Como ocorreu por ocasião da decretação do Cruzado 1, discute-se acaloradamente os efeitos do plano Bresser nos salários reais. Segundo estudos do Dieese, divulgados na sexta-feira, as perdas desde março de 1986 já acumulam 38%.
Este número não diverge significativamente da estimativa que dois colegas da FGV de São Paulo e eu fizemos, e que mostra que a perda foi de 32% desde janeiro/87 (quando os salários reais da categoria que estudamos eram aproximadamente iguais aos de março/86). A diferença pode ser imediatamente explicada pela escolha do deflator. Enquanto o Dieese utilizou seu próprio índice de custo de vida, em nosso estudo aplicamos os índices oficiais de inflação. Até aqui, portanto, não existem divergências.
Também não parece haver discordância acerca dos métodos de cálculo dos salários reais médios. Supondo-se uma inflação constante durante um determinado período - que pode ser um mês - o cálculo é feito somando-se o salário nominal no início do período com este mesmo valor deflacionado pela inflação acumulada do mês (que dá o salário real no fim do período), e dividindo-se tudo por dois. Obviamente, aos salários nominais são aplicadas as regras de correção salarial.
A partir daqui, porém, começam a surgir discordâncias. A primeira se refere às previsões sobre a inflação futura. Nesta questão, não há como, a priori, criticar qualquer projeção, desde que minimamente crível. Assim, formulamos três hipóteses. Uma otimista, com a inflação mantendo-se em torno de 5% nos próximos meses; uma segunda, pessimista, na qual a inflação entra numa trajetória crescente atinge 10% em outubro e flutua em torno de 15% nos meses seguintes; e uma terceira, intermediária, com inflação baixa (3%) durante três meses e passando a aumentar até 10% em janeiro do ano que vem.
Feitas as simulações, surgem algumas constatações. A primeira se refere ao fato de que as perdas salariais causadas pela combinação gatilho/alta inflação já ocorreram. Sem dúvida, taxas de inflação nos patamares explosivos em que se encontravam sempre causarão perdas aos assalariados, pelo simples fato de que a inflação é um processo contínuo de corrosão do poder aquisitivo, ao passo que os reajustes salariais são feitos de forma discontinua. Somente se os salários forem corrigidos, pagos e gastos com grande frequência (diariamente, por exemplo) os salários reais serão mantidos constantes. Isto mostra claramente que a melhor maneira de evitar perdas de poder aquisitivo dos salários é pelo combate direto ao processo inflacionário. Não existe método praticável de correção salarial que evite perdas se a inflação é alta.
É evidente que é desejável e justo que as perdas acumuladas no passado sejam repostas. Mas cabe indagar se esta decisão não teria como efeito dificultar a queda da inflação. Se se retira com uma mão mais do que é dado com a outra, é preciso parar de retirar, para tornar possível repor as perdas do passado. Somente uma queda brusca da inflação é capaz de conseguir este resultado.
Se a política de estabilização não obtiver resultados positivos, não há como evitar novas quedas de salários reais e a recessão, quaisquer que sejam as reposições ou os métodos de correção utilizados. A prioridade deve ser estancar a inflação, e qualquer medida que impeça ou dificulte a obtenção desta meta deve ser imediatamente rejeitada pelos trabalhadores.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é Doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.