Publicado no Livro Estudos Econômicos — Vol. 16 - Nº 1 - Instituto de Pesquisas Econômicas (USP) - 1986
Resumo
Neste trabalho, tenta-se examinar as implicações teóricas da mudança tecnológica viesada dentro de uma estrutura geral e, em seguida, à luz do caso particular fator-aumentativo. A análise é desenvolvida para funções de produção a dois fatores e, depois, para o caso de "n" fatores. Procura-se, assim, apontar que, para o estudo do progresso tecnológico, há necessidade de separar mudança tecnológica de per si da substituição de fatores.
Abstract
This article is an attempt to analyze the theoretical implications of biased technological change within a general framework, and then in the specialized factor-augmenting case. Two-factor production functions are used in the analysis, but the main results are generalized to the n-factor case. The results obtained point out the necessity of separating technological change per se from factor substitution in the analysis of technological change.
Introdução
Este artigo é uma tentativa de analisar as implicações teóricas da mudança tecnológica dentro de uma estrutura geral e, em seguida, à luz do caso particular fator-aumentativo. Funções de produção a dois fatores são utilizadas na análise, mas os resultados principais são generalizados para o caso de "n" fatores. Procura-se ainda apresentar as dificuldades em se analisar a mudança tecnológica devido à necessidade de separar a mudança tecnológica de per si da substituição de fatores.
MUDANÇA TECNOLÓGICA
A análise é feita em uma estrutura que leva em consideração a mudança tecnológica viesada, e as três definições principais, segundo Hicks, Harrod e Solow, são explicitamente derivadas e relacionadas umas às outras.
Suponhamos ser possível definir uma relação macroeconômica entre produto e um conjunto de insumos — a função de produção agregada. Tal função de produção, definida em estreita analogia com a função de produção microeconômica, pode ser caracterizada por quatro parâmetros que descrevem sua "tecnologia abstrata", isto é, o parâmetro de eficiência, o parâmetro de escala, o parâmetro de intensidade e o parâmetro de substituição.
Uma mudança na "tecnologia abstrata" pode ser associada a uma série de fatores, tais como maior possibilidade de substituição entre fatores de produção, economias ou deseconomias de escala, melhorias em educação e treinamento, deslocamentos intersetoriais de recursos, alterações organizacionais etc. Embora algumas dessas razões possam estar diretamente associadas a mudanças no estoque de conhecimento, geralmente resultantes de pesquisa e desenvolvimento, outras não o podem. Tal é o caso, por exemplo, do processo de treinamento que não aumenta realmente o estoque de conhecimento, mas pode acelerar sua difusão e, consequentemente, conduzir a um deslocamento da função de produção.
A função de produção agregada não deve ser interpretada como uma relação que descreve as técnicas de produção mais eficientes, mas como a representação do nível médio das possibilidades de produção disponíveis para os produtores em qualquer dado momento no tempo. Interpretada dessa forma, a função de produção agregada não é um elemento totalmente exógeno em teoria econômica, dependente exclusivamente de um estoque de conhecimento tecnologicamente determinado, mas uma variável endógena, determinada conjuntamente por considerações econômicas e não econômicas. A função de produção, interpretada como um conceito totalmente determinado tecnologicamente, restringe suas características mais abrangentes, especialmente em um contexto dinâmico. Já uma visão mais ampla do conceito de função de produção é compatível, por exemplo, com a teoria da inovação induzida, segundo a qual a adoção de mudanças tecnológicas depende dos preços relativos dos fatores, muito embora, fisicamente, novas técnicas de produção possam ser conhecidas de antemão.
1. Problemas na Análise da Mudança Tecnológica
Hicks (1932) fez uma das mais incitantes observações na história da ciência econômica quando escreveu que:
"uma mudança nos preços relativos dos fatores de produção é, ela própria, um incentivo à invenção, e invenção de um tipo específico — voltado à economia do uso do fator que se tornou relativamente caro".
Essa observação introduziu uma nova perspectiva no estudo da mudança tecnológica, visto que, até então, os economistas haviam considerado a evolução técnica como fora do domínio da economia. Foi a partir daquele momento que economistas começaram a questionar se variáveis econômicas poderiam afetar a natureza da mudança tecnológica, tornando-a uma variável endógena, e não exógena, nos modelos econômicos.
Nos anos 50 e 60, a experiência americana mostrou que, a despeito da acelerada elevação da relação capital-trabalho, as participações de ambos os fatores no produto haviam permanecido constantes, o que, aos economistas, parecia ser uma contradição. O paradoxo é facilmente explicado supondo-se, quer uma elasticidade de substituição unitária constante, implícita em uma função Cobb-Douglas, quer uma função de produção com elasticidade de substituição menor que a unitária juntamente com um viés poupador de trabalho grande o suficiente para compensar o aumento da participação do trabalho resultante da crescente relação capital-trabalho.
Tais afirmações requerem uma clara compreensão da teoria econômica por trás do conceito de mudança tecnológica. Eventuais alterações observadas na proporção de uso dos fatores e em suas participações relativas no valor da produção devem ser decompostas em um componente resultante de substituição ordinária de fatores ao longo de uma isoquanta e em um segundo componente derivado de deslocamentos não neutros, ou viesados, da isoquanta. Adicionalmente, como mostrado em Albuquerque (1985a), é necessário isolar o efeito de não homotetia dos deslocamentos da isoquanta, isto é, aqueles deslocamentos que se devem a efeitos de escala de produção.
Fellner (1971), Resek (1963) e Kendrick e Sato (1963), entre outros, sugeriram e testaram importantes hipóteses sobre a mudança tecnológica sem realmente precisarem estimar os valores dos parâmetros tecnológicos. Baseados em observações e estimativas de relações capital-trabalho, produtividade do trabalho, preços, participações e produtividade total dos fatores, elasticidades de substituição e taxas marginais de substituição técnica, eles obtiveram êxito em, sob certas suposições, testar hipóteses acerca do rumo do progresso tecnológico.
Esses estudos geralmente implicavam raciocínio tortuoso e deduções causais pouco intuitivas, apesar das suposições simplificadoras comumente feitas, tais como uma função de produção a dois fatores e homogeneidade linear ou, como em Kendrick e Sato (1963), assumindo ser neutra a mudança tecnológica. Supondo, como sugerido por Hicks (1932), que a mudança tecnológica seja endógena, surge a questão de como variáveis econômicas afetam as mudanças nos métodos de produção.
O interesse inicial em mudança tecnológica viesada e em modelos de inovação induzida surgiu a partir de questões de distribuição de renda; basicamente, tenta-se prever os efeitos do inerente viés poupador de trabalho das sociedades industrializadas.
Binswanger (1978) mostrou que a literatura sobre inovação induzida contém dois modelos básicos: o de Ahmad (1966), que postula a existência de uma curva de possibilidade de inovação, a qual tem, até agora, desafiado o tratamento matemático e, portanto, apresenta limitadas aplicações econométricas; e o de Kennedy (1964), que incorpora mudanças tecnológicas fator-aumentativas e supõe uma fronteira de possibilidade de inovação — uma fronteira de trade-off entre taxas de incremento de capital e taxas de incremento de trabalho. Essa abordagem conduziu a uma rica literatura teórica e, empiricamente, requer a mensuração econométrica das taxas de incremento de fatores.
Este trabalho é, portanto, uma tentativa de obter uma compreensão da teoria da mudança tecnológica, e procura mostrar a impossibilidade de determinar, simultaneamente, os vieses e as elasticidades de substituição de fatores, sem o auxílio de modelos econométricos.
Adicionalmente, a hipótese de dois fatores, em ambas as formas, geral e fator-aumentativas, é generalizada para o caso de 'n' fatores.
A não ser que se usem modelos econométricos, tornam-se necessárias suposições altamente simplificadoras para formular afirmações a respeito da mudança tecnológica; e a tarefa torna-se quase impossível se houver mais dois fatores de produção, como mostrado no apêndice 1. Isso explica a costumeira utilização de formas funcionais altamente restritivas, tais como a de Cobb-Douglas ou a Elasticidade de Substituição Constante (CES), e ressalta a necessidade de se derivarem formas funcionais menos restritivas e mais poderosas.
2. A Teoria da Mudança Tecnológica
A mudança tecnológica, ao nível agregado, pode ser representada por um índice que especifica os deslocamentos da função de produção, gerando toda uma família dessas funções. O índice é, ele próprio, uma função de todos os fatores que provocam mudança tecnológica, tais como fatores econômicos, tecnológicos, culturais, climáticos e outros. Como uma simplificação, associaremos este índice, ao qual denominaremos "t", ao tempo. Essa interpretação do parâmetro "t" supõe que os deslocamentos da função de produção agregada ocorrem de maneira uniforme e contínua, embora devamos estar alertas para o fato de que, ao nível microeconômico, a mudança tecnológica ocorre irregularmente, por vezes progredindo e por outras regredindo.
Mudança Tecnológica e Definições de Neutralidade
As mudanças tecnológicas podem ser classificadas como utilizadoras de capital (ou poupadoras de trabalho) ou utilizadoras de trabalho (ou poupadoras de capital), dependendo de como afetam as participações relativas dos fatores no produto. Especificamente, uma mudança tecnológica é definida como utilizadora de capital quando a participação do capital aumenta, e como utilizadora de trabalho quando a participação do trabalho aumenta.
A neutralidade de Hicks requer que as participações relativas dos fatores permaneçam constantes ao longo de um caminho onde a relação capital-trabalho é constante. Essa definição busca analisar uma situação de curto prazo, na qual as disponibilidades de capital e trabalho são fixas.
A definição de Harrod considera ajustes a longo prazo na disponibilidade dos fatores, mas impõe a restrição de uma taxa constante de retorno sobre o capital. Essa hipótese está alinhada com a visão "neo-keynesiana", que sugere que os capitalistas em economias maduras determinam sua taxa média de lucro, a qual deixa de ser uma variável exogenamente determinada.
Por fim, a definição de Solow é consistente com uma economia subdesenvolvida onde a taxa de salário, presumivelmente ao nível de subsistência, não pode ser reduzida e não é permitida sua elevação pelos mecanismos conhecidos dos modelos de oferta ilimitada de trabalho.
Originalmente, essas três classificações de mudança tecnológica não foram explicitamente definidas em termos de participações dos fatores. A neutralidade segundo Hicks exigia uma taxa marginal de substituição constante a uma dada relação capital-trabalho de pleno emprego; Harrod exigia uma relação capital-produto constante a uma dada taxa de juros; e Solow estipulava uma relação trabalho-produto constante, dada uma taxa de salário fixa.
Como demonstraram Beckman e Sato (1968) em sua tentativa de definir novos tipos de progresso técnico, ao introduzir as participações dos fatores como variáveis invariantes em relação às relações capital-trabalho, capital-produto e trabalho-produto, essas definições provaram ser coincidentes com as fornecidas por Hicks, Harrod e Solow, respectivamente. De fato, isso pode ser observado de forma bastante direta.
Algumas conclusões importantes podem ser extraídas das relações anteriormente derivadas, que evidenciam a importância da mudança tecnológica na determinação dos valores de algumas variáveis-chave em um sistema econômico.
A taxa de crescimento do produto pode ser decomposta em duas partes distintas: a) o crescimento do produto atribuível exclusivamente ao progresso tecnológico, que resulta de deslocamentos da função de produção; e b) o crescimento do produto atribuível ao aumento na oferta de fatores de produção, que resulta exclusivamente de movimentos ao longo da função de produção estática. Na figura 1, o primeiro efeito de crescimento é representado por um movimento de B para C, enquanto o segundo é mostrado pelo movimento de A para B.
Devido à existência desses dois componentes, as equações de crescimento dos preços dos fatores e a equação de crescimento da participação relativa dos fatores também dependem de componentes tecnológicos e fatoriais. De fato, as equações (8) e (9), que tratam do crescimento dos preços dos fatores, dependem de quatro variáveis diferentes: a taxa de progresso tecnológico (T), o viés do progresso tecnológico (B), a taxa de crescimento dos fatores de produção (k) e a elasticidade de substituição (σ). As variáveis T, B e σ são componentes tecnológicos, enquanto k é o componente fatorial.
A partir das equações (8) e (9), pode-se observar que a taxa de progresso tecnológico (T) tem um efeito positivo sobre os preços de ambos os fatores, uma vez que aumenta seus produtos marginais. Por outro lado, os demais componentes do crescimento afetam os preços dos fatores em direções distintas.
O viés de Hicks (B) aumentará o crescimento da taxa de retorno do capital se o...