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Marcos Cintra

O ressurgimento do institucionalismo histórico e a importância da abordagem do produto principal (staple hypothesis)

Não me recordo de ter assistido a uma premiação do Nobel em economia que tenha suscitado tanto impacto na mídia, na população em geral e entre economistas quanto a de 2024. Apesar de conhecida, a abordagem institucionalista de desenvolvimento econômico ganhou novo e redobrado impulso com a concessão do Prêmio Nobel de Economia de 2024 a Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson. Esses autores, com obras seminais como Por que as nações fracassam e outras, trouxeram as instituições de volta ao centro do debate sobre as causas do desenvolvimento e subdesenvolvimento econômico, buscando evidências empíricas quantificáveis para comprová-las.


Segundo eles, as nações se desenvolvem na medida em que possuam as instituições corretas, capazes de incluir toda a população no processo de desenvolvimento. Nesta grand unified theory of development, que segundo Noah Smith valeu aos autores o Prêmio Nobel,1 os benefícios do desenvolvimento se distribuem entre toda a sociedade, gerando um ambiente político, social, tecnológico e econômico propício ao crescimento equilibrado e sustentável de longo prazo.


A premiação encontrou um ambiente favorável a discussões, em parte pela popularidade alcançada pelos livros e artigos que os premiados publicaram, que se tornaram best-sellers. Mas também surgiram críticas e comentários sobre a falta de um “salto cognitivo” significativo que os qualificasse à premiação, malgrados os avanços obtidos, a alta qualidade das pesquisas e a volumosa produção dos três agraciados, visto que outras premiações já haviam sido concedidas no passado a economistas da mesma linha de pensamento.


Questões não respondidas

A literatura sobre as causas do desenvolvimento econômico continua repleta de questões não respondidas, como por exemplo a definição de “instituições”, como diferenciá-las de “cultura” ou de “capital humano”. Como surgem essas instituições: são construídas ou herdadas; se construídas, quais são seus fundamentos essenciais e como foram geradas? Se herdadas, até que O ressurgimento do institucionalismo histórico e a importância da abordagem do produto principal (staple hypothesis) ponto o caldo cultural dentro do qual elas surgiram é determinante na sua formação, sobrevivência e legitimação no comportamento de uma sociedade? Ou foram transferidas mediante processos migratórios cujos partícipes já possuem instituições e cultura inerentes a seus locais de origem? Seriam as boas instituições “dádivas que recebemos de uma herança social ou cultural específica”2 inalcançáveis por sociedades menos afortunadas? Ou as instituições são inerentes à cultura e normas de um povo?


Essas abordagens institucionais históricas dificilmente podem ser avaliadas e testadas com evidências empíricas, tornando o uso de regressões em painéis de difícil validação estatística. Não obstante, os agraciados de 2024 buscam na validação empírica a comprovação de sua hipótese fundamental: institutions matter.


Autores como Douglass North já haviam sido laureados com o Nobel no final do século passado por enfatizar o papel crucial das instituições – as “regras do jogo” formais e informais que moldam os incentivos e restrições enfrentados pelos agentes econômicos. North argumentou que as instituições são determinantes fundamentais da performance econômica de longo prazo. E que a disponibilidade dos tradicionais “fatores de produção” como capital, mão de obra, recursos naturais e tecnologia produtiva e organizacional, ainda que importantes, não seriam mais do que fatores predisponentes ao desenvolvimento, e não poderiam ser classificados como suas causas eficientes.


Nesse sentido, a identificação das instituições como causas imediatas do desenvolvimento, por si só um avanço significativo na compreensão do fenômeno, deixa em aberto a questão de como surgem as boas e inclusivas instituições. Como analisar não apenas os efeitos positivos das boas instituições no desenvolvimento, mas sobretudo dar um passo adiante para compreender e empreender o bom desenvolvimento institucional. Quais os seus fatores propulsores e limitadores? O que determina ou condiciona o processo de construção institucional e sobretudo comportamental?


Particularmente desafiadora à tese dos agraciados com o Nobel de 2024, é a posição de Deirdre McCloskey4 que atribui a eles a postura de que “material incentives, not ideas, run the historical show”, que “economies and polities only succeed when the right structures are imposed from above by a (properly shackled) Leviathan, and that limited-government liberalism does´t work”; ou então, que “they follow Hobbes in claiming that modernity requires a massive sea monster of a centralized State”.


São questões e indagações que seguem naturalmente da identificação de fatores causais do desenvolvimento, como as instituições, mas que ainda deixam lacunas para transformar os resultados da análise em políticas públicas e propostas de ação para dar início ao processo de crescimento econômico inclusivo e virtuoso, conforme pregam Acemoglu, Johnson e Robinson.


Um aspecto fundamental da tradição institucionalista clássica que não tem sido devidamente incorporado nos trabalhos mais recentes é a chamada staple hypothesis ou abordagem do produto principal, segundo a qual as características do principal produto exportável de um país moldam suas instituições econômicas, políticas e sociais.


Essa foi a abordagem que utilizei e foi a base de meu livro Quatro séculos de história econômica brasileira5 publicado no Brasil em 1977, que disponibilizo a eventuais interessados no link citado a seguir https://go.fgv.br/97gvXuaVkmT.


A hipótese do produto principal, originalmente desenvolvida pelo historiador econômico canadense Harold Innis nas décadas de 1920 e 1930, oferece uma perspectiva única sobre o desenvolvimento econômico dos chamados países “novos”, ricos em recursos naturais e com baixa densidade populacional, como Canadá, Brasil, Austrália, Estados Unidos e outros mais. Essa abordagem se concentra em como a produção e exportação de produtos primários (produtos principais) formam as estruturas econômicas, sociais e institucionais de um país.


O desenvolvimento

Essa abordagem é particularmente relevante para entender o desenvolvimento do Brasil durante seus períodos colonial e de início de independência. Ela fornece uma análise mais matizada e historicamente fundamentada das interações complexas entre instituições herdadas ou nascentes, estrutura produtiva e desenvolvimento econômico.


De acordo com a staple hypothesis, em economias exportadoras de recursos naturais, as instituições tendem a se adaptar às necessidades do setor exportador principal. Isso pode gerar instituições extrativas que concentram poder e renda, caso o produto principal seja baseado, por exemplo, em grandes propriedades, como o açúcar. Ou pode gerar instituições relativamente mais inclusivas, caso o produto principal seja intensivo em trabalho e permita maior participação da população nos frutos do crescimento, como ocorreu inicialmente com o ouro em Minas Gerais e posteriormente com o café no Rio de Janeiro e em São Paulo Os aspectos-chave da hipótese do produto principal incluem:


1. Foco nas exportações primárias: a teoria enfatiza o papel central dos principais produtos primários exportáveis no desenvolvimento inicial de economias “novas” como Canadá, Estados Unidos, Austrália, Argentina e Brasil, entre outras.

2. Efeitos de encadeamento: analisa como a produção e exportação do produto principal geram encadeamentos para trás, para frente e de demanda final na economia, estimulando outros setores.

3. Formação institucional: a hipótese mostra como as características do produto principal moldam as instituições econômicas, políticas e sociais do país.

4. Desenvolvimento regional: explica como diferentes produtos principais levaram a padrões distintos de colonização e ocupação territorial.

5. Diversificação econômica: a abordagem examina as possibilidades e limitações para a diversificação econômica com foco na base exportadora inicial.

6. Distribuição de renda: considera como as características do produto principal afetam a distribuição de renda e a formação de classes sociais.

7. Vulnerabilidade externa: a teoria destaca a dependência e vulnerabilidade dessas economias às flutuações da demanda internacional.

8. Papel do Estado: analisa como o Estado se desenvolve e atua em função das necessidades do principal setor exportador.


No caso do Brasil, a abordagem ajudou a explicar as diferenças regionais e os efeitos dos ciclos econômicos baseados no pau-brasil, açúcar, ouro e café.


O texto que disponibilizo aplica a staple hypothesis para interpretar a evolução da economia brasileira nos seus primeiros quatro séculos. Mostrou como cada um desses ciclos moldou de forma distinta as regiões e as instituições onde se desenvolveram, influenciando sua trajetória de desenvolvimento subsequente.


Essa abordagem demonstra que as instituições são endógenas e resultam de processos históricos e econômicos específicos, não sendo a causa primária do desenvolvimento, mas sim o resultado das relações de produção. Ela mostra que as instituições não são fatores exógenos e circunstanciais a determinarem os resultados econômicos de uma nação. São elas próprias moldadas pela base econômica e pelo principal produto de exportação.


Os quatro séculos vai além da mera constatação de que as instituições são importantes para o desenvolvimento econômico, buscando entender as origens e a evolução dessas instituições no contexto específico do Brasil colonial e pós-colonial.


O estudo analisa como instituições e acordos formais nas metrópoles tiveram impactos profundos e duradouros nas estruturas econômicas de Portugal e suas colônias. Ele destaca como as instituições econômicas e políticas moldaram os incentivos e restrições para os atores econômicos, influenciando o desempenho econômico de longo prazo. E demonstra como as instituições extrativas impostas pela metrópole limitaram o desenvolvimento das colônias, canalizando recursos para as metrópoles.


A economia colonial brasileira é inicialmente caracterizada como um “enclave”, com baixa integração e efeitos multiplicadores limitados no mercado interno. A maior parte dos excedentes econômicos gerados era apropriada por agentes externos (Coroa portuguesa, comerciantes europeus) ou pela elite local, com pouca acumulação interna de capital.


O século XVIII foi profundamente marcado pelo Tratado de Methuen de 1703. Esse acordo abriu o mercado português aos produtos têxteis ingleses sem tarifas, em troca de redução de impostos para o vinho português na Inglaterra. As consequências foram imediatas: enquanto as exportações portuguesas para a Inglaterra cresceram 40% entre 1697-1700 e 1706-1710, as importações da Inglaterra aumentaram 120%. O déficit comercial português disparou, chegando a quase £ 1 milhão em 1706-1710.


O tratado foi devastador para a indústria têxtil portuguesa e resultou em um fluxo contínuo de ouro das minas brasileiras para a Inglaterra.


Estima-se que entre metade e três quartos do ouro que chegava a Lisboa acabava na Inglaterra, sendo essencial para que a oferta monetária inglesa acompanhasse o crescimento de sua produção e comércio.


Após conquistar o mercado português, os comerciantes ingleses passaram a dominar também o comércio com as colônias portuguesas. Em 1711, 200 navios ingleses aportaram no Brasil, contra apenas 20 portugueses. Os comerciantes ingleses não apenas controlavam as importações como passaram a financiar a produção e o comércio internos, além de dominar o tráfico de escravos.


Enquanto isso, a economia brasileira passava por grandes transformações com a descoberta do ouro no final do século XVII. A produção cresceu rapidamente, atingindo seu auge em 1760, quando começou a declinar. Estima-se que o Brasil tenha produzido entre £ 100-200 milhões em ouro durante o século XVIII.


O ciclo do ouro provocou um deslocamento do eixo econômico do Nordeste açucareiro para o Centro Sul minerador. Houve grande migração interna e de Portugal para a região das minas. A população colonial dobrou na primeira metade do século XVIII, atingindo 3,6 milhões em 1800. Desenvolveu-se uma economia mais diversificada e integrada nas regiões mineradoras.


Apesar da riqueza gerada, o ciclo do ouro ocorreu sob forte repressão e controle metropolitano. Diferentemente do açúcar na região nordestina no século anterior, a mineração era mais difícil de controlar e tributar. Assim, a Coroa portuguesa implementou uma série de medidas restritivas: centralização administrativa, proibição de manufaturas, cobrança de impostos pesados, restrição à circulação de mercadorias e pessoas. O quinto, imposto de 20% sobre a produção, era a principal fonte de receita. Mas a sonegação era generalizada, levando a conflitos entre mineradores e a Coroa. A capitação, imposto inicialmente por escravo e mais tarde por pessoas residentes, gerou ainda mais insatisfação. Revoltas como a de Felipe dos Santos em 1720 foram duramente reprimidas.


A Coroa também restringiu a produção de gêneros para forçar a especialização na mineração. Produtos como sal, vinho, fumo e azeite foram proibidos ou sobretaxados. Todas as manufaturas foram proibidas em 1785 pelo Alvará de D. Maria I, que proibia o funcionamento de fábricas e manufaturas na colônia sob a alegação de não faltar mão de obra para a agricultura e mineração. O objetivo real era garantir um mercado cativo para os produtos metropolitanos.


Apesar das restrições, a economia do ouro foi mais dinâmica e teve mais efeitos de encadeamento do que a do açúcar. Desenvolveu-se um mercado interno significativo, com a integração entre as regiões mineradoras, criatórias e agrícolas. Houve diversificação produtiva e crescimento urbano.


Com o esgotamento das minas a partir de 1760, a economia aurífera entrou em crise. Mas, diferentemente do Nordeste açucareiro, as regiões mineradoras conseguiram se reconverter para outras atividades. Em Minas Gerais desenvolveu-se uma significativa economia de mercado interno. No Rio de Janeiro e em São Paulo, a economia se reorientou para a exportação de produtos agrícolas, como o açúcar, anil, algodão e, posteriormente, o café.


Assim, o ciclo do ouro, apesar de seu caráter efêmero e dos pesados tributos e restrições impostos pela metrópole, lançou as bases para importantes transformações na economia colonial. Promoveu a ocupação do interior, a integração regional, a urbanização, a diversificação produtiva e a formação de um mercado interno. Seus efeitos se fariam sentir nas décadas seguintes, com o deslocamento definitivo do eixo econômico para o Centro-Sul.


Ao analisar o ciclo do café no século XIX, vem à tona como as instituições evoluíram em resposta a novas condições econômicas geradas pela cafeicultura e suas necessidades. A transição gradual do trabalho escravo para o trabalho livre, a imigração europeia e o surgimento de uma classe média urbana são examinados como fatores que contribuíram para mudanças institucionais importantes.


O texto ainda oferece insights sobre por que as regiões do Brasil se desenvolveram de forma diferente ao contrastar o desenvolvimento mais dinâmico e diversificado de São Paulo com a estagnação relativa do Nordeste após o declínio do ciclo do açúcar, atribuindo essas diferenças não apenas a fatores geográficos, mas também às diferentes estruturas institucionais que emergiram anteriormente em cada região.


De forma suscinta, eis um resumo das principais conclusões para cada ciclo econômico abordado no livro Quatro séculos de história econômica brasileira:


Ciclo do Pau-Brasil (início do século XVI):

• Atividade puramente extrativa e predatória.

• Não gerou efeitos multiplicadores ou encadeamentos na economia local.

• Lucros limitados e apropriados integralmente por agentes externos.

• Não levou à formação de povoamentos permanentes significativos.

• Pouco impacto duradouro na estrutura econômica brasileira.


Ciclo do Açúcar (séculos XVI-XVII):

• Estabeleceu as bases da estrutura econômica e social colonial no Nordeste.

• Sistema de grandes propriedades rurais (latifúndios) e trabalho escravo.

• Formação de uma elite aristocrática e sociedade altamente desigual.

• Economia de enclave com reduzida integração ao mercado interno.

• Grande parte dos lucros apropriada por agentes externos (Portugal, Holanda).

• Inibiu o desenvolvimento de manufaturas e outras atividades econômicas.

• Gerou riqueza temporária e poucas mudanças estruturais duradouras.


Ciclo do Ouro (século XVIII):

• Provocou grande migração interna e expansão territorial.

• Aumentou o controle e a repressão da metrópole sobre a colônia.

• Fortalecimento do poder central e declínio da autonomia local.

• Política mercantilista mais rígida, proibindo manufaturas na colônia.

• Grande evasão de riquezas para Portugal e Inglaterra.

• Não gerou bases para um desenvolvimento econômico sustentado.

• Declínio levou à estagnação econômica no final do século XVIII.


Ciclo do Café (século XIX):

• Promoveu modernização econômica e infraestrutura (inovação tecnológica, ferrovias, portos).

• Estimulou a imigração europeia e o trabalho assalariado.

• Gerou acumulação de capital que financiou a industrialização inicial.

• Formação de uma burguesia nacional e mercado interno mais dinâmico.

• Maior diversificação econômica, especialmente em São Paulo.

• Manteve, porém, a dependência da exportação de produtos primários.

• Crises cíclicas devido à volatilidade dos preços internacionais.


Em suma, Quatro séculos oferece uma análise mais contextualizada do que as abordagens institucionalistas contemporâneas. Ao focar na interação entre os ciclos econômicos baseados em produtos primários, as condições geográficas e demográficas específicas do Brasil, e as instituições transplantadas e adaptadas, a abordagem do produto principal proporciona uma melhor compreensão do processo de desenvolvimento institucional, endogenamente, e que, por sua vez, determinaram o crescimento econômico em países “novos”.


Ele mostra como as instituições são tanto causa quanto consequência do ambiente no qual se deu o desenvolvimento econômico, evoluindo em resposta a mudanças e exigências nas condições coloniais que, por sua vez, moldaram a evolução econômica do país. Além disso, enquanto a staple hypothesis tende a ver as instituições como resultado da base econômica, o institucionalismo atual dá mais ênfase ao papel autônomo das instituições políticas na formação econômica das nações.


A hipótese do produto principal enriquece as contribuições fundamentais de Acemoglu, Johnson, Robinson e outros autores contemporâneos, e traz novos insights sobre as origens históricas e econômicas das instituições, não tomando-as por dadas, mas que por sua vez tornam-se fundamentais no desenvolvimento econômico de uma nação.


Concluindo, a redescoberta da escola institucionalista histórica com o Nobel para Acemoglu, Johnson e Robinson é extremamente bem-vinda e abre novas e promissoras avenidas de pesquisa.

 

1 Smith, N. A Nobel for the big big questions. Disponível em: https://www.noahpinion.blog/ p/a-nobel-for-the-big-big-questions. 2 Torres, G. P. Em busca de uma teoria social perfeita (a traição das elites). Disponível em: https://estadodaarte.estadao.com.br/sociedade/ a-traicao-das-elites/. 3 Koyama, M. et al. Magna Carta. GMU Working Paper in Economics n. 23-34, 21 Oct. 2024. 4 McCloskey, D. N. The statist neo-institutionalism of Acemoglu and Robinson. Paper submitted to Rivista di Storia Economica, version of Jan. 31, 2021. 5 Albuquerque, M. C. C. de. Quatro séculos de história econômica brasileira. São Paulo: Editora McGraw Hill do Brasil Ltda., 1977. 6 Pessôa, S. em Desenvolvimento institucional no Nobel, Folha de S.Paulo, 20 out. 2024, menciona trabalhos mais recentes aplicados à economia norte-americana.







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