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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O ponto facultativo da 6ª feira

A greve geral fracassou. Não foi uma greve, e muito menos geral. Em realidade, só obteve o nível de paralização que foi observado em São Paulo por ter ocorrido numa sexta-feira de verão, e pela interrupção do metrô levada a cabo pelo seu principal executivo de operações, que optou por prestar lealdade ao Sindicato dos metroviários, a quem deve sua posição, e não à empresa onde exerce cargo de confiança. Greve mesmo, como um movimento consciente de reivindicação ou de protesto só ocorreu em setores isolados, onde os próprios organizadores da paralização têm suas principais bases políticas. Em geral, não houve manifestação de caráter político, ou de reinvindicação econômica – uma greve –, mas apenas uma difusa sensação de ponto facultativo.

Isto não surpreende. Só é estranhável que as lideranças sindicais não se tenham apercebido que o momento não é ainda propício para qualquer movimentação grevista de maiores proporções.

As melhorias de emprego e de salários da maioria dos trabalhadores ainda são sentidas com bastante intensidade, não obstante o solapamento que este processo bem sofrendo por parte da inflação ascendente. As medidas contracionistas do Cruzado 2 ainda não foram sentidas com maior intensidade pela população. Cabe observar ainda que o fracasso da greve em parte dá uma reposta aos críticos mais veementes da atual política econômica e corrobora a posição do governo de que os efeitos do pacote não cairão diretamente sobre os assalariados de mais baixa renda. É evidente que as medidas são inflacionárias, e que portanto acabarão eventualmente recaindo sobre os todos assalariados. Mas isto é uma outra questão, muito mais ligada à inconsistência da política anti-inflacionária adotada pelo governo desde fevereiro, e muito menos à escolha de instrumentos de contenção de demanda acionados pelo governo em novembro passado.

Embora esta tenha sido uma greve que não houve, não há dúvida de que outras poderão ocorrer com sucesso em futuro próximo. Apesar da irracionalidade do Plano Cruzado como uma estratégia anti-inflacionária, ele produziu efeitos colaterais importantes na economia brasileira. Um deles, possivelmente o mais significativo, foi a evidente redistribuição de renda que gerou. Grosso modo, pode-se dizer que os salários aumentaram sua participação na renda nacional, o capital industrial e fundiário mantiveram-se constantes, ao passo que o capital financeiro perdeu terreno.

Essas alterações na composição da renda nacional precisam ser preservadas, e mesmo aprofundadas. Esta é a grande questão econômica do momento: fazer as correções ao Cruzado – que são indispensáveis e geradoras de forte inflação corretiva – sem permitir a formação de uma espiral inflacionária (daí a preocupação em avançar na desindexação); em segundo lugar, não permitir que a inflação reverta a redistribuição de renda a favor do assalariado de menor poder aquisitivo, ocorrida nos últimos meses.

Não se trata de efetuar novas reformas e alterações na estrutura econômica do país, mas apenas manter posições já tomadas. Qualquer fracasso nesta tarefa poderá, aí sim, fazer explodir um rosário de greves gerais e de perturbações de ordem. Já se sentiu o gosto do consumo.

Se for bem interpretado, e sobretudo bem conduzido, o pacto social (perdão pelo termo) poderá realizar o que precisa ser feito: congelar a distribuição de renda ocorrida. Hoje o entendimento se torna possível a partir dos ganhos que os assalariados tiveram nos últimos meses. Não estaria em discussão a divisão de sacrifícios nem sempre equânime, como cogitado anteriormente; mas sim a preservação dos ganhos dos trabalhadores, a limitação de excessos, no caso do setor financeiro, e a manutenção do crescimento econômico moderado para os setores produtivos. Congelamento temporário de preços e salários, um desses caminhos a serem explorados.

 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), chefe do departamento de Economia da FGV/SP, e consultor econômico desta Folha.

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