-se que o equilíbrio orçamentário observado nos últimos dois meses está longe de poder ser considerado uma conquista definitiva. O déficit foi financiado pela elevação da carga tributária, mas poderá, em contrapartida, gerar fortes pressões contracionistas no setor privado da economia, iniciando assim um novo ciclo de agravamento das contas governamentais de forma indolor.
Essas duas circunstâncias desmentem as declarações do ministro João Sayad ao afirmar na entrevista de ontem que não é preciso alterar a estrutura do sistema econômico (sendo necessário apenas eliminar a inflação inercial) já que, segundo ele, as pressões inflacionárias teriam sido extirpadas anteriormente.
O atual plano econômico envolve riscos que poderiam ter sido reduzidos numa fase preparatória. Nota-se, contudo, que foi deflagrado prematuramente, e nesse sentido, a oportunidade de sua adoção reduz-se sensivelmente.